Encurralados e esquecidos: onde o povo Rohingya pode encontrar segurança?

Conflitos em Mianmar deixam os Rohingya encurralados em meio à violência, sem acesso a qualquer tipo de proteção ou assistência médica e humanitária

Acampamento de pessoas deslocadas em Rathedaung, no estado de Rakhine, em Mianmar. Outubro de 2023. ©Zoe Bennell/MSF

“Ouvimos explosões, tiros e pessoas gritando”, relembra Ruhul*, ao descrever o momento em que sua cidade, Buthidaung, em Mianmar, foi atacada na noite de 17 de maio. “Minha família e eu fugimos de nossa casa no meio da confusão, buscando segurança nas colinas próximas.”

“Fiquei separado dos meus pais e passei vários dias escondido na selva com meus primos e outros jovens, com fome e medo. Pisei em duas minas terrestres. Na primeira eu não me feri, mas a segunda explosão decepou o meu pé.” Ruhul, um jovem Rohingya, não recebeu cuidados médicos por nove dias, até conseguir cruzar a fronteira para o país vizinho, Bangladesh, e chegar a um hospital de Médicos sem Fronteiras (MSF) no acampamento de refugiados em Cox’s Bazar.

Um homem Rohingya que perdeu a perna na explosão de uma mina terrestre em Mianmar. Agosto de 2024. © Mohammad Sazzad Hossain/MSF

Conflitos em Mianmar atingem principalmente a etnia Rohingya

Desde novembro de 2023, o estado de Rakhine, no norte de Mianmar, tem sido devastado pela intensificação do conflito entre as Forças Armadas de Mianmar e o Exército Arakan. A violência extrema, incluindo o uso de armamento pesado, ataques com drones e incêndios criminosos, destruiu vilarejos inteiros, matando, ferindo e deslocando civis. Ambos os lados do conflito estão recrutando civis à força e alimentando tensões étnicas entre as comunidades.

A violência está afetando vários grupos étnicos que vivem em Rakhine. No entanto, como um dos grupos mais perseguidos historicamente ao longo das décadas, a comunidade Rohingya frequentemente se vê presa no meio dessa violência.

Nos dias 17 e 18 de maio, em Buthidaung, casas e propriedades civis foram queimadas até a destruição total, e milhares de rohingyas (incluindo muitos que já haviam sido deslocados de outras áreas anteriormente) fugiram da cidade.

Um morteiro acertou nossa casa, matando minha esposa e ferindo várias outras pessoas.”
– Mojubullah, refugiado Rohingya em Bangladesh

Mojubullah é outro homem Rohingya que foi deslocado de Buthidaung no mesmo dia. “Um morteiro acertou nossa casa, matando minha esposa e ferindo várias outras pessoas”, ele relata. “Tomamos a dolorosa decisão de partir para Bangladesh. Deixar para trás nossa casa, nosso gado e nossas colheitas foi muito difícil.”

Assista “Lost at Sea”, curta-metragem baseado na história real de um refugiado Rohingya

Em Maungdaw, a 20 km a oeste de Buthidaung, confrontos intensos entre os grupos em conflito aumentaram em maio e voltaram a crescer em agosto. Eles foram caracterizados por ataques violentos a grupos de rohingyas – alguns dos quais já eram sobreviventes dos ataques em Buthidaung.

Crianças estão entre os feridos pelos conflitos

Entre 5 e 17 de agosto, equipes de MSF nos acampamentos de Cox’s Bazar, em Bangladesh, trataram 83 pacientes rohingyas com ferimentos relacionados à violência, sendo que 48% deles eram mulheres e crianças. Eles relataram ter fugido de um ataque em Maungdaw e cruzado a fronteira.

Esses pacientes que chegaram às instalações de MSF estão sofrendo de ferimentos por balas, mutilações causadas por minas terrestres e em estado crítico por causa da falta de medicamentos para tratar doenças potencialmente fatais, como HIV ou tuberculose. Esses medicamentos não estão mais disponíveis em Rakhine.

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Várias pessoas descreveram a jornada pela fronteira, que inclui a travessia do rio Naf, como perigosa. Como a fronteira está oficialmente fechada, e as pessoas são forçadas a pagar grandes propinas a autoridades, grupos armados ou contrabandistas para conseguir cruzar.

Apesar de nossos apelos por ajuda, incluindo as necessidades médicas urgentes dos meus netos, fomos empurrados de volta para Mianmar.”
– Mojubullah, refugiado Rohingya em Bangladesh

“A jornada foi marcada por desafios a cada passo”, diz Mojibullah. “Encontramos contrabandistas exigindo taxas exorbitantes por um perigoso trecho de barco e enfrentamos a hostilidade dos guardas de fronteira ao chegar a Bangladesh. Apesar de nossos apelos por ajuda, incluindo as necessidades médicas urgentes dos meus netos, fomos empurrados de volta para Mianmar.”

Violência impede cuidados médicos

No norte de Rakhine, o acesso à assistência médica é quase inexistente. As instalações de saúde não funcionam, após serem danificadas pelos combates. Falta também pessoal médico, que fugiu por causa da violência. Também não há suprimentos, por causa das dinâmicas do conflito e da impossibilidade de se obter autorização para transportar esse material conforme necessário.

Destroços do escritório de MSF em Buthidaung após incêndio. Abril de 2024. ©MSF

MSF foi forçada a suspender indefinidamente nossas atividades médicas humanitárias em Buthidaung, Maungdaw e Rathedaung, em junho, depois que o nosso escritório e o nosso estoque médico foram incendiados. Antes dessa suspensão, MSF testemunhou ataques a áreas civis altamente populosas, como mercados e vilarejos, assim como ataques a instalações médicas, que ameaçavam as vidas de pacientes e profissionais da saúde.

Os esforços – se é que há algum – feitos pelas partes envolvidas nesse conflito para proteger os civis e cumprir suas obrigações sob o direito humanitário internacional são insignificantes.

Medo e preocupação constantes

O preço desse desrespeito pela vida humana é imenso. Desde julho de 2024, as equipes de MSF em Bangladesh receberam em suas instalações 115 pacientes rohingyas feridos em meio aos combates. Mesmo que os rohingyas recém-chegados a Cox’s Bazar tenham conseguido escapar da zona de conflito e acessar algum atendimento médico, eles são forçados a se esconder constantemente por medo de deportação de volta para Mianmar, enfrentando uma situação cada vez mais precária em acampamentos onde 1,2 milhão de pessoas vivem atrás de cercas de arame farpado.

Minha família e eu estamos lutando para lidar com a perda de entes queridos e com a incerteza do nosso futuro.”
– Mojubullah, refugiado Rohingya em Bangladesh

Além do aumento da violência e dos sequestros nos acampamentos de Cox’s Bazar, incluindo o recrutamento forçado para grupos armados de Mianmar, muitas pessoas vivem com medo e ansiedade tanto pelo que vivenciaram quanto pelo destino de suas famílias em Bangladesh e em seu país natal.

Após finalmente chegar a Bangladesh, Mojibullah ainda não encontrou alívio das dificuldades. “Minha família e eu estamos lutando para lidar com a perda de entes queridos e a incerteza do nosso futuro.”

De acordo com dados da ONU, aproximadamente 327 mil pessoas foram deslocadas no estado de Rakhine e no município de Paletwa, no estado de Chin, desde que o conflito em Mianmar recomeçou, em novembro de 2023. Isso eleva o número total de deslocados em Rakhine e Paletwa para mais de 534 mil pessoas.

MSF convoca as partes envolvidas no conflito a cumprir suas obrigações sob o Direito Humanitário Internacional e sob os princípios da distinção, proporcionalidade e precaução. Isso inclui proteger os civis dos ataques diretos e dos efeitos dos ataques, assim como a proibição de ataques indiscriminados. Também pedimos às autoridades e a todos os atores de ambos os lados da fronteira que priorizem urgentemente a assistência humanitária e médica imparcial para quem precisa.

*Todos os nomes foram omitidos para preservar a segurança.

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