Filipinas: após cinco anos, MSF conclui projeto para sobreviventes da batalha de Marawi

Atividades foram repassadas às autoridades de saúde locais após fim de resposta à emergência; equipes de MSF realizaram 30 mil consultas de saúde primária entre 2018 e 2022.

Foto: Regina Layug Rosero/MSF

Já se passaram cinco anos desde que a batalha de Marawi forçou o deslocamento de 98% da população da cidade, no sul das Filipinas. Desde os conflitos, a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) tem prestado assistência às pessoas de Marawi e adaptado nossas atividades de acordo com as necessidades das comunidades.

Em dezembro de 2022, com as fases agudas e pós-emergenciais de nossa resposta médica concluídas, MSF decidiu encerrar o projeto e transferir as atividades às autoridades de saúde locais.

À medida que as atividades chegam ao fim, pacientes e profissionais de MSF relembram os cinco anos do projeto em Marawi.

A vida sob décadas de conflito e a batalha de Marawi

No sul das Filipinas está Mindanao, uma grande ilha cuja história foi marcada por conflitos por mais de 50 anos. Conflitos entre grupos armados e o exército filipino resultaram em violência frequente. A cidade de Marawi está localizada na província de Lanao del Sur, na Região Autônoma de Bangsamoro do Mindanau Muçulmano. A área enfrenta dificuldades há muito tempo, com os indicadores econômicos e de saúde mais baixos do país.

Em maio de 2017, dois grupos afiliados ao grupo Estado Islâmico tomaram Marawi, levando a um conflito com as Forças Armadas das Filipinas. A situação se estendeu por cinco meses, forçando mais de 350 mil moradores de Marawi e municípios vizinhos a fugir de suas casas. Os conflitos destruíram completamente o centro da cidade. “O centro da cidade de Marawi, chamado ‘Ground Zero’, estava parecido com as fotos nas notícias de Mariupol [Ucrânia] ou de Mossul [Iraque]”, diz Aurélien Sigwalt, coordenador-geral de MSF nas Filipinas.

Foto: Regina Layug Rosero/MSF

“Eu só fiquei realmente doente depois da batalha de Marawi por conta dos nossos problemas e medos”, lembra a paciente de MSF Rasmia Magompara. “Tínhamos sido evacuado durante a batalha de Marawi, sem pertences e dinheiro. Tudo o que tínhamos era o que estava em nossos bolsos e o que estávamos vestindo. Com todos os nossos medos e problemas, toda vez que eu ouvia uma moto, eu pensava que era um helicóptero. Quando dava por mim, era de manhã, o sol tinha nascido, e eu não tinha conseguido dormir”.

Apoio aos deslocados pelos conflitos

Em julho de 2017, MSF iniciou um projeto para assistir às pessoas que foram forçadas a fugir de suas casas nos conflitos. As equipes forneceram apoio com atividades de água e saneamento, bem como primeiros socorros psicológicos, para um total de 11 mil pessoas em centros de evacuação de Marawi e na região ao redor.

A Dra. Natasha Reyes era a coordenadora de apoio para a resposta a emergências na época. “A primeira parte da resposta de MSF foi garantir que as pessoas tivessem acesso à água potável e gratuita”, diz ela. “Distribuímos galões e comprimidos de purificação de água, reparamos tubulações e banheiros, colocamos chuveiros e construímos reservatórios para que as comunidades pudessem armazenar sua água”.

Nossa outra prioridade era o apoio à saúde mental. Organizamos atividades psicossociais para as crianças. O estresse de seus pais também os afetou. Nossas equipes organizaram terapia lúdica para fazê-los se sentirem como crianças novamente. Também realizamos sessões individuais para adultos e crianças que precisavam”.

De observadora à promotora de saúde

Amelia Pandapatan foi uma das pessoas deslocadas que recebeu apoio de MSF em 2017. “Eu vi MSF indo para os abrigos, fazendo um programa de saúde mental, distribuindo kits de higiene”, lembra ela.

Quando soube que MSF estava contratando, ela se candidatou para ser uma promotora de saúde imediatamente. Ela lembra os desafios que enfrentaram em 2017: “A equipe médica começou com um pequeno grupo de profissionais locais. Havia um médico, um farmacêutico, dois enfermeiros e um promotor de saúde. Conseguimos fazer nossas atividades diárias na clínica, mas foi um pouco desafiador. Os promotores de saúde ajudariam com o registro, verificando os sinais vitais. Eu me tornei uma tradutora entre médicos e pacientes”.

Foto: Regina Layug Rosero/MSF

Considerando o histórico de fracos indicadores de saúde da região, o trabalho de um promotor de saúde é fundamental, e isso é algo de que Pandapatan pode se orgulhar. “Como promotores de saúde, oferecemos informações sobre saúde aos nossos pacientes e à comunidade. Acho que essa é uma das nossas conquistas, ver nossos pacientes com mais autonomia para administrar sua própria saúde”.

Vidas afetadas e necessidades de saúde após o conflito

Lentamente, a situação se estabilizou em Marawi. As pessoas deslocadas saíram de tendas para centros de evacuação e abrigos temporários; as últimas famílias se mudaram em janeiro de 2020. Devido aos desafios na reconstrução da cidade, muitos moradores de Marawi não conseguiram voltar para o centro da cidade, permanecendo em abrigos até agora. Muitos não obtiveram permissão para retornar a seus lares ou enfrentam desafios na reconstrução ou reparo de suas moradias devido a restrições financeiras.

Das 39 instalações sanitárias no Marawi e arredores, 15 estavam em funcionamento até 2020; as outras tinham sido destruídas ou não puderam reabrir. MSF apoiou a reconstrução das instalações e clínicas da Unidade de Saúde Rural de Marawi e do Centro Municipal de Saúde, bem como clínicas nos três abrigos da cidade.

Em 2018, MSF começou a trabalhar em clínicas em três abrigos transitórios, bem como no principal Centro Municipal de Saúde, fornecendo consultas e medicamentos gratuitos para cuidados de saúde primários.

À medida que as necessidades de emergência diminuíram, problemas de saúde que persistiam muito antes da batalha ressurgiram. Hipertensão e diabetes estão entre as 10 principais causas de mortalidade na região de Lanao del Sur, razão pela qual MSF iniciou um programa focado em doenças não transmissíveis em 2019.

Além de fornecer consultas e medicamentos, a equipe de promoção da saúde de MSF também realizou sessões de sensibilização, durante as quais os pacientes aprenderam sobre doenças não transmissíveis e o que poderiam fazer para manter a saúde.

“Quando MSF começou a trabalhar na clínica no abrigo Rorogagus, minha esposa e eu ficamos muito gratos porque era perto de nós, e recebemos remédios gratuitos”, diz o paciente Said Abdullah, de 76 anos. “Seguimos o conselho que nos foi dado. Eu tenho me exercitado e evitado alimentos que não são recomendados para pessoas com pressão alta e agora estou muito melhor. A tontura diária se foi”.

Foto: Regina Layug Rosero/MSF

Entre 2018 e 2022, as equipes de MSF realizaram 30 mil consultas de saúde primária e mais de 10 mil consultas de doenças não transmissíveis em Marawi.

Transferência das atividades médicas ás autoridades locais de saúde

“Cinco anos após a batalha, as fases agudas e pós-emergenciais terminaram. As autoridades de saúde de Marawi têm uma melhor capacidade de gerenciar pacientes com doenças não transmissíveis e fornecer cuidados de saúde primários ao povo de Marawi”, diz Sigwalt.
Antes do fechamento do projeto, MSF trabalhou em estreita colaboração com o Centro Municipal de Saúde de Marawi para melhorar a capacidade local de atender às necessidades médicas e doou medicamentos para apoiar os cuidados contínuos.

Os pacientes que estiveram sob os cuidados do programa de doenças não transmissíveis de MSF foram gradualmente transferidos para o Centro Municipal de Saúde nos últimos meses. Sarah Ambor, supervisora de promoção da saúde de MSF, explica: “Realizamos reuniões mensais com o Centro Municipal de Saúde para fornecer atualizações sobre os pacientes, seus medicamentos e suas necessidades, para que continuem recebendo os cuidados de que precisam”.

Foto: Regina Layug Rosero/MSF

Em 2021 e 2022, MSF também implementou um programa de orientação para 67 profissionais da Unidade Rural de Saúde na província de Lanao del Sur para compartilhar habilidades técnicas e conhecimentos sobre a administração de doenças não transmissíveis.

Cinco anos após a batalha, a cidade de Marawi ainda carrega cicatrizes. Muitas estruturas permanecem em ruínas no “Ground Zero”. O desejo do paciente Said Abdullah é simples: “Tudo o que posso dizer é que esperamos que a batalha de Marawi nunca aconteça novamente e que a cidade esteja em paz”.

MSF permanece nas Filipinas, administrando um programa de tuberculose em Manila, e continuará avaliando as necessidades de apoio de outras organizações de saúde no país em 2023.

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