Falta de alimentos coloca em risco a saúde de pessoas que vivem com tuberculose e HIV no Sudão do Sul

Pacientes atendidos por MSF relatam ter que interromper o tratamento em razão dos efeitos dos medicamentos sem ter acesso suficiente a uma boa alimentação.

Pacientes caminhando pela instalação de MSF em Leer. © Kristen Poels/MSF

Estima-se que, até julho, mais de 7 milhões de pessoas podem enfrentar insegurança alimentar aguda ou uma situação ainda pior no Sudão do Sul. Entre elas, os pacientes que vivem com tuberculose (TB) e/ou HIV são particularmente mais afetados, uma vez que a intensidade do tratamento pode ser difícil para as pessoas suportarem com o estômago vazio. Alguns deles sofrem com fortes dores, enquanto outros decidem reduzir ou até mesmo interromper o tratamento, sendo forçados a colocar suas vidas em risco.

Ninguém deveria ter que escolher entre tomar os medicamentos que necessita para se manter saudável ou viver sem dor, mas com risco de piorar seu estado de saúde. No entanto, esta é a situação que cada vez mais pessoas que vivem com tuberculose e/ou HIV têm de enfrentar em Leer, no estado de Unity. Embora o tratamento possa envolver tomar até oito comprimidos por dia e, no caso de pessoas que vivem com HIV, durar pelo resto da vida, os pacientes têm de lidar com a falta de alimentos, o que pode causar dores intensas e tonturas. Algumas pessoas escolhem então entre tomar a medicação e sofrer diariamente ou interrompê-la e ver a sua saúde se deteriorar.

A vida aqui é muito difícil porque não temos nada. Fiquei doente com tuberculose e HIV há três meses, por isso não posso trabalhar e não tenho poupanças. Tudo o que encontramos ao nosso redor são plantas aquáticas, mas isso não é suficiente.”
– James, paciente atendido por MSF.

James, paciente de MSF em tratamento para tuberculose e HIV. © Kristen Poels/MSF

James, que vive com tuberculose e HIV, teve de se mudar para o condado de Leer há 4 anos devido às inundações que ocorreram em sua cidade natal, Mayendit. Agora que está doente, ele tem dificuldade para conseguir comida e precisa reduzir a medicação por causa das dores de estômago.

Em frente à sua casa, sob um sol de 40°C, James, um paciente de 60 anos, está de pé e febril, segurando uma bengala para apoiar o seu corpo enfraquecido. “A vida aqui é muito difícil porque não temos nada. Fiquei doente com tuberculose e HIV há 3 meses, por isso não consigo trabalhar e não tenho poupanças”, diz James. “Tudo o que encontramos ao nosso redor são plantas aquáticas, mas isso não é suficiente.”

Mostrando a barriga com uma careta, ele continua: “É por isso que costumo reduzir meu tratamento para me adaptar à comida que como. Se eu perceber que só vou fazer uma refeição por dia, talvez tome metade da minha medicação”, afirma James. “Sei que isso não é bom para minha saúde, mas não tenho outra escolha. Se eu tomar os remédios sem comer, sinto tontura, tremores e tenho fortes dores de estômago.”

Se as pessoas não forem apoiadas com alimentos, o nosso programa não terá sucesso. A nível nacional, MSF está profundamente preocupada com a prevalência contínua do HIV e da tuberculose no Sudão do Sul.”
– Daniel Mekonen, líder da equipe médica de MSF em Leer.

Um círculo vicioso difícil de quebrar

Dentro da instalação de MSF, Gatkuoth, um novo paciente admitido há dois dias, compartilha os mesmos desafios: “Há quatro anos, eu contraí tuberculose, mas naquela época completei o tratamento com bastante facilidade. Agora que a situação está se deteriorando, é muito mais difícil porque não tenho comida. Às vezes é tão ruim que me pergunto por que me mato com a dor, talvez eu prefira morrer da doença”.

Propenso a fortes inundações e à insegurança recorrente, o condado de Leer, no Sudão do Sul, é um lugar bastante isolado e difícil de viver. Há vários anos, as pessoas têm resistido em continuar cultivando as suas terras por medo de perdê-las novamente. Em consequência disso, agora elas dependem dos alimentos disponíveis no mercado, cuja inflação está dificultando cada vez mais a compra, ou da assistência alimentar, que foi consideravelmente reduzida devido aos cortes orçamentários. Além disso, o deslocamento da população de um Sudão devastado pela guerra está colocando ainda mais pressão sobre o abastecimento de alimentos e aumentando as necessidades por serviços de saúde na região. Desde abril de 2023, mais de 60 mil pessoas, entre elas repatriados e refugiados, se instalaram no estado de Unity.

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Como resultado, a subnutrição se espalha por toda a população, criando um círculo vicioso. Por um lado, ela pode ter um impacto direto na adesão à terapia de TB/HIV, pois a intensidade do tratamento é muito difícil de suportar com o estômago vazio. Por outro lado, é um importante fator de risco para doenças, pois as defesas imunológicas são consideravelmente reduzidas. O suporte alimentar e nutricional para pacientes com TB e HIV (além de outros mecanismos de suporte, por exemplo, transporte) é um dos principais facilitadores do tratamento, que comprovadamente melhora a condição de saúde do paciente, influencia a adesão ao tratamento e os resultados gerais.

Há quatro anos, eu contraí tuberculose, mas naquela época completei o tratamento com bastante facilidade. Agora que a situação está se deteriorando, é muito mais difícil porque não tenho comida. Às vezes é tão ruim que me pergunto por que me mato com a dor, talvez eu preferisse morrer da doença.”
Gatkioth, paciente de MSF em tratamento para tuberculose.

Gatkuoth, sentado ao lado da ala de isolamento de tuberculose no hospital de MSF. © Kristen Poels/MSF

Os grupos mais vulneráveis não devem ser esquecidos

“A insegurança alimentar está se tornando um problema”, diz Daniel Mekonen, líder da equipe médica de MSF em Leer. “Temos um grupo de mais de 600 pacientes co-infectados com tuberculose e HIV, e muitos deles nos dizem que não conseguem mais seguir adequadamente o tratamento por falta de alimentação”.

“Eles reduzem ou interrompem a medicação até que a situação melhore. Isto tem consequências”, diz Mekonen. “Estamos recebendo mais pacientes em estágio avançado da doença, em estado grave, o que dificulta muito o tratamento, e outros estão desenvolvendo resistência aos antibióticos”.

“Costumávamos atender oito novos pacientes por mês, mas recentemente esse número dobrou”, continua Mekonen. “Vemos que o número de pessoas que interrompem o tratamento está aumentando. Se as pessoas não forem apoiadas com alimentos, o nosso programa não terá sucesso. Em nível nacional, MSF está profundamente preocupada com a prevalência contínua do HIV e da tuberculose no Sudão do Sul.”

MSF começou a trabalhar em Leer, no estado de Unity, em 1989, e continua sendo uma das poucas organizações que fornecem assistência médica às pessoas da região. Embora a desnutrição esteja aumentando, a distribuição de alimentos nas comunidades é insuficiente e não tem critérios para grupos prioritários. Outras organizações e agências que prestam apoio e assistência alimentar devem expandir suas atividades e considerar como especificar o público-alvo e priorizar os grupos mais vulneráveis, como as pessoas que vivem com HIV e/ou tuberculose.

 

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