Em Gaza, “as pessoas têm fome de paz”

Abu Abed, profissional de MSF em gaza, fala sobre “sentimentos confusos” após possível cessar-fogo, anunciado em 15 de janeiro

Imagem da destruição em Gaza, feita no início da escalada da guerra, em 09 de outubro de 2023. Mohammed Baba/MSF

“Há mais de 400 dias, não ouvimos nenhum tipo de celebração, canto ou dança. Gaza, ontem à noite, começou a celebrar, a cantar, crianças nas ruas, você pode ouvi-las entoando canções. Realmente não consigo descrever o quanto as pessoas têm fome de paz. Todos cantavam canções [dizendo] que voltariam para o Norte, para suas casas.

Havia muitos dos meus colegas que estavam chorando. Mesmo antes do anúncio do acordo de cessar-fogo, eles começaram a chorar. Eles choraram e sentiram realmente um sentimento de luto. Alguns se lembraram daqueles que perderam no início da guerra.

Todos esses sentimentos tristes começarão, acho, com o [fim] da guerra. Especialmente quando as pessoas que estão deslocadas no Sul voltarem para suas casas no Norte e na Cidade de Gaza, e aí veremos que não é a mesma casa que eles foram forçados a deixa naquela época. Voltarão para ver uma casa destruída. Acho que será muito difícil. O medo acabará, e a dor começará.

Eu, pessoalmente, tive sentimentos confusos. Em algum momento eu quis sorrir, gargalhar e cantar. Ao mesmo tempo, quis chorar e lamentar. Choraremos por muitas coisas quando o cessar-fogo começar. Choraremos pelas pessoas que perdemos, pelos amigos, familiares. Choraremos pelos órfãos. Choraremos pelas viúvas em Gaza. Choraremos pelas pessoas com deficiência. Choraremos pelas casas e pelos lares que foram destruídos.

Pelo menos o cessar-fogo vai estancar o sangue, vai parar a matança, interromper os ferimentos. Porque a cada minuto em Gaza, desde os últimos 400 dias, é só sangue. A guerra não matou apenas corpos, ela dilacera a alma, a esperança e deixa para trás um tipo de silêncio que grita de dor.”

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