Em Burkina Fasso, 386 mil pessoas vivem em condições degradantes

Vulnerabilidade aumenta para os deslocados internos à medida que a violência cresce e a estação das chuvas se aproxima

Em Burkina Fasso, 386 mil pessoas vivem em condições degradantes

O número de pessoas deslocadas que buscam segurança na região centro-norte de Burkina Fasso quase dobrou em seis meses, para 386 mil, como resultado da crescente insegurança e violência. Muitos não têm opção a não ser ficar em abrigos improvisados em áreas remotas, sem serviços básicos e sem abrigo.

Em Pissila, cidade 130 km a nordeste da capital Ougadougou, Nabonswendé lembra as primeiras chuvas que atingiram a área, em maio: “A água inundou todas as tendas, então tivemos que levantar e ficar em pé até de manhã”, diz ele. “Esperamos que, se não pudermos voltar para nossas casas, pelo menos possamos consertar nossas tendas para que a água não entre, caso contrário, a estação das chuvas será muito difícil”.

Nabonswendé viveu na área de Pissila no ano passado, mas espera poder retornar ao seu vilarejo, onde as condições de vida são muito melhores. “Embora muito esteja sendo feito para nos apoiar, voltar para nossa casa seria a melhor solução”, diz ele. “Somos agricultores e, quando as chuvas chegarem, deveremos estar nos campos, para que possamos sustentar nossas famílias”.

Mais ao norte, no município de Pensa, as pessoas deslocadas também estão vivendo em condições difíceis. “Já estamos morando no prédio da prefeitura há 12 meses”, diz Awa, que é de Wapassi. “Quando chove à noite, não conseguimos dormir porque a água entra pelo telhado. Antes tínhamos nossas casas e tudo de que precisávamos. Agora nos sentimos miseráveis”.

Os abrigos improvisados e outras acomodações de emergência em que as pessoas deslocadas estão vivendo são muitas vezes incapazes de suportar os fortes ventos e chuvas, comuns nesta época do ano. Poças de água parada da chuva aumentam o risco de doenças transmitidas pela água, como cólera e diarreia aquosa aguda, às quais as crianças são especialmente vulneráveis.

Quando as crianças ficam doentes, muitos pais são incapazes de pagar por um médico, pois perderam seus meios de subsistência quando deixaram suas casas. Segundo Nabonswendé, muitas pessoas se endividam para obter assistência médica. “Quando nossos filhos adoecem, é necessário levá-los ao hospital, mesmo que corramos o risco de endividamento, porque não temos dinheiro”, diz ele.

“É um alívio que MSF ofereça assistência médica gratuita”, diz Nabonswendé. “Saúde é a coisa mais importante”. MSF tem um centro de saúde em Pissila, além de administrar clínicas móveis para alcançar pessoas nas áreas ao redor.

“Não há espaço suficiente para todos”

Enquanto várias organizações se esforçam para atender às necessidades de curto e médio prazo das pessoas deslocadas, as lacunas ainda são consideráveis. A crescente pressão sobre os poucos recursos disponíveis como resultado do crescente número de pessoas deslocadas também dificulta as coisas para as comunidades que recebem essas pessoas.

“Nós já éramos muitos quando novas pessoas começaram a chegar”, diz um morador da cidade de Bourzanga. “Encontrar água limpa suficiente para todos é um grande desafio. Agora, com as chuvas, a qualidade da água vai se deteriorar e trazer doenças. Alimentos, acomodações e banheiros também são um problema. Mostramos a eles onde é seguro instalar abrigos – longe de áreas propensas a inundações – mas não há espaço suficiente para todos”.

As necessidades das pessoas são extremamente altas, sejam elas locais ou de outros lugares. As prioridades são água potável, comida, abrigo e assistência médica.

“Para que se possa garantir o bem-estar e a saúde dessas pessoas, elas precisam de melhores condições de vida, incluindo abrigos adequados e um ambiente limpo com banheiros funcionais, especialmente durante a estação chuvosa”, diz Hassan Maïyaki, coordenador-geral de MSF em Burkina Fasso.

As equipes de MSF distribuíram kits de higiene, itens essenciais de ajuda e água potável. A distribuição mais recente ocorreu em Silmangué, no centro-norte, situado a cerca de 170 quilômetros de Kaya. Lá, MSF distribuiu utensílios domésticos essenciais – baldes, galões, xícaras etc. – e kits de abrigo para mais de 2 mil famílias deslocadas. No entanto, Maïyaki diz que é necessário muito mais. “O número de pessoas deslocadas continua aumentando, assim como suas necessidades e a das comunidades anfitriãs”, diz ele.

Crise de malária e desnutrição iminente

Com o deslocamento em escala tão grande, condições de superlotação e falta de água e de saneamento criam um ambiente em que doenças se espalham facilmente. A estação chuvosa traz uma incidência maior de malária, uma vez que os mosquitos que transmitem a doença se reproduzem em água parada. Em 2019, a malária foi a condição mais comum entre nossos pacientes na região centro-norte. Este ano não será diferente, com 7.231 pessoas já tratadas da doença por MSF desde janeiro.

“Mais de 60% das pessoas deslocadas na região centro-norte são crianças, as mais vulneráveis a doenças como a malária”, diz Maïyaki.

O diagnóstico e o tratamento precoces da malária são essenciais para reduzir as mortes causadas pela doença. No entanto, a assistência médica na região é escassa, com ao menos 21 centros de saúde na região fechados e 38, até o fim de maio, trabalhando com capacidade mínima. Em vez disso, autoridades regionais de saúde estão concentradas na prevenção, eliminando as condições que permitem a multiplicação de mosquitos e outros portadores de doenças. As equipes de MSF estão prontas para apoiar as autoridades locais no caso de um aumento nos casos de malária.

Outro risco para a saúde trazido pela estação chuvosa é a desnutrição, devido à lacuna sazonal da fome. Entre janeiro e junho de 2020, MSF forneceu alimentação terapêutica para 1.580 crianças desnutridas. Esse número deve aumentar à medida que os alimentos se tornarem mais escassos nas próximas semanas.

Pelo menos 2,2 milhões de pessoas em Burkina Fasso precisam de assistência, de acordo com a ONU. “É vital direcionar fundos e recursos humanos para melhorar as condições de vida das pessoas mais vulneráveis”, diz Maïyaki. “A magnitude da situação é de tal proporção que uma abordagem global permanente é necessária para garantir a assistência a essas pessoas”.

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Atualmente, mais de 921 mil pessoas estão desalojadas de suas casas em Burkina Fasso, segundo a ONU. As equipes médicas de MSF que trabalham na região centro-norte prestam assistência básica de saúde às populações de Kaya, Pissila, Barsalogho, Pensa (município de Sanmatenga), Tougouri, Bouroum (município de Namentenga), Kongoussi, Bourzanga (município de Bam). MSF também administra clínicas móveis para chegar até pessoas em áreas remotas.

Médicos Sem Fronteiras (MSF) começou a atuar em Burkina Fasso em 1995 e atualmente fornece assistência médica às populações das regiões do Sahel, centro-norte, norte e leste. Em 2019, as equipes médicas de MSF fizeram 112.611 consultas em todo o país. As equipes de MSF também administram serviços de transporte rodoviário para fornecer água potável às pessoas. Após o início da pandemia da Covid-19, MSF instalou centros de tratamento nas cidades de Ouagadougou, Bobo-Dioulasso e Fada. As equipes de MSF também fornecem apoio às unidades de saúde e realizam atividades de conscientização e de envolvimento comunitário.

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