Enfrentando a Tuberculose com perseverança

Histórias de estigma e força de três gerações em Mumbai, Índia

Foto: Prem Hessenkamp

De uma criança de sete anos a uma mãe de dois filhos, a tuberculose (TB) resistente a medicamentos é alarmante em todas as faixas etárias. Até o surgimento da COVID-19, a TB era a doença infecciosa que mais causava mortes globalmente todos os anos. Cerca de um terço dessas mortes ocorreu na Índia. Os pacientes não recebem diagnósticos precisos e em tempo hábil ou não estão aptos a acessar o novo regime de medicamentos composto por Bedaquilina e Delamanid. O diagnóstico de TB em crianças é mais desafiador do que em adultos devido a testes menos confiáveis. Cerca de um quarto de milhão de crianças morrem pela doença no mundo a cada ano.

Não apenas o tratamento médico, mas o apoio psicossocial, as medidas de controle de prevenção de infecções e a conscientização pública para combater o estigma desempenham um papel igualmente importante no tratamento da tuberculose.

Médicos Sem Fronteiras (MSF) compartilha histórias de três gerações: uma menina em atendimento pediátrico chamada Vaishnavi; Chetan, um paciente de 26 anos que desejava construir uma carreira próspera no exterior; e Namrata, uma sobrevivente da TB de 33 anos que agora é uma agente comunitária de saúde com MSF. Embora a história de Vaishnavi nos lembre dos desafios que ainda permanecem no diagnóstico da TB pediátrica, as sessões regulares de Chetan enfatizam a necessidade e a importância de um estilo de vida disciplinado para superar a doença.

Por sua vez, o caso da Namrata inspira outros pacientes com a doença a retomar uma vida saudável, pois ela é um verdadeiro exemplo de como a resiliência, a imensa força de vontade, juntamente com um modelo robusto de atendimento, pode ajudar os pacientes a se tornarem educadores de pares para a sociedade.

Namrata: uma jornada de um paciente com tuberculose a uma educadora de pares

Foto: Prem Hessenkamp

“Adotei formas criativas de consumir os medicamentos. Os comprimidos tinham um cheiro muito intenso. Eu adicionava o comprimido às minhas comidas favoritas, como sucos de frutas, chocolates e bananas para facilitar o processo” – Namrata, agente comunitária de saúde de MSF em Mumbai.

O caso de Namrata prova que consistência é a chave. Consistência e disciplina com a rotina, estilo de vida saudável e medicação podem curar qualquer condição, incluindo tuberculose resistente a medicamentos (DR-TB).

Em 2016, Namrata estava fazendo um trabalho de creche em uma das escolas internacionais em Chembur, Mumbai. Cinco meses depois, ela começou a sentir febre, tosse, perda de apetite, dor no corpo e dor no peito. Tendo realizado dois abortos no passado, ela pensou que é devido à fraqueza que ela não está se sentindo bem.

A família de Namrata não tinha dinheiro suficiente para pagar testes básicos de diagnóstico, como raios-X e exames de sangue. Após visitar muitos hospitais privados, ela finalmente chegou ao hospital Govandi Shatabdi, onde foi diagnosticada com TB multirresistente e iniciou o tratamento em 2017. Namrata esperava uma recuperação rápida, mas, para sua decepção, foi dito que levaria dois anos com medicação e nutrição adequadas para curar sua condição. MSF está co-gerenciando o ambulatório de TB no Hospital Govandi Shatabdi, em parceria com o Programa Nacional de Eliminação da Tuberculose e a Corporação Municipal da Grande Mumbai.

Seu diagnóstico de DR-TB não foi muito bem encarado por seus familiares. Por ser mulher, Namrata teve que assumir muitas responsabilidades, incluindo afazeres domésticos. Devido aos fortes efeitos colaterais dos medicamentos, ela se sentia cansada a maior parte do dia. Como resultado, ela foi aconselhada a descansar. Sua família achava que ela estava sendo indiferente, ignorante e não estava pronta para dedicar tempo às tarefas domésticas. Eles queriam que ela fosse uma “nora por excelência”.

Namrata explicou que havia uma atmosfera de resistência e ignorância em relação a ela inicialmente, pois a família desconhecia a gravidade da tuberculose e os efeitos colaterais associados ao tratamento. Os conselheiros do departamento ambulatorial também conversaram com os membros da família para garantir que ela receba o apoio necessário de sua família.

“Sempre que uma situação negativa me levava a não tomar meus remédios, eu pensava no futuro dos meus filhos. Adotei formas criativas de consumir os medicamentos. Os comprimidos tinham um cheiro muito intenso. Eu adicionava o comprimido às minhas comidas favoritas: sucos de frutas, chocolates e bananas para facilitar o processo. Usei muitas táticas de desvio de atenção, como: tomar remédios enquanto assistia a programas de TV favoritos e filmes de Bollywood, enquanto lia livros e jornais. Li histórias de mulheres inspiradoras, como Jhansi ki Rani, referindo-se à história indiana para encontrar inspiração”, disse Namrata.

Namrata contou que tentou suicídio duas ou três vezes durante o tratamento para o qual recebeu apoio de saúde mental. Ela relatou ainda que os remédios afetam diretamente o cérebro e é até difícil reconhecer os entes queridos.

Durante uma de suas sessões de aconselhamento com MSF, Namrata foi valorizada por seguir minuciosamente sua rotina. Isso lhe deu motivação para completar seu tratamento. Em 2017, Namrata sentiu que agora era seu dever retribuir a outros pacientes com tuberculose na sociedade, então se candidatou para o cargo de educadora de pares em MSF.

Foto: Prem Hessenkamp

Em junho de 2018, Namrata completou seu tratamento e está livre da TB desde então. A partir de janeiro de 2019, iniciou a realização de reuniões de grupos de apoio para outros pacientes com TB. Ela compartilha conhecimentos sobre nutrição, efeitos colaterais e disciplina, com base em sua própria experiência.

A tuberculose requer muita força psicológica. Por meio de seu trabalho social, Namrata quer apoiar e fortalecer o maior número possível de pacientes para que eles possam se tornar parte de uma comunidade mais ampla de profissionais de saúde e educadores.

Vaishnavi, paciente com tuberculose resistente extra-pulmonar com 7 anos de idade

Foto: Prem Hessenkamp

“O diagnóstico de tuberculose resistente a medicamentos em crianças é desafiador. Há uma necessidade urgente de ferramentas de diagnósticos amigáveis a crianças e formulação de medicamentos pediátricos para tratar efetivamente a DR-TB entre crianças. Além disso, as diretrizes nacionais na Índia precisam permitir o uso da Bedaquilina e Delamanid para crianças com menos de 3 anos e mais de 24 semanas, de acordo com as diretrizes revisadas da OMS” – Dr. Vijay Chavan, referente médico de MSF na Índia.

Vaishnavi, uma menina de sete anos, brinca com sua boneca em uma pequena casa improvisada enquanto sua mãe tenta alimentá-la. Sua mãe, Vishakha, precisa se certificar de que Vaishnavi se alimenta bem para que possa tomar seus medicamentos a tempo.
Vaishnavi é uma paciente com tuberculose resistente a medicamentos extrapulmonar desde 2020.

É de se perguntar o que poderia ter infectado uma criança de cinco anos que é tímida, introvertida e fica em casa a maior parte do tempo. Também não há histórico familiar de tuberculose. No entanto, há dois anos, ela começou a ter febres frequentes e seu apetite diminuiu significativamente.

Ela foi a várias instalações públicas e privadas onde os injetáveis dados a Vaishnavi eram dolorosos. Felizmente, agora ela realiza um tratamento oral. As diretrizes de TB não permitem o regime de Bedaquilina e Delamanid para crianças abaixo de cinco anos de idade. No entanto, sem esses novos medicamentos, é difícil tratar a TB, especialmente em crianças. Com MSF, ela recebe prescrição de Bedaquilina e Delamanid em doses apropriadas de acordo com seu peso, e seu tratamento mostrou efeitos positivos em pouco tempo.

A maior preocupação da mãe é que ninguém divulgue ou fale sobre sua condição, se alguém da família estiver vivendo com TB. As crianças infectadas continuam a brincar com outras na localidade, involuntariamente contribuindo para a propagação da doença para outras crianças e adultos. Vishakha disse que ela foi devidamente aconselhada. Elas foram aconselhadas a evitar áreas lotadas, de modo a não infectar outras pessoas até que a cultura se torne negativa.

Até os enfermeiros de MSF concordam que o uso de máscaras durante a COVID-19 teve um efeito positivo na sociedade do ponto de vista da TB. O estigma em torno da tuberculose é tão forte na sociedade que até mesmo os voluntários de saúde têm que esconder suas identidades enquanto fazem uma visita à casa de Vaishnavi. A mãe diz que se as pessoas da comunidade descobrirem, será problemático para a família.
Os enfermeiros nos dizem que há necessidade de campanha de conscientização mesmo entre os adolescentes para sensibilizá-los e educá-los sobre a tuberculose.

Quando Vishakha levou sua filha a um médico local, os resultados do raio-X revelaram derrame pleural, quando há o acúmulo de excesso de fluido entre as camadas externas da pleura – camadas finas que revestem os pulmões e o interior da cavidade torácica e atuam para lubrificar e facilitar a respiração.

Os medicamentos receitados a Vaishnavi não a ajudaram com o derrame. Felizmente, o vizinho de Vishakha contou a ela sobre o hospital Shatabdi em Govandi. Shatabdi encaminhou o caso de Vaishnavi para MSF, pois ela não estava atendendo aos critérios de inclusão dos novos medicamentos. Embora a mãe e a filha levassem uma hora e meia de trem para chegar a Govandi todas as vezes, era um preço muito pequeno a pagar quando comparado ao futuro de Vaishnavi.

Foto: Prem Hessenkamp

Atualmente, MSF abrange três elementos como parte de sua atividade de alcance comunitário:

1. Rastreamento de contatos
2. Monitoramento de infusão
3. Prevenção e Controle de Infecções

Todos os contatos na família, crianças e idosos que estão em risco são testados para TB durante o tratamento e pelo menos até um ano após sua conclusão.

Enquanto uma enfermeira faz um exame de rotina em Vedant, irmão de Vaishnavi, descobrimos que Vaishnavi não sabia nada sobre sua condição e nunca questionou sua mãe sobre os comprimidos que ela ingere.
Embora tenha sido difícil dar-lhe comprimidos de tuberculose no início, mesmo quando seduzida por chocolates, ela agora consome rapidamente uma pílula inteira à medida que melhora a cada dia que passa.

Chetan Kharatmol, 26 anos, paciente com tuberculose resistente a medicamentos

Foto: Prem Hessenkamp

“Infelizmente, devido à falta de disciplina e tratamento em tempo hábil, meu quadro de tuberculose se tornou resistente a medicamentos. Desde então, fui encaminhado a MSF em setembro de 2021 para tratamento, e me sinto esperançoso com meu futuro”, disse Chetan.

Em 2019, Chetan estava se preparando para um futuro brilhante em Abu Dhabi como General Fitter [ajusta e monta peças metálicas e subconjuntos para fabricar máquinas de produção e outros equipamentos]. Ele estava entusiasmado por ter conseguido um contrato de 40 dias que estabelecerá as bases para sua carreira. Ele foi para Abu Dhabi e Qatar e trabalhou lá por 40 dias. Infelizmente, em um mês ele começou a ter febre, calafrios e vômitos. Ele foi internado em um hospital em Abu Dhabi, onde descobriu que o teste deu positivo para tuberculose.

Apesar de não ter histórico familiar de TB, Chetan contraiu a variante resistente a medicamentos da TB. Seus amigos e familiares o apoiaram durante toda a jornada, e agora ele tem apenas um propósito na vida: formar um grupo de sobreviventes da TB que são capazes de contribuir para a sociedade ao mesmo tempo em que ajudam outros como eles.

Chetan conhece vários pacientes de TB que estão ajudando a organizar eventos, como as noites de Navratri, Ganesh Chaturthi pandals na sociedade. Isso ajuda todos eles a ganhar a vida enquanto aprendem uns com os outros.

Embora uma radiografia de tórax revelasse várias cavidades em seu pulmão, ele espera poder voltar a jogar vôlei e críquete com os amigos. Ele quer trabalhar em uma refinaria de petróleo no futuro, mas dada a sua condição, a família não tem muita certeza se essa é uma boa opção para ele.

Chetan tem duas irmãs mais novas em casa, uma que é casada e a mais nova é a chefe da família. Ele aguarda com expectativa a recuperação completa após 2022 e a oportunidade de realizar seus sonhos.

Foto: Prem Hessenkamp
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