Gaza: os ataques também acontecem nas plantações e estradas

Gilles Pelissier, coordenador de projeto de MSF em Gaza, aproveitou o cessar-fogo para viajar para o sul da região e avaliar as condições em que vivem as numerosas famílias abrigadas em escolas e centros de acomodação de emergência

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“Khuzaa é um vilarejo palestino próximo da fronteira com Israel. Aqui, as paredes dão lugar às torres de vigilância e filas arame farpado entre as quais os veículos fazem sua patrulha. E, em ambos os lados da fronteira, há plantações. Dois camponeses com idades entre 50 e 60 anos vêm trabalhar em suas plantações. O cessar-fogo vai ser encerrado à meia-noite.

‘Estou falando com você, mas estou morto’, diz um deles. Esses homens estão atordoados. Eles perderam todo o seu estoque de animais – um tinha camelos e o outro vacas – e suas colheitas quando a área foi atacada na semana passada. ‘Eles atiraram nos animais que não foram mortos pelas bombas’, conta Abu Abed. Ele providenciou água para seus animais e teve que fugir quando as tropas israelenses começaram um ataque por terra. ‘As bombas caíram bem atrás de mim’, lembra ele. ‘Pudemos sentir a força da explosão. Então, coloquei meu filho na bicicleta e fugimos.’ Em um ponto da estrada, ele viu uma bomba atingir uma mulher que corria com seus dois filhos nos braços. A explosão os lançou ao ar, e a mulher caiu no meio da estrada. ‘Tentei colocá-la em minha bicicleta, mas foi impossível, dadas as condições’, ele diz. Os bombardeios continuaram. Ele temia por sua vida e pela vida de seu filho, então decidiu deixá-la. Ele está traumatizado.

Na noite passada, ele retornou a uma das escolas da cidade de Khan Younis, a cinco quilômetros dali, para onde fugiu com sua família. Ali, as muitas famílias deslocadas recebem apoio da UNRWA, Agência das Nações Unidas para Refugiados Palestinos no Leste.

Ontem, dois profissionais de MSF e eu fomos à cidade de Gaza, ao sul da Faixa de Gaza, para uma região que foi gravemente destruída, a fim de avaliar como as pessoas deslocadas estão vivendo em escolas e outros edifícios. Alguns dias antes, na cidade de Gaza, identificamos que os deslocados precisavam de kits de higiene e nós, então, fizemos a distribuição para mais de 500 famílias. As condições de higiene não são boas. Muitas pessoas estão com diarréia ou infecções de pele, em parte por causa da superlotação nos abrigos de emergência e da falta de água.

Mesmo em condições normais, água e eletricidade são um problema na Faixa de Gaza. A infraestrutura é antiga e difícil de manter por causa dos bloqueios que impedem a importação de material de construção. A estação de geração de eletricidade foi atacada e gravemente destruída. A eletricidade dura, agora, até duas horas por dia, tempo insuficiente para bombear a água para a rede de suprimento. Geralmente, a água das torneiras não é potável e muitos poços deixam a água muito salgada. Para beber água, a população depende de caminhões pipa. Mas isso acontecia antes da guerra.

Agora, as pessoas pegam água dos hidrantes nas ruas. Elas esperam por sua vez em filas, com seus galões; elas também aproveitam o período de trégua para ir às compras. Para comprar gás para cozinhar, elas ficam nas filas em frente às lojas. É possível que esperem por horas para comprar pães na padaria. Será que essa trégua vai durar? Após a euforia vivenciada no primeiro dia de trégua, quando a calma retornou, a preocupação foi retomada ontem, o último dia das 72 horas de cessar-fogo.”

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