Gaza: após destruição do norte, ataques intensos no sul mostram que não há lugar seguro

Feridos chegam em massa a hospitais da região, superlotados e com poucos suprimentos.

Construções destruídas após ataque israelense. Foto: Mohammed Abed

Dois meses após o início da guerra em Gaza, os ataques incessantes e indiscriminados de Israel transformaram o norte da Faixa de Gaza em uma pilha de escombros, e agora estão atingindo a região central e o sul com uma brutalidade crescente. O sofrimento dos palestinos presos em Gaza não pode mais ser expresso em palavras.

Com quase todos os 2,2 milhões de habitantes encurralados no sul da Faixa de Gaza, os ataques das forças israelenses ao que deveria ser uma zona segura provam que nenhum lugar é seguro. Cerca de 19 mil pessoas foram mortas e mais de 50 mil ficaram feridas nas últimas dez semanas em Gaza, de acordo com o Ministério da Saúde, e a ofensiva em andamento continua a causar centenas – senão milhares – de novas vítimas todos os dias.

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Desafios no tratamento de feridos de guerra em Gaza

No hospital Nasser, em Khan Younis, no sul de Gaza, onde Médicos Sem Fronteiras (MSF) trabalha, os mortos e feridos têm chegado em massa quase todos os dias desde o fim da curta trégua, em 1º de dezembro. A gravidade dos ferimentos e o grande número de pacientes estão levando o sistema de saúde de Gaza a um ponto de colapso também nessa região da Faixa de Gaza, após seu colapso no norte, onde, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, apenas um hospital permanece em funcionamento, ainda que parcialmente.

“O setor de emergência do hospital Nasser está completamente lotado, e novos pacientes estão sendo tratados no chão. Os médicos estão passando por cima de corpos de crianças mortas para tratar outras crianças que morrerão de qualquer maneira”, lamenta Chris Hook, líder da equipe médica de MSF em Gaza. “Mais e mais estruturas temporárias estão sendo erguidas, tendas são usadas como enfermarias e clínicas temporárias. Cada prédio disponível está sendo ocupado com leitos para pacientes. Mais leitos hospitalares são desesperadamente necessários”.

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O tratamento dos feridos de guerra é complicado, pois as explosões dos armamentos explosivos e o desmoronamento de prédios criam ferimentos múltiplos e simultâneos em muitas partes do corpo. Em Gaza, o cerco total de Israel impossibilita o acesso a medicamentos essenciais, inclusive medicamentos para o controle da dor, que são fundamentais em intervenções cirúrgicas, e às ferramentas médicas necessárias para tratar corpos com estilhaços e queimados.

“As poucas pessoas ‘com sorte’ que sobrevivem têm ferimentos que mudam suas vidas. Muitas pessoas feridas sofrem queimaduras extremas, fraturas graves que não cicatrizam adequadamente e podem exigir amputações”, explica Hook.

“Muitos desses pacientes, mesmo que consigam voltar a ter algo parecido com uma vida comum, terão dores crônicas graves que também exigirão um tratamento substancial. Isso seria um fardo enorme até mesmo para o mais funcional sistema de saúde, quanto mais para um sistema sob intensa pressão, como em Gaza”, conclui ele.

No hospital de Al-Aqsa, na região central de Gaza, uma equipe de MSF tem oferecido cirurgias de emergência e atendimento ambulatorial. De 1 a 11 de dezembro, aproximadamente um em cada três pacientes (640 em 2.058) foi dado como morto na chegada. Em 6 de dezembro, o número de pessoas mortas que chegaram ao hospital de Al-Aqsa ultrapassou o número de feridos. A equipe da unidade de saúde se esforça para manter protocolos de higiene eficazes e para reduzir o risco de infecção para os pacientes, ao mesmo tempo em que enfrenta a falta de suprimentos e equipamentos essenciais. Nessas condições, manter os protocolos de higiene é uma tarefa extremamente difícil, mas fundamental, pois um número crescente de infecções pode rapidamente se transformar em um desafio médico adicional tanto para os pacientes quanto para os profissionais de saúde já sobrecarregados.

O que acontece no sul de Gaza hoje parece replicar a abordagem das forças israelenses no norte da Faixa de Gaza. Uma política de terra arrasada que não deixa nenhum espaço seguro para as pessoas, ataques constantes e repetidas ordens de evacuação dadas pelas forças israelenses a bairros inteiros, assim como o cerco total imposto à Faixa de Gaza, tornaram extremamente difícil para as pessoas terem acesso a cuidados de saúde e para a equipe médica fornecê-los. Desde 1º de dezembro, MSF precisou suspender seu apoio a três clínicas de saúde no sul e reduzir sua presença no hospital Nasser. É preciso interromper o deslocamento forçado contínuo de pessoas para permitir que os doentes e os feridos recebam os cuidados de que precisam com urgência.

 

Pico de infecções à medida que o sistema de saúde atinge ponto de colapso

Enquanto o risco de ataques violentos para os civis em Gaza persiste, as infecções resultantes de ferimentos mal tratados estão aumentando rapidamente, colocando vidas em risco.

“Os riscos de infecção são incrivelmente altos, devido às condições nas quais as pessoas precisam viver e ao fato de que simplesmente não há é possível fornecer o atendimento hospitalar de longo prazo que esses pacientes realmente precisam”, diz Hook.

No hospital Europeu, uma pequena equipe médica de MSF começou recentemente a tratar pacientes que foram feridos no início da guerra e cujos ferimentos agora estão infectados devido à falta de cuidados médicos.

Há apenas algumas instalações de saúde primária abertas no sul, incluindo a clínica de Al-Shaboura, apoiada por MSF. Isso significa que há pouco tratamento disponível para doenças infecciosas como infecções respiratórias, diarreia, catapora, piolhos e sarna, que se espalham incontrolavelmente em abrigos superlotados, aumentando os riscos para os palestinos deslocados.

 

Condições de vida terríveis e fome generalizada

Outra necessidade urgente são os abrigos para as pessoas deslocadas, pois os novos deslocados se somam ao já elevado número de pessoas que vivem em condições desesperadoras. “Ao percorrer as ruas ao sul de Khan Younis e perto de Rafah, você vê os abrigos temporários se expandindo cada vez mais, à medida que mais e mais pessoas chegam”, diz Hook.

“As condições gerais para a maioria dessas pessoas são terríveis: elas vivem em estruturas temporárias feitas de alguns pedaços de madeira batidos juntos e cobertos com folhas de plástico, sem isolamento da terra ou do chão de concreto. Elas lutam para encontrar água suficiente para atender às suas necessidades de higiene”, completa Hook. Os frágeis abrigos agora estão em constante risco, atingidos pelos ventos fortes e pela chuva intensa.

Com a chegada de mais pessoas ao sul, está ficando mais difícil encontrar alimentos, e os poucos alimentos disponíveis são muito caros para as pessoas comprarem.

Durante uma trégua de sete dias em novembro, a chegada de pacientes com ferimentos violentos no hospital Nasser teve uma breve pausa. Em vez disso, a unidade de saúde ficou sobrecarregada com pacientes diabéticos e outros pacientes com doenças crônicas que não puderam ter acesso aos cuidados médicos que precisavam durante os combates. Isso mudou novamente quando as hostilidades recomeçaram, em 1º de dezembro. Dessa vez, com intensidade ainda maior. Não sabemos o que aconteceu com esses pacientes crônicos depois que as instalações foram sobrecarregadas pela chegada em massa de feridos de guerra, nem como eles conseguirão sobreviver.

Em 17 de dezembro, a maternidade do hospital Nasser foi alvo de ataques. Uma paciente foi morta, enquanto outros pacientes ficaram feridos nesse ataque. Os ataques aos serviços de saúde devem parar agora.

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