Famintos e doentes: a aterrorizante viagem dos refugiados rohingyas em alto mar

Centenas de pessoas ficaram dois meses a bordo de uma precária embarcação de madeira

Famintos e doentes: a aterrorizante viagem dos refugiados rohingyas em alto mar

Cerca de 500 pessoas da etnia rohingyas de Mianmar viveram momentos de terror em alto mar ao serem transportadas por contrabandistas em um precário barco de madeira. Saídas dos campos de refugiados de Bangladesh com destino à Malásia, elas ficaram sem comida e água e muitas sofreram atos de violência. A maioria dos passageiros tinha entre 12 e 20 anos de idade, embora também houvesse algumas crianças pequenas a bordo. A embarcação teve negada a permissão para desembarcar na Malásia e os cerca de 400 sobreviventes acabaram resgatados em 15 de abril pela guarda costeira de Bangladesh.

Amina*, uma menina rohingya de 14 anos, de uma pequena cidade comercial no oeste de Mianmar, descreveu como foi ficar sentada no convés sob o sol forte ao lado de centenas de pessoas por mais de dois meses. “Tivemos que sentar assim”, disse ela, abraçando os joelhos ao peito. “As pernas das pessoas incharam e ficaram paralisadas. Alguns morreram e foram jogados ao mar. Estávamos à deriva, com pessoas morrendo todos os dias. Sentimos que fomos levados para o inferno.”
Muitos morreram sem comida e água

Os refugiados recebiam quantidades mínimas de comida e água. “Estava extremamente quente”, contou Amina. “Recebíamos por dia apenas um punhado de dal (prato à base de cereais) e uma concha cheia de água.”

Outros sobreviventes relataram que muitas vezes não recebiam comida nem água por dias seguidos. Desesperados, muitos bebiam água do mar. Eles estimam que cerca de 100 pessoas morreram a bordo ou foram atiradas ao mar pelos contrabandistas. Ninguém sabe ao certo o número de mortos.

Todos os passageiros do barco acreditavam em um futuro com melhores perspectivas para si e suas famílias, incluindo trabalho e casamento. Perseguidos e com a cidadania negada pelas autoridades de Mianmar, centenas de milhares de rohingyas agora estão em campos de refugiados superlotados em Bangladesh, desesperados para sair.

Extorquidos, abandonados e depois resgatados    

Quando alcançaram as águas da Malásia, os contrabandistas os obrigaram a ligar para suas famílias em Bangladesh para dizer que haviam chegado em segurança e pedir que fizessem o pagamento pela viagem. As famílias juntaram suas economias para financiar o alto valor da passagem. Só que a permissão para o desembarque foi negada pela Malásia e o barco voltou para Bangladesh. Alguns dias antes de chegar ao país, a maioria dos contrabandistas abandonou a embarcação e os passageiros famintos.

Depois de receber informações de que o barco estava à deriva na costa sul de Bangladesh, a guarda costeira do país resgatou os cerca de 400 sobreviventes. Eles receberam cuidados e ficaram em quarentena por 14 dias antes de serem devolvidos às famílias.

Equipes de MSF prestaram assistência médica e de saúde mental

MSF enviou equipes médicas, com especialistas em saúde mental, para apoiar o resgate e fornecer atendimento de emergência aos sobreviventes. “Muitos deles não conseguiam ficar de pé ou andar sozinhos”, avaliou Hanadi Katerji, enfermeira de MSF e líder da equipe médica. “Eles eram apenas pele e osso. Muitos deles mal estavam vivos.”

Os médicos de MSF estabilizaram os que estavam gravemente indispostos e encaminharam cinco pessoas para os hospitais de MSF por desnutrição ou outras complicações graves, enquanto a equipe de saúde mental prestou aconselhamento aos sobreviventes.

“As pessoas estavam realmente desnutridas e desidratadas”, analisou Hanadi. “Eu nunca esquecerei o olhar assustado deles. Alguns homens tinham feridas bastante graves, que não estavam cicatrizando, provavelmente por causa da desnutrição. Muitos relataram ter sido espancados pela tripulação e a maioria estava realmente traumatizada. Alguns estavam de luto por familiares perdidos e tinham crianças que perderam os pais.”

Com a cidadania negada por Mianmar, a minoria rohingya sofreu décadas de perseguição e abuso. Em 2017, foram vítimas de uma campanha de violência direcionada pelos militares, que forçou a fuga de mais de 700 mil pessoas para Bangladesh. Mas, quase três anos depois, ainda não há solução à vista.

“A tripulação do barco nos disse que em todos os lugares nós somos refugiados”, detalhou Amina. “Em Mianmar, você é refugiado; em Bangladesh, você é refugiado; no barco e na Malásia, você também é considerado refugiado. Você morrerá onde quer que vá.’”

*Nome fictício para preservar a identidade da menina.

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