Grécia: Imigrantes vivem no centro de detenção de Pagani

Vice-chefe de missão de MSF, Ioanna Kotsioni fala sobre as péssimas condições de vida encontradas na unidade

“Entre os dias 20 e 28 de agosto, visitei o centro de detenção de Pagani para dar apoio à equipe de Médicos Sem Fronteiras (MSF) que oferecia o serviço psicossocial para os imigrantes sem documentos que vivem no centro desde o dia 27 de julho. Quando cheguei, a situação era chocante.

Havia mais de 900 pessoas no centro de detenção, extremamente povoado e em péssimas condições sanitárias. Na verdade, trata-se de um velho armazém nada apropriado para acomodar pessoas.

De acordo com as autoridades locais, sua capacidade chega a 300 pessoas, mas quando entrei, vi que no prédio estavam mais de 900, entre homens, mulheres, adolescentes e crianças, todos vivendo em celas superlotadas. A maioria deles dormindo em colchões no chão, sem lençóis.

Em cada uma das sete celas, incluindo a das mulheres e crianças, há apenas duas latrinas e chuveiros para serem usados por entre 100 a 250 pessoas. As pessoas se alimentam dentro das celas e não têm permissão para ir ao jardim regularmente.

A situação era extremamente tensa no centro de detenção, uma vez que muitas pessoas foram mantidas presas sem saber quando teriam liberdade. Alguns menores desacompanhados ficaram presos por 50 dias ou mais.

Quando cheguei, mais de cem menores desacompanhados já estavam no terceiro dia de greve de fome, protestando contra as condições de vida no centro e pedindo para serem libertados. Mais de 220 menores desacompanhados, no total, foram mantidos em duas celas. Felizmente, a greve de fome foi encerrada no dia seguinte, uma vez que alguns deles foram libertados e transferidos para o centro de hospitalidade de menores desacompanhados em Agiassos.

O que foi muito alarmante para MSF foi o fato de haver tantas mulheres e crianças pequenas dentro do centro. Em uma cela de cerca de 200 metros quadrados, encontramos mais de 200 mulheres com crianças.

Das 68 crianças, 36 tinham menos de cinco anos de idade. Entre elas havia ainda cinco mulheres grávidas no oitavo ou nono mês de gestação. Duas delas pariram no hospital local na segunda metade de agosto. As celas estavam superlotadas. Era necessário andar pelos colchões sujos estendidos no chão. Devido à superlotação e às péssimas condições sanitárias, a maioria das mulheres reclamou que seus filhos estavam doentes e que não viam um médico há dias.

Muitas das mulheres que falaram com nossos psicólogos e comigo estavam em condições psicológicas muito ruins, especialmente as que ficaram detidas no centro por muito tempo, frequentemente por mais de três semanas. Elas não conseguiam entender porque elas e as crianças ficaram presas em condições tão ruins. Elas estavam estressadas e sem esperança, porque todos os dias esperavam ser liberadas do centro de detenção. Elas estavam inseguras com relação ao futuro e todas pediam para ser libertadas.

Uma mulher da Eritréia, mantida no centro por 45 dias, ameaçou se automutilar se não fosse libertada. Outra mulher afegã me contou que ficou chocada ao chegar na Grécia e ser levada para o centro de detenção, porque ela havia chegado na Europa. Na Europa que havia ensinado ao mundo o que são os direitos humanos. Então ela estava me perguntando por que ela e sua mãe foram presas lá.

Nossa equipe se deparou com uma situação geral de desamparo. A prioridade foi atender os grupos mais vulneráveis, como crianças, menores desacompanhados e mulheres. Quando chegamos, há dias as mulheres não tinham permissão para deixar a cela e ir ao jardim. Uma das primeiras coisas que fizemos foi tirar as crianças das celas e acompanhá-las às visitas dos pais em suas salas na parte da frente do prédio.

Esse foi um momento muito emocionante para nós, ver os pais abraçando seus filhos pequenos através das barras das celas, muitos chorando. Também pedimos à polícia que permitisse que as crianças fossem para o jardim e organizamos algumas atividades em grupo, para que elas pudessem fazer desenhos e brincar. A psicóloga pode realizar algumas consultas individuais com os pacientes que precisavam de atenção especial.

Um pai nos perguntou o tempo todo sobre sua mulher e seu filho, que havia nascido há alguns dias no hospital local. Os dois ainda estavam no hospital e ele não tinha autorização para visitá-los. Ele estava preocupado com a possibilidade dos dois serem trazidos de volta para o centro de detenção. Ele também nos disse que temia que ele e a família morressem lá.

Ficou aparente a situação dramática do centro de detenção e que uma solução imediata deveria ser tomada para que os 200 menores desacompanhados e 200 mulheres com crianças sejam transferidas para outra unidade. Em um encontro urgente realizado com a participação de autoridades locais, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e organizações não-governamentais que trabalham no centro, tentamos abordar muito assertivamente as necessidades humanitárias das mulheres e crianças e tentamos pressionar as autoridades locais para que encontrem abrigo para eles em outra unidade, com melhores condições de vida, onde as crianças não fiquem presas em celas.

Autoridades locais apresentaram uma medida temporária para abrigar os menores desacompanhados, mulheres e crianças em um acampamento aberto em Lesvos. Lá, eles podem esperar pela libertação dos homens. Nos próximos quatro dias muitas mulheres, crianças e menores desacompanhados foram transferidos de Pagani para o acampamento, onde as condições de vida são muito melhores. No entanto, eles podem ficar lá apenas por alguns dias até acharem um ticket de barco para Atenas.

Ao partir para Atenas, eles levavam nas mãos sua autorização de soltura, que atesta que o non-refoulement* não é possível e que eles foram convidados a se retirar das Grécia pelos próprios meios nos próximos 30 dias.

Dois dias depois, um barco com cerca de 300 pessoas, a maioria famílias e menores desacompanhados que haviam sido libertados de Pagani, chegou no porto de Piraeus, em Atenas. Entre eles estavam duas famílias palestinas com crianças pequenas e suas mães com oito meses de gestação. Havia também uma família afegã com um recém nascido e duas outras crianças pequenas. A tia do bebê me contou que eles decidiram batizar a criança como Daria, que significa “mar”, e continuou me dizendo que ela é um bebê grego agora, uma vez que ela nasceu na Grécia.

Essa família e outras mais, um total de 40 pessoas, foram deixadas no porto sem ter para onde ir, totalmente desamparadas. Depois de algumas horas, a Prefeitura de Piraeus teve a iniciativa de abrigá-los temporariamente em um abrigo. Apesar de bem-vinda, essa é uma solução ad hoc temporária. De fato, para todos esses imigrantes sem documentos, incluindo esses casos não vulneráveis, não há providências para encontrar abrigo, comida ou acesso a cuidados de saúde.

Sua condição permanece extremamente crítica em um país como a Grécia, que não garante um mínimo de acesso à saúde para as famílias imigrantes com crianças pequenas, menores desacompanhados e pessoas com problemas de saúde e não cobre suas enormes necessidades humanitárias. MSF está extremamente preocupada com o destino de todas essas pessoas vulneráveis, que enfrentam um futuro de destituição e incertezas.

* Non-refoulement é um princípio na lei internacional, especificamente na lei de refugiados, que diz respeito a proteger os refugiados de serem devolvidos a locais onde suas vidas ou liberdade estão ameaçadas. Diferente do asilo político, que é concedido aos que podem provar a ameaça de perseguição baseado no fato de pertencerem a um grupo social ou classe de pessoas, o non-refoulement diz respeito à repatriação genérica das pessoas, geralmente refugiados em zonas de guerra e outras áreas de desastre.

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