Haiti: crise em Porto Príncipe dificulta atendimento a sobreviventes de violência sexual

Nos últimos anos, tem crescido o número de sobreviventes atendidas por MSF em Porto Príncipe, onde a população enfrenta uma grave crise de violência

Jalousie, bairro em Porto Príncipe, capital do Haiti. © Valerie Baeriswyl

Nos últimos anos, a violência se generalizou na área metropolitana de Porto Príncipe, capital do Haiti, com confrontos frequentes entre grupos armados e a polícia, causando fechamento de grandes instituições como hospitais públicos por causa da insegurança. Nesse período, Médicos Sem Fronteiras (MSF) tem trabalhado para aumentar o acesso a cuidados para sobreviventes de violência sexual e de gênero na cidade, e atendeu mais pacientes do que nunca.

Em 2024, MSF ofereceu atendimento a 4.463 sobreviventes de violência sexual e de gênero na clínica Pran Men ‘m, no Hospital Maternidade Carrefour e por meio de um novo projeto em nosso hospital em Cité Soleil. Em 2023, MSF havia atendido 3.207 sobreviventes na clínica Pran Men ‘m e no Hospital Maternidade Carrefour, um aumento já acentuado em relação às 1.775 pessoas atendidas em 2022. Também atendemos sobreviventes por meio de clínicas móveis em várias áreas de Porto Príncipe.

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Desde 2015 MSF oferece atendimento médico e psicológico abrangente a sobreviventes de violência sexual e de gênero na clínica Pran Men ‘m. Após uma suspensão de nossas atividades médicas em toda a cidade, em novembro de 2024, por causa de ameaças contra profissionais e pacientes, a clínica reabriu em dezembro e continua recebendo pacientes 24 horas por dia, sete dias por semana, gratuitamente.

Ainda assim, sobreviventes de violência sexual e de gênero em Porto Príncipe precisam urgentemente de serviços vitais, como abrigos seguros, apoio à saúde mental e cuidados médicos.

Violência de grupos armados

Embora MSF continue recebendo muitos pacientes que sofreram violência por parte de alguém próximo, desde meados de 2022, mais pacientes têm relatado que o agressor era uma pessoa desconhecida. Muitos casos envolvem grupos armados, frequentemente com mais de um agressor. Entre os sobreviventes, estão crianças e pessoas que foram deslocadas internamente.

Um método frequente usado por esses grupos é a intimidação com armas, como conta Jeanne, sobrevivente que relatou sua história à nossa equipe: “Eu estava na casa do meu pai quando ouvimos alguém bater. Uma voz de fora disse que atirariam se não abríssemos a porta. Quando abrimos, vimos três homens armados, encapuzados, que ameaçaram nos matar se eu não concordasse em dormir com eles. E então, os três me violentaram naquele dia.”

Um testemunho de sobrevivência – Haiti

Após a violência, as sobreviventes muitas vezes enfrentam uma jornada de deslocamento interno, carregando cicatrizes físicas e psicológicas de suas experiências, conforme relata a paciente: “Depois disso, tivemos que fugir da área e ficar em outra parte da cidade. Eu me senti morta por dentro, porque as memórias do ataque me atormentavam e me faziam chorar sem parar”, compartilha ela.

As sobreviventes não podem retornar com segurança às suas vidas normais e não têm um lugar seguro para ir.”
– Diana Manilla Arroyo, coordenadora-geral do projeto de MSF no Haiti

A atual turbulência no Haiti torna difícil a busca por justiça por meio do sistema legal ou obter proteção das autoridades. Muitas sobreviventes ficam nas áreas de Porto Príncipe onde estão as pessoas deslocadas internamente, e ali enfrentam riscos adicionais. Outras não têm escolha, a não ser dormir nas ruas ou retornar às áreas onde a agressão sexual ocorreu.

“Um dos problemas que vemos repetidamente é que, embora possamos oferecer assistência médica abrangente, as sobreviventes não podem retornar com segurança às suas vidas normais e não têm um lugar seguro para ir”, explica Diana Manilla Arroyo, coordenadora-geral do projeto de MSF no Haiti.

Existem apenas alguns abrigos de emergência para sobreviventes de violência sexual e de gênero em Porto Príncipe, e eles têm uma capacidade muito reduzida. As sobreviventes podem ser limitadas a ficar apenas alguns dias ou excluídas dessa possibilidade porque têm filhos ou porque têm certas condições médicas. É possível que precisem também de assistência econômica ou jurídica, mas esses serviços também são muito limitados.

O apoio médico e psicológico também é essencial para apoiar a cura e a recuperação. Uma paciente compartilhou sua experiência sobre como os serviços de MSF a ajudaram a lidar com as consequências da agressão sexual: “Tive uma consulta com uma psicóloga que falou comigo e me animou. Ela explicou que os médicos fariam todo o possível para me ajudar.”

Serviços médicos e psicológicos devem estar disponíveis em todas as fases da recuperação de um sobrevivente — e a atenção médica oportuna é crucial para fornecer o atendimento mais abrangente possível, incluindo profilaxia e contracepção imediatas pós-exposição ao HIV.

Embora MSF tenha aumentado sua resposta, mais serviços são urgentemente necessários nas comunidades mais afetadas pela violência sexual e de gênero.

“Todas as pessoas que sofreram violência sexual merecem fazer escolhas informadas sobre a sua saúde e o seu futuro”, frisa Manilla Arroyo. “Informações e serviços relevantes devem estar mais amplamente disponíveis, como assistência médica e psicológica, apoio socioeconômico, abrigo e proteção, para que os sobreviventes possam decidir o que melhor garantirá sua dignidade, saúde e autonomia corporal”, conclui.

 

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