Guerra no Sudão: cinco questões sobre a situação dos refugiados que se abrigam no Chade

Cerca de 610 mil pessoas fugiram dos conflitos no Sudão para o Chade em quase um ano de guerra.

Awa Ousman Abdelkarim caminhando pelo acampamento de Daguessa, no leste do Chade. Ela é uma refugiada sudanesa que vive no local com parte de sua família. © Giuseppe La Rosa/MSF

Desde o início da guerra no Sudão, 1,6 milhão de pessoas fugiram do país em busca de segurança, incluindo cerca de 610 mil que atravessaram a fronteira para o Chade*, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM). Ainda de acordo com a OIM, quase um ano depois, na região de Sila, no leste do Chade, quase 92 mil pessoas – a maioria delas repatriados** do Chade – continuam a sobreviver em condições muito precárias.

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Essa situação adiciona uma pressão sobre os recursos já sobrecarregados na região, que mal atendiam às necessidades das comunidades locais. Aproximadamente 50 mil pessoas se estabeleceram nas localidades de Daguessa e Goz-Aschiye, e as necessidades não atendidas dessas pessoas continuam a crescer, devido à resposta humanitária limitada e à falta de financiamento, apesar dos esforços de Médicos Sem Fronteiras (MSF) e de outras organizações.

Ajuda ofertada é insuficiente

Acampamento Goz Aschiye, onde as pessoas vivem sob abrigos de palha e a temperatura cai muito à noite. Por esse motivo, não são raros os casos de infecções do trato respiratório. © Giuseppe La Rosa/MSF

Alimè, refugiada sudanesa, fugiu dos conflitos durante uma noite com a filha e encontrou refúgio em Daguessa. “Já vi muitas coisas acontecendo lá no Sudão, como saques. Algumas casas foram até queimadas. Vi pessoas mortas e feridas. Mesmo ao longo do caminho, vi pessoas sendo roubadas de tudo o que tinham”, lembra ela.

Como a maioria das pessoas em Daguessa, a pouca ajuda que Alimè recebe para viver está longe de ser suficiente. Mesmo que tenham uma conexão ancestral com o país, muitos chadianos que saíram do Sudão não têm mais nenhum vínculo tangível com o Chade. Eles chegaram ao país em busca de proteção e assistência como outros refugiados.

“Estou sozinha aqui. Meu marido ficou no Sudão. Vim para a clínica de MSF porque meu filho está doente”, conta Awa, que também buscou segurança no Chade. Diagnosticado com malária grave e diarreia, seu bebê foi encaminhado e internado no centro de saúde de Daguessa, onde outra equipe de MSF estabiliza pacientes em estado crítico.

“No acampamento, todos nós viemos de lugares diferentes, não há relação entre nós que me permita obter ajuda de ninguém. Eu não tenho um cartão para receber o auxílio alimentar. Coletamos palha no campo e vendemos para a comunidade para termos o que comer”, relata Awa.

Os recursos são escassos, incluindo os alimentos

Mulheres no acampamento de Daguessa, leste do Chade, no local de distribuição de água montado por MSF. © Giuseppe La Rosa/MSF

No vilarejo de Goz-Aschiye, os moradores compartilham seus poucos recursos com as pessoas recém-chegadas, mas os alimentos continuam escassos. As distribuições de alimento nessa área não são suficientes para cobrir as necessidades de todos os habitantes, a maioria chadianos que regressaram ao país desde o início do conflito no Sudão.

“Uma mulher me disse que seus filhos não comiam nada há quatro dias. Como você fala sobre saúde e prevenção de doenças com alguém que está morrendo de fome?”, indaga Goumsou Mahamat Abadida, promotora de saúde de MSF no projeto de emergência na região de Sila.

Desnutrição representa riscos maiores para a saúde

Dentro da clínica de MSF no acampamento de Dogdore, as crianças são examinadas. Os profissionais avaliam a medida e o peso dos pacientes. © Giuseppe La Rosa/MSF

Em 2023, 1.563 pacientes, todos com menos de 5 anos de idade, foram admitidos no programa de nutrição de MSF em Sila devido à desnutrição aguda (500 crianças com desnutrição aguda grave e 1.063 com desnutrição aguda moderada).

A desnutrição aguda enfraquece o sistema imunológico e aumenta a vulnerabilidade das pessoas a doenças infecciosas. Por isso, é importante reforçar os cuidados de saúde para prevenir doenças graves como resultado.

“MSF está tentando garantir um mínimo de serviços de saúde no acampamento de Goz-Aschiye, mas isso não é suficiente para aliviar as enormes necessidades humanitárias que vemos no local”, explica Goumsou.

MSF fornece cuidados de saúde por meio de clínicas móveis

Equipe de MSF descarrega materiais para iniciar os atendimentos em uma clínica móvel no leste do Chade. © Giuseppe La Rosa/MSF

Desde maio de 2023, a equipe de MSF administra uma clínica móvel três dias por semana e duas tendas de estabilização com capacidade para 10 leitos no centro de saúde de Daguessa. Pacientes com condições médicas que requerem cuidados secundários são então encaminhados para centros médicos mais especializados.

MSF também mantém clínicas móveis em Andressa e Goz-Aschiye, onde as equipes realizam uma média de 200 a 300 consultas por semana, diagnosticando infecções respiratórias, diarreia e malária, bem como muitos casos de desnutrição aguda grave em crianças menores de 5 anos de idade.

Acesso à água potável está abaixo do padrão mínimo

Um poço foi cavado para fornecer água potável às pessoas em um vilarejo no leste do Chade. © Giuseppe La Rosa/MSF

A fim de melhorar as condições de higiene e o acesso à água potável, as equipes também construíram vários poços e começaram a transportar água com caminhões. No entanto, o acesso à água potável ainda não atinge o padrão mínimo de 15 a 20 litros por dia por pessoa; a maioria das pessoas em Daguessa tem acesso a apenas 6 litros por dia. Combinado com as condições de vida precárias, isso só aumenta o risco de doenças infecciosas.

“A resposta humanitária nesta área remota ainda é inadequada devido à falta de recursos e de organizações suficientes na região, o que está atrasando a entrega da ajuda necessária às pessoas deslocadas”, explica Khatab Muhy, coordenador-geral de MSF no Chade.

“Mesmo antes da crise no Sudão, o leste do Chade já enfrentava insegurança alimentar crônica. O fluxo de refugiados sudaneses e de chadianos que retornaram no ano passado, bem como as necessidades crescentes resultantes desse movimento, estão pressionando os recursos altamente limitados e a frágil infraestrutura de saúde do país”, conclui Muhy.


*Leia aqui a atualização em inglês.

**De acordo com a definição da OIM, os repatriados chadianos são cidadãos chadianos que viviam no oeste do Sudão antes do início dos conflitos, em abril de 2023. Muitos deles tinham vidas estruturadas no Sudão e meios de subsistência bem estabelecidos no país – alguns administravam pequenos negócios ou trabalhavam com agricultura de subsistência. O aumento da violência na região de Darfur deixou as famílias sem escolha, a não ser pegar o que podiam e fugir pela fronteira com o Chade.

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