Grupos estigmatizados estão tomando o controle de sua própria saúde em Beira, Moçambique

MSF implementou uma estratégia liderada por educadores em pares com o objetivo de criar um ambiente de confiança onde todas as pessoas se sintam confortáveis ao acessar cuidados de saúde.

Foto: Mariana Abdalla/MSF

Em Beira, Moçambique, Médicos Sem Fronteiras (MSF) atua em estreita colaboração com grupos estigmatizados, como homens que fazem sexo com homens (HSH), profissionais do sexo e jovens em risco que também praticam trabalho sexual, para assegurar que se sintam seguros ao acessar cuidados de saúde. Muitas vezes, devido ao estigma, estes grupos se sentem desconfortáveis em procurar serviços médicos, o que pode levar a problemas de saúde mais complexos que poderiam ter sido prevenidos ou tratados em tempo hábil.

Por isso, MSF desenvolveu uma estratégia liderada por educadores em pares, pessoas do mesmo grupo ou comunidade, ou seja, os próprios profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens e jovens em risco. Agora, um ambiente mais amigável e confiável é uma realidade, e, por sua vez, há um melhor acesso aos cuidados de saúde sexual e reprodutiva, bem como informações, serviços e ferramentas para prevenir, diagnosticar e tratar infecções sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV. Como resultado, muitos se sentem mais mobilizados para melhorar a sua própria saúde e apoiar quem está em risco nas suas comunidades.

Estas são três maneiras através das quais isso está acontecendo:

Preservativos e lubrificantes são entregues a profissionais do sexo e homens que fazem sexo com homens, em Beira. O sexo sem proteção continua a ser um dos maiores desafios e é uma das principais causas de infecções sexualmente transmissíveis relatadas em clínicas comunitárias de MSF. Foto: Mariana Abdalla/MSF

1. Contatando os educadores em pares de MSF

“A pessoa que vem aqui com a camisa de MSF ajuda bastante. Se eu ficar doente, faço uma ligação e ela me leva ao hospital. Confiamos nela”, diz Preciosa, uma profissional do sexo oriunda do Zimbábue que vive em Beira há quatro meses. Muitas outras pessoas, como Preciosa, contam com os educadores em pares de MSF na comunidade para obter informações e orientações confiáveis de alguém que já teve experiências pessoas parecidas às suas.

Mais de 90% das mulheres jovens em risco e profissionais do sexo que compareceram nos serviços de MSF durante o último trimestre de 2021, por exemplo, permaneceram sob o conselho de um educador em par durante o primeiro trimestre de 2022. Os educadores em pares também receberam formações sobre saúde sexual e reprodutiva e consultas de acompanhamento em 2021, o que resultou num aumento de mais de 25% de profissionais do sexo inscritas nos serviços de planejamento familiar de MSF no ano seguinte. Uma outra mudança positiva é que isto possibilitou um acesso mais rápido a cuidados médicos a sobreviventes de violência sexual e de gênero. Até o momento, todos os casos de violência sexual e de gênero relatados a um educador em par conseguiram atendimento médico dentro de 72 horas.

“Sem um educador em par é muito difícil saber quem está em risco na comunidade” – Domingas, educadora em par de MSF para profissionais do sexo em Moçambique.

Domingas, educadora em par de MSF para profissionais do sexo, conversa com as mulheres que aconselha na comunidade. Foto: Mariana Abdalla/MSF

“As pessoas, de início, não confiavam totalmente em mim. Mas hoje em dia, elas me veem com a camisa de MSF e me respeitam. Falo muito com as jovens sobre a importância de conhecerem a própria saúde e os riscos a que estão expostas dependendo do que decidirem fazer. É muito gratificante”, conta Domingas, que trabalha como educadora em par de MSF para profissionais do sexo desde 2020.

Além disso, cada vez mais pessoas pretendem tornar-se educador em par.

“De início, eu apenas ia aos serviços de MSF. Costumava ir às clínicas e ouvir as palestras. De vez em quando, ligava para pedir informações também. Depois de algum tempo, tive a oportunidade de me candidatar para me tornar um educador em par. Eu tinha aprendido muito e conheço muita gente na comunidade porque tenho uma barbearia aqui” – Norce, de 22 anos, educador em par para homens que fazem sexo com homens.

Norce, educador em par de MSF para homens que fazem sexo com homens, em frente à sua barbearia, onde muitas vezes dá palestras a homens em risco. Foto: Mariana Abdalla/MSF

2. Indo às clínicas comunitárias de MSF

“Vamos a quase todas as clínicas. Gostamos de ir porque conversamos com as pessoas sobre as coisas que estão acontecendo conosco, fazemos testes e às vezes até rimos”, diz um adolescente que frequenta regularmente a clínica comunitária de MSF num estabelecimento local.

Em Beira, as clínicas comunitárias de MSF criam um ambiente descontraído usando estratégias adaptadas, como através da parceria com um grupo de teatro local para que as atividades de promoção de saúde sejam mais estimulantes para a população que queremos alcançar. O adolescente citado acima tinha acabado de assistir a uma peça que, através do humor, transmitia mensagens importantes sobre o estigma e o tratamento do HIV, inclusive em seu estágio avançado.

Numa clínica comunitária de MSF, um grupo de teatro local realiza uma peça sobre os riscos de descontinuação do tratamento do VIH e o estigma associado aos homens que procuram atendimento médico. Foto: Mariana Abdalla/MSF

Ao comparecer em uma clínica comunitária, os pacientes também podem realizar testes para infeções sexualmente transmissíveis, como o HIV e a sífilis, se vacinar contra a hepatite B, obter profilaxia pré-exposição para HIV (PrEP) e a profilaxia pós-exposição para tratamentos de prevenção do HIV (PEP), cuidados de saúde sexual e reprodutiva e de planejamento familiar, como contracepção autoadministrada, bem como receber aconselhamento.

Desde que as atividades lideradas por educadores de pares envolvendo diretamente a comunidade foram iniciadas em Beira, houve um grande aumento de visitas às clínicas comunitárias de MSF por profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens e jovens em risco. Em 2020, MSF alcançou pouco mais de mil pessoas. Em 2021, esse número aumentou para mais de 2.400. Até agora, em 2022, de janeiro a março, mais de mil pessoas já acessaram os serviços de MSF.

3. Divulgando mensagens de promoção de saúde

“Alguns dos nossos amigos não podem vir aqui porque trabalham durante o dia, por isso, contamos tudo sobre as clínicas para eles quando chegam a casa. Pessoas que nunca foram a uma clínica fazem muitas perguntas. Perguntam se fazer testes dói, por exemplo. Eu digo que não”, diz Tony, um adolescente que havia acabado de realizar uma série de testes em uma clínica comunitária de MSF.

À medida que pacientes como Tony se sentem mais empoderados, mais mensagens são difundidas pela comunidade, e seus membros se tornam mais confiantes em fazer melhores escolhas para sua saúde sexual e reprodutiva. É inegável que o trabalho comunitário que acontece dentro e fora das clínicas comunitárias de MSF está causando um impacto duradouro e poderoso para as pessoas.

Foto: Mariana Abdalla/MSF

MSF atua em Moçambique desde 1984 e em Beira desde 2014. As equipes de MSF fornecem cuidados de saúde sexual e reprodutiva, incluindo testes de HIV e tratamento e interrupção da gravidez a grupos vulneráveis e estigmatizados, incluindo profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens e jovens em risco. MSF também presta serviços de saúde sexual e reprodutiva e tratamento para pacientes com HIV avançado em centros de saúde locais e no Hospital Central de Beira. As equipes de MSF em Moçambique também respondem a necessidades médico-humanitárias relacionadas às doenças negligenciadas e relacionadas à água, ao deslocamento de comunidades devido ao conflito em curso em Cabo Delgado e desastres naturais em todo o país.

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