Gaza: falta de acesso a cuidados médicos ameaça a vida de gestantes e recém-nascidos

Em meio a uma guerra implacável, equipes de MSF observam aumento de partos prematuros e da desnutrição infantil no hospital Nasser

Khadra, que deu à luz no hospital Nasser, no sul de Gaza, com seu bebê. © Mariam Abu Dagga/MSF

Quando Hanin procurou atendimento para sua filha com desnutrição em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, as chances de sobrevivência da criança já começavam a diminuir. “[Minha] filha estava em estado crítico. Eles me encaminharam para o hospital, mas não havia meio de transporte,” explica Hanin. Finalmente, eles chegaram em uma carroça ao centro de nutrição terapêutica intensiva de Médicos Sem Fronteiras (MSF). “Minha filha estava cansada. Sua cabeça estava pendendo em direção a mim e ela não se movia. Estava perto da morte antes de chegarmos ao hospital.”

Após nove meses de uma guerra implacável, o acesso das pessoas aos cuidados de saúde em Gaza continua a piorar, especialmente para aquelas em situação de maior vulnerabilidade, como mulheres grávidas e crianças, quando os cuidados não estão disponíveis. Sua vulnerabilidade foi exacerbada por deslocamentos repetidos, condições de vida inadequadas, insegurança e problemas nutricionais. Como resultado, as equipes de MSF estão observando um aumento nos partos prematuros e na desnutrição infantil no sul de Gaza.

“Os principais riscos à saúde das mulheres grávidas são complicações relacionadas à pressão arterial, como eclâmpsia, hemorragia e sepse – que podem se tornar fatais se não forem tratadas a tempo”, afirma Mercè Rocaspana, consultora de saúde da unidade de emergência de MSF. “Em contextos como o de Gaza, em que o sistema de saúde foi dizimado e entrou em colapso, o acesso tardio aos cuidados representa riscos à saúde das mulheres grávidas e de seus filhos, que são trágicos e até mesmo letais.”

Joanne Perry, médica responsável do projeto de MSF em Gaza, atende uma criança no Hospital Nasser, no sul de Gaza. © Mariam Abu Dagga/MSF

Único hospital para cuidados maternos e pediátricos

O Hospital Nasser é o último hospital terciário que fornece cuidados maternos e pediátricos em Khan Younis. Em fevereiro, após várias semanas de intensos conflitos com grupos armados palestinos em Khan Younis, as forças israelenses invadiram a instalação, que estava sob cerco. As equipes de MSF foram forçadas a fugir do hospital e, em maio de 2024, retornaram à unidade. Em junho, juntamente com o Ministério da Saúde e outros parceiros, reabriram as enfermarias de maternidade e pediatria, incluindo um centro de nutrição terapêutica intensiva, e começaram a oferecer apoio às unidades de terapia intensiva pediátrica e neonatal.

Estamos vendo crianças com desnutrição, um problema nunca visto antes em Gaza.”
– Joanne Perry, médica responsável do projeto de MSF

As necessidades de mulheres e crianças estão aumentando vertiginosamente, mas as equipes de MSF no hospital Nasser estão testemunhando uma escassez de suprimentos vitais, comprometendo a prestação e a qualidade dos cuidados. Devido à falta de outros centros de saúde em funcionamento, Nasser enfrenta diariamente um aumento esmagador de pacientes.

Entre 29 de junho e 5 de julho, só o serviço de urgência pediátrica registrou mais de 2.600 consultas, o que significa que a equipe atendeu mais de 300 crianças todos os dias. À medida que mais e mais crianças são internadas, elas são forçadas a dividir leitos, pressionando os serviços pediátricos além de sua capacidade.

“Estamos vendo crianças com desnutrição, um problema nunca visto antes em Gaza”, diz Joanne Perry, médica responsável do projeto de MSF e integrante da equipe que trabalha no hospital Nasser. “As pessoas estão vivendo em tendas, com acesso mínimo à água potável e saneamento precário. Os bombardeios devastaram os sistemas de esgoto e água, resultando em casos de diarreia, desidratação, hepatite A e infecções de pele entre as crianças.”

Acesso a cuidados maternos essenciais

Como o último hospital que oferece cuidados maternos em Khan Younis, o Hospital Nasser e sua equipe médica realizam de 25 a 30 partos por dia. Além de hospitais em funcionamento sendo destruídos ou fechados, a devastação da infraestrutura também criou obstáculos severos para que mulheres grávidas cheguem às unidades de saúde.

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Muitas vezes, mulheres grávidas são forçadas a percorrer rotas inseguras no meio dos conflitos e sem transporte seguro, atrasando o acesso aos cuidados de saúde e as colocando em maior risco de complicações.

“Eu fui sozinha em uma carroça puxada por um burro até o Hospital Nasser, pois meu marido não pôde me acompanhar devido a restrições financeiras”, diz Najwa, uma gestante em Gaza.

Após as mulheres darem à luz, elas voltam rapidamente a condições insalubres, muitas vezes em tendas, onde a falta de alimentos e o estresse constante as colocam com seus recém-nascidos em maior risco de saúde.

“Algumas mulheres têm partos prematuros, muitas vezes com complicações pós-parto exacerbadas por suas condições de vida”, explica Mohamad, supervisor da equipe de enfermagem de MSF que trabalha na unidade de terapia intensiva neonatal do hospital Nasser. Além dos serviços de maternidade, MSF apoia a unidade de terapia intensiva neonatal, que é equipada com 29 leitos e incubadoras para recém-nascidos de alto risco.

“Não há […] fraldas nem roupas adequadas para o meu bebê. Viver em uma tenda expõe ele a condições extremas, sem sequer uma cama adequada”, lamenta Khadra, que deu à luz na maternidade do hospital Nasser.

Sendo a única maternidade funcional no sul de Gaza, o Hospital Nasser continuará a enfrentar desafios de capacidade. A reabertura das maternidades e das enfermarias pediátricas é um passo em frente na prestação de cuidados, mas um cessar-fogo imediato e sustentado em Gaza, juntamente com a ajuda humanitária irrestrita, é a única solução para aliviar o sofrimento das pessoas encurraladas na Faixa de Gaza, incluindo mulheres grávidas e crianças.

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