Encurtando distâncias: prestação de cuidados de saúde a comunidades indígenas na Venezuela

Falta de transporte, profissionais e materiais médicos, além de barreiras linguísticas e culturais, são alguns dos desafios no estado de Delta Amacuro

Equipe de MSF navega pelo rio Orinoco para oferecer cuidados de saúde. Foto: Matias Delacroix, 2023

Os rios servem como estradas, e a floresta tropical se estende até o horizonte no estado de Delta Amacuro, uma vasta área que faz fronteira com o Oceano Atlântico no nordeste da Venezuela. Em grande parte inacessível, esta região é o lar de diversas comunidades indígenas que enfrentam desafios significativos no acesso aos cuidados de saúde.

Adelia, de 18 anos, está grávida de 38 semanas, mas não fez exames pré-natais. Membro da comunidade indígena Warao, assim que as dores de parto começassem, ela planejava visitar o wisirato, um curandeiro espiritual e fornecedor de medicina tradicional que desempenha um papel significativo em sua cultura. Mas quando começaram, as dores eram tão fortes que Adelia sentiu medo.

Um dia antes, ela havia visto dois barcos com bandeiras com uma figura vermelha sobre um fundo branco navegando pelo rio Orinoco. Ela os reconheceu como pertencentes à organização médica internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) e percebeu que estavam a caminho da comunidade vizinha de Nabasanuka para fornecer cuidados médicos.

Após convencer sua mãe a acompanhá-la ao ambulatório em Nabasanuka, partiram para a jornada de duas horas remando um barco de madeira longo e leve chamado curiara.

Adelia após dar à luz ao filho José Antonio. Foto: Matias Delacroix, 2023

Na sala de partos da clínica de Nabasanuka, Adelia se sente mal com o calor e a umidade. Mas, seguindo as orientações da equipe médica, empurra com força e determinação. Devido à sua pouca idade e à falta de acompanhamento médico durante a gravidez, o parto de Adelia foi considerado de alto risco pela equipe de saúde. Mas apesar disso – e das limitações de um centro de saúde com equipamentos básicos – às 9h30 da manhã, Adélia ouve pela primeira vez o choro de seu filho José Antonio, um bebê forte e saudável que mede 52 cm.

Múltiplas barreiras no acesso aos cuidados de saúde

Desde julho de 2022, as equipes de MSF têm trabalhado em conjunto com as autoridades locais para levar cuidados de saúde básicos a comunidades isoladas em todo o estado de Delta Amacuro. O acesso é um desafio em si: o estado abrange mais de 40 mil km² e é uma zona de floresta densa. A maioria das comunidades indígenas vive ao longo das margens do rio Orinoco, que é a principal estrada da região. Para chegar às clínicas onde prestam cuidados médicos, as equipes de MSF precisam viajar de barco a motor por pelo menos seis horas a partir da capital do estado, Tucupita, enquanto os pacientes geralmente precisam remar suas canoas por horas ou até dias para consultar um médico.

As comunidades indígenas dessa região sofrem de uma série de doenças evitáveis causadas pelas condições precárias em que vivem e pelas múltiplas barreiras que enfrentam no acesso aos cuidados de saúde. Essas incluem doenças transmitidas pela água, como parasitose e diarreia; doenças transmitidas por mosquitos e outros insetos, como malária; infecções respiratórias; doenças de pele; e desnutrição. A ausência de cuidados pré e pós-natais aumenta os riscos para as mulheres grávidas e seus bebês.

As dificuldades de acesso das populações locais aos cuidados de saúde básicos são agravadas pelas barreiras linguísticas e pelas diferenças culturais com as equipes médicas visitantes, bem como pela escassez de medicamentos e de material médico em toda a região. “Dificuldades em contratar profissionais nesses locais remotos e a falta de suprimentos e medicamentos também contribuem para os desafios das pessoas em obter cuidados médicos adequados e de qualidade”, diz Carlos Dominguez, coordenador de projeto de MSF em Delta Amacuro.

Atuação em parceria com autoridades locais

Trabalhando com as autoridades locais, MSF atua em duas clínicas ambulatoriais nas comunidades de São Francisco de Guayo e Nabasanuka, ambas no município de Antonio Díaz, no leste do estado. Durante três semanas por mês, uma equipe multidisciplinar de MSF – composta por médicos, enfermeiros, farmacêuticos, especialistas em água e saneamento, logísticos e promotores de saúde – trabalha no centro de saúde, prestando atendimento médico geral para cerca de 70 pacientes por dia.

A promoção da saúde é um aspecto importante do trabalho de MSF em Delta Amacuro.

Ao fornecer informações às pessoas, podemos aumentar a conscientização sobre práticas saudáveis, higiene adequada e prevenção de doenças, sem negligenciar as próprias tradições da comunidade. Isso não só tem um impacto direto na saúde das pessoas, como também promove o empoderamento da comunidade e uma abordagem proativa da saúde”.

– Carlos Dominguez, coordenador do projeto de MSF em Delta Amacuro.

MSF também organiza a transferência de pacientes que precisam de cuidados especializados para hospitais. No início da semana, a equipe médica de MSF entrou em contato com as autoridades de saúde para solicitar um barco-ambulância de Tucupita para Jesus, de três anos, que precisa de tratamento urgente que não está disponível em Nabanasuka. Os pais de Jesus remaram sua canoa por quatro horas para trazê-lo à clínica de Nabasanuka; eles demorariam sete dias para remar até Tucupita, enquanto uma viagem de ambulância levaria seis horas.

O trabalho de MSF no estado de Delta Amacuro é uma prova da importância de fornecer serviços médicos básicos a todos, independentemente da sua localização geográfica ou circunstâncias, de que MSF acreditar que os cuidados de saúde são um direito fundamental de cada indivíduo, que deve ser cumprido mesmo nas regiões mais remotas e desfavorecidas.

Na clínica de Nabasanuka, Adelia está conversando com um promotor de saúde de MSF sobre os benefícios da amamentação. “Yakera wito”, diz ela, com um grande sorriso. Isso significa “olá” na língua Warao, mas também é uma maneira de expressar gratidão.

A cena é testemunhada por um líder comunitário Warao, que observa: “Quando um médico está perto de uma aldeia, as pessoas se sentem calmas e felizes”.

Adelia agora está pronta para subir o rio e voltar para casa para apresentar o bebê José Antonio ao resto de sua comunidade.

MSF é uma organização médico-humanitária que trabalha sob os princípios de neutralidade, imparcialidade e independência. MSF trabalha na Venezuela desde 2015.

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