Enfermeira de MSF relata os desafios de tratar diabetes em campos de refugiados

Migrantes convivem com dificuldades de acesso a medicamentos e refeições regulares

Enfermeira de MSF relata os desafios de tratar diabetes em campos de refugiados

Para algumas pessoas que escapam de uma guerra, alcançar a segurança não significa necessariamente que suas vidas estão fora de perigo. A enfermeira de MSF Joyce Bakker compartilha sua experiência no tratamento do diabetes em campos de refugiados em todo o mundo. E como por muitas vezes é difícil que os pacientes tenham acesso a medicamentos e refeições regulares, fundamentais para controlar a doença. Confira seu relato:

 

“Hoje estou pensando em um menino de 7 anos de idade que conheci quando trabalhava para Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Grécia.

Esse menino vivia com diabetes tipo 1, um problema de saúde sério que requer monitoramento e tratamento regulares.

Ele e sua família fizeram a perigosa viagem do Afeganistão até a ilha grega de Lesbos. Fiquei impressionada por ele ter sobrevivido à viagem. Pessoas que vivem com diabetes tipo 1 podem morrer assim que perderem o acesso à insulina. Sem tratamento regular e adequado, enfrentam sérios riscos de complicações.

Ele havia sido diagnosticado quatro anos antes e, felizmente, ele e seus pais estavam familiarizados com a doença, tentando tratá-la da melhor forma que podiam.

Cuidado de emergência

Cuidar de doenças crônicas não era a primeira coisa que eu tinha em mente quando me inscrevi para MSF. Como enfermeira de emergência e de terapia intensiva, minha formação era focada em atendimento de urgência, que é o que me atraiu para ajudar o trabalho de MSF, mas eu me tornei parte de equipes médicas tratando também de doenças crônicas.

Isso inclui campos de refugiados onde trabalhei com MSF, como Moria em Lesbos, na Grécia; Bentiu, no Sudão do Sul; e Al Hol, na Síria (foto). Nessas situações, conheci pessoas que ficaram sem insulina ou sem meios para medir seus níveis de glicose.

Fui confrontada com os desafios adicionais que eles enfrentam. Imagine saber que a insulina deve ser armazenada em temperaturas baixas e estáveis ​​enquanto você vive em uma barraca que pode chegar a 50 graus no verão ou cair abaixo de zero no inverno.

Às vezes, as soluções podem ser simples.

Em minha última atribuição, trabalhei no campo de Al Hol, onde o logístico e o médico de nossa equipe desenvolveram “resfriadores de insulina caseiros” como solução de armazenamento. É um nome chique, mas na verdade essa solução era simplesmente um pote de vidro com um pano ao redor. Quando você mantém o pano úmido, a insulina permanece estável em uma temperatura fria apropriada, mesmo durante os dias escaldantes nas barracas. Essa é uma solução muito prática, barata e fácil de fazer em qualquer lugar.

Mas existem outros fatores mais difíceis de resolver e que apresentam grandes desafios à saúde das pessoas. Por exemplo, as injeções de insulina devem ser sincronizadas com a ingestão de alimentos, mas frequentemente descobrimos que as pessoas dependiam da distribuição de alimentos nos campos, o que significava que não tinham refeições regulares e consistentes. Claro, isso não estava no controle delas.

Às vezes, também percebi que os pacientes não receberam informações suficientes sobre o controle do diabetes. Por exemplo, tivemos pacientes que tomavam duas doses de medicamento ao mesmo tempo, em vez de separadamente pela manhã e à noite. Isso pode ter consequências graves, causando doenças cardiovasculares, danos neurológicos, insuficiência renal ou cegueira.

Um impacto de longo prazo

Minha mente ainda busca de volta o menino de 7 anos no acampamento Moria. Ele estava morando em um contêiner compartilhado com outras 30 pessoas. Ele ia até nossa clínica para consultas médicas com um pediatra. Eles mediam seus níveis de glicose, ajustavam a dose de insulina e prescreviam medicamentos e equipamentos médicos necessários.

Antes de terminar minha designação na Grécia, conseguimos apoiar a família para ser transferida para outro campo com condições de vida ligeiramente melhores. Lá, apoiamos o menino com um glicosímetro e consultas regulares de acompanhamento.

Não era o tipo de ação médica que eu esperava quando entrei para MSF, mas tem a mesma importância que o atendimento de emergência. Por meio de apoio e tratamento, marcamos a diferença na vida desse jovem e de sua família, diretamente e a longo prazo.

Hoje, gostaria de saber onde está aquele menino – agora com 9 anos – e espero que esteja com boa saúde.”

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