Equipe de MSF relata situação crítica em hospital após ataque israelense em Al-Mawasi, Gaza

“Todos os espaços do hospital estavam ocupados por feridos ou corpos de pessoas mortas”, diz coordenador de MSF no hospital Nasser

Ataques israelenses atingiram uma área em Al-Mawasi, Khan Younis, onde milhares de pessoas deslocadas se abrigavam, no último sábado (13 de julho). Profissionais de Médicos Sem Fronteiras (MSF) no hospital Nasser, incluindo a equipe na maternidade, apoiaram a resposta a vítimas em massa a mais de 100 pacientes.

Em 5 de julho, MSF havia alertado sobre o risco de o hospital Nasser ficar sobrecarregado em caso de incidentes com vítimas em massa. O sistema de saúde de Gaza está em colapso e é incapaz de lidar com as necessidades crescentes, enquanto a ajuda humanitária continua a ser dificultada.

Este ataque desproporcional a um local para onde as forças israelenses aconselharam repetidamente os deslocados a irem resultou em centenas de pessoas mortas e feridas, demonstrando um total desrespeito pela vida dos palestinos.

Profissionais de MSF que trabalham no hospital Nasser relataram a situação no local após o ataque. Leia a seguir:

Dr. Mohammad Abu Mughaiseb, coordenador médico adjunto de MSF, que atua nos departamentos de trauma e queimaduras do hospital Nasser, em Khan Younis, no sul de Gaza.

Enquanto estávamos em nosso intervalo no pátio do hospital Nasser, de repente ouvimos três pesados ataques aéreos, que abalaram todo o hospital. Em 15 minutos, começamos a ouvir as ambulâncias chegando. As equipes médicas e de MSF no hospital decidiram iniciar um plano de atendimento a vítimas em massa. Pararam de atender no ambulatório, e 20 membros da nossa equipe médica foram dar suporte ao pronto-socorro. A situação estava muito tensa com o atendimento lotado, e muitas pessoas feridas estavam chegando.

Nossa equipe médica, enquanto trabalhava e tentava salvar os pacientes, recebia notícias de que suas famílias estavam entre os mortos ou feridos.”
– Dr. Mohammad Abu Mughaiseb, coordenador médico adjunto de MSF

Na minha experiência, nunca vi um fluxo de vítimas em massa como hoje [13 de julho, sábado]. Cada canto do hospital estava tomado. Todos os espaços do hospital estavam ocupados por feridos ou corpos de pessoas mortas. A equipe médica estava trabalhando muito para salvar vidas. Infelizmente, alguns pacientes morreram por causa dos ferimentos graves que sofreram. Tanto a unidade de terapia intensiva quanto as salas de cirurgia estavam lotadas, sem espaço disponível.

Nosso anestesista e especialista em dor estava trabalhando em nossa enfermaria. Ele foi fornecer suporte ao pronto-socorro com nossa equipe e descobriu que sua família estava entre os feridos que chegaram ao hospital. Ele perdeu seu sobrinho e suas filhas ficaram feridas. Assim, até mesmo a nossa equipe médica, enquanto trabalhava e tentava salvar os pacientes, recebia notícias de que suas famílias estavam entre os mortos ou feridos.

Amy Kit-Mei Low, referente médica do projeto de MSF, que trabalha no departamento de maternidade e pediatria do hospital Nasser, Khan Younis, sul de Gaza:

Pela manhã, ocorreram ataques aéreos a cerca de 1,5 km do hospital Nasser, onde MSF presta atendimento aos pacientes. Trabalhamos no departamento de maternidade e pediatria. Sentimos o prédio tremer e todos os nossos funcionários estavam visivelmente preocupados com o que estava acontecendo. Eles ligaram para seus entes queridos para saber o que havia acontecido. A área era muito populosa, com mercados e pontos de água, e por isso estavam com medo de ter perdido familiares.

Quando cheguei ao hospital, eles [equipe médica] estavam tentando fazer compressões torácicas em um homem. Segundo o médico, ele sofreu lesões traumáticas e tinha sangue na boca. Não tínhamos aspirador para tentar remover o sangue da boca dele. Ele morreu. Ele foi morto.

A equipe estava se sentindo sobrecarregada, estressada e preocupada com todos os pacientes que estávamos recebendo. Havia um garotinho com seu pai lá. O pai tinha uma lesão nas costas e o menino estava sentado, parecendo confuso e atordoado, e sentimos muita pena daquela família, porque não tenho certeza se o menino entendia que seu pai era o único membro da família que havia sobrevivido.

Após cerca de cinco a 10 minutos, começaram a chegar pacientes à nossa maternidade. Desci para o térreo, onde ficam os setores de emergência, pediatria e maternidade, e consegui ver um rastro de sangue levando até nossa enfermaria de maternidade.

Em um momento, havia pessoas no corredor gemendo de dor. Embora houvesse curativos [para os ferimentos], estava escorrendo sangue dos curativos.”
– Amy Kit-Mei Low, referente médica do projeto de MSF

Como não costumamos receber pacientes de trauma nas enfermarias de maternidade e pediatria, não estávamos preparados para isso [incidente de vítimas em massa]. Mas o pronto-socorro estava tão lotado e sobrecarregado que os pacientes não tinham para onde ir.

Devido à falta de analgésicos, tivemos que administrar injeções de diclofenaco [um anti-inflamatório, geralmente não usado como primeira opção no tratamento da dor em casos de trauma] para pacientes com feridas traumáticas, o que acabou não sendo suficiente. Em um momento, havia pessoas no corredor gemendo de dor. Embora houvesse curativos [para os ferimentos], estava escorrendo sangue dos curativos. Foi caótico e horrível, e o hospital tentou dar conta, mas mal consegue dar conta dos casos normais.

Em um dia normal já estamos sobrecarregados. O Hospital Nasser é praticamente o maior hospital em funcionamento nesta área e tem que tratar todos, mas não pode tratar a população inteira. Na semana passada, a ocupação de leitos na maternidade era de 214%, e a maternidade realizou 25 cesarianas e cerca de 200 partos. Estamos acima da capacidade e a qualidade do atendimento está diminuindo por causa da falta de suprimentos e de espaço. Como você mantém a via intravenosa limpa? Como você faz tudo isso se não tem luvas nem cloro? A situação de ontem (13/07) foi horrível.

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