Eventos climáticos geram ciclos de desnutrição em Madagascar

Um dos países mais afetados pela emergência climática no mundo, Madagascar ainda enfrenta consequências dos ciclones que atingiram o país em 2022

Em Ikongo, o isolamento geográfico dificulta ainda mais o acesso das pessoas às estruturas de saúde. Junho de 2024. © Miora Rabearisoa/MSF

Como um dos países mais ameaçados pela emergência climática, Madagascar está exposto a desastres naturais recorrentes. Em 2022, dois ciclones devastadores, Batsirai e Emnati, destruíram infraestrutura vital, inundaram plantações e pioraram as condições de vida da população. A região sudeste do país, que já era vulnerável, viu a situação nutricional piorar significativamente após os ciclones, com 19.195 crianças menores de 5 anos de idade diagnosticadas com desnutrição.  Foi nesse período que Médicos Sem Fronteiras (MSF) iniciou um trabalho de emergência na região.

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“Os ciclones Batsirai e Emnati mudaram completamente nossas vidas. Os dois ciclones destruíram nossas colheitas. Se os ventos não as devastaram, as inundações acabaram com elas. Desde então, não temos comida suficiente para o ano todo. Nossas colheitas não são mais suficientes. Enfrentamos períodos de fome” , relata Soa Arilette, mãe de uma criança com desnutrição tratada por MSF em Ambolomadinika, um vilarejo localizado no distrito de Ikongo.

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Soa Arilette não é a única a enfrentar essas mudanças, já que a agricultura é a principal fonte de renda da população. As inundações destruíram plantações de arroz, mandioca e hortaliças, enquanto os ventos fortes danificaram as colheitas. Um relatório do Ministério da Agricultura e Pecuária de Madagascar, em 2022, estimou que mais de 60% das terras agrícolas do país foram afetadas por esses desastres, deixando mais de 98 mil famílias em situação grave.

MSF trabalha no distrito de Ikongo desde 2022. Junho de 2024. © Miora Rabearisoa/MSF

Uma nova dinâmica nutricional

No distrito de Ikongo, na região sudeste de Madagascar, a desnutrição era rara antes da chegada dos dois ciclones — as taxas eram estáveis, em torno de 1%. Logo após os ciclones, no entanto, as taxas chegaram a 17%. Em 2024, se estabilizaram em 6%, o que demonstra a impossibilidade de uma rápida recuperação das comunidades, conforme explica o relatório do Ministério da Agricultura e Pecuária.

“Nunca tivemos tanta dificuldade para nos alimentar antes do Batsirai. Desde então, é como se tudo tivesse desabado. Lutamos para encontrar o suficiente para comer o ano todo, e é ainda mais difícil quando nossas colheitas acabam”, diz Soa Arilette.

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Embora as atividades agrícolas tenham sido retomadas depois dos ciclones, as colheitas continuam insuficientes para lidar com os períodos de escassez, que vão de fevereiro a abril e de outubro a dezembro. Esses períodos coincidem com as temporadas de chuvas e ciclones, tornando as colheitas vulneráveis.

Em Ikongo, durante os períodos de escassez, o número de internações por desnutrição pode chegar a 300 a 700 casos por mês, enquanto durante o período de colheita, os centros de saúde registram entre 90 e 200 casos.

A pequena Angelica, de 4 anos de idade, ao lado de sua mãe, Soalaza. A menina está em tratamento para desnutrição em um centro de saúde apoiado por MSF. Junho de 2024. © Miora Rabearisoa/MSF

“Durante os períodos de colheita, a população tem mais ou menos o suficiente para se alimentar. Mas em outros momentos, as comunidades enfrentam dificuldades reais para encontrar comida. Como as crianças são as mais vulneráveis, elas são as mais afetadas pela situação”, explica Ambinison John Léon, coordenador-geral do Centro de Saúde de Ambolomadinika, uma das seis unidades médicas apoiadas por MSF para desnutrição no distrito de Ikongo.

O clima impacta, portanto, as condições de saúde da população. De acordo com a análise da Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar de junho de 2024, mais de 63.700 pessoas — representando 25% da população de Ikongo — correm o risco de enfrentar insegurança alimentar aguda até abril de 2025.

As más condições das estradas e frequentes eventos climáticos dificultam acesso da população à saúde e à ajuda humanitária. Junho de 2024. © Miora Rabearisoa/MSF

Trabalho de MSF em Ikongo

Além das ameaças climáticas, o distrito de Ikongo também lida com os desafios do isolamento geográfico. As más condições das estradas e a crescente frequência de desastres naturais dificultam o acesso à assistência médica e a entrega de ajuda humanitária.

Desde 2022, equipes de MSF têm trabalhado em colaboração com o Ministério da Saúde Pública para implementar um programa de controle da desnutrição, o que levou a uma mudança considerável na situação nutricional do distrito.

“Entre o ano de 2023 e junho de 2024, foi relatada uma redução de mais de 50% nos casos de desnutrição severa e uma diminuição de 8% nos casos de desnutrição moderada”, explica Faustin Yamtemadji, referente médico do projeto de MSF em Ikongo.

Desde o lançamento do projeto, nossas equipes diagnosticaram e trataram 4.140 crianças com desnutrição. Inicialmente, MSF se concentrou no tratamento dos casos mais graves. No entanto, em fevereiro de 2024, para combater a desnutrição de forma mais eficaz, MSF expandiu seus esforços para incluir desnutrição aguda moderada e grave.

Hoje, a organização apoia seis centros básicos de saúde que oferecem serviços primários em nutrição terapêutica ambulatorial, além de um centro de recuperação nutricional intensiva para diagnosticar e tratar crianças com desnutrição no distrito de Ikongo durante todo o ano.

Nos próximos meses, Médicos Sem Fronteiras planeja intensificar seu trabalho em colaboração com o Ministério da Saúde, comunidades locais e com outros parceiros. Este projeto fornecerá suporte médico ao mesmo tempo em que enfrenta desafios ambientais e se concentra em meios de subsistência, acesso à água e saneamento e educação.

MSF realizou um trabalho de emergência nos distritos de Nosy Varika e Ikongo após os devastadores ciclones Batsirai e Emnati em 2022. Após o ocorrido, nossas equipes foram rapidamente mobilizadas em Nosy Varika, com foco na saúde materna, desnutrição, abastecimento de água e reabilitação de centros de saúde. Hoje, MSF permanece no distrito de Ikongo, oferecendo apoio às comunidades vulneráveis em Madagascar.

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