Haiti: “Damos o nosso melhor para salvar vidas”

Em “Histórias de MSF”, Claudia, supervisora de enfermagem em Porto Príncipe, descreve as dificuldades da população em acessar serviços médicos em meio à insegurança .

Parte externa do Centro de Emergência de Turgeau, em Porto Príncipe, no Haiti. © MSF/Alexandre Marcou

Há vários anos, o Haiti se confronta com um grave problema de insegurança. Os habitantes da região metropolitana de Porto Príncipe, capital do país, enfrentam muitas dificuldades, porque por vezes é preciso fugir em razão da violência dos grupos armados nos bairros e, atualmente, não há nenhum lugar onde as pessoas se sintam seguras.

Quando o centro de emergência de Médicos Sem Fronteiras (MSF) estava em Martissant, eu levava apenas cinco minutos para ir de Carrefour, onde moro, ao trabalho. MSF teve que fechar o centro em 2021 devido à insegurança e, posteriormente, abriu um centro de emergência no bairro de Turgeau. Agora, levo duas horas de carro para chegar ao trabalho, mas felizmente a equipe é muito flexível. Assim, quando é difícil chegar ao hospital, os membros da equipe estão dispostos a continuar trabalhando até que os outros, que estão atrasados, estejam disponíveis.

Claudia, supervisora de enfermagem de MSF. © Tim Shenk/MSF

Todos os dias são imprevisíveis. Nesta manhã*, por exemplo, cheguei e tudo correu relativamente bem. Não houve problemas na estrada, foi apenas rotina. Por que eu disse rotina? Sempre que há um ônibus na estrada de Martissant, grupos armados o retêm e só nos deixam seguir depois que damos dinheiro. Não devíamos ter que nos adaptar a esse tipo de vida, mas, infelizmente, estamos no Haiti, tentando sobreviver.

Cheguei ao centro de urgência às 7h45m e, como enfermeira supervisora, tive que organizar o dia. Como toda semana, havia muitas crianças na sala de espera, porque estamos sobrecarregados com casos pediátricos. Há seis leitos para crianças e já estavam cheios, por isso tivemos que nos organizar. Temos que nos adaptar todos os dias ao fluxo de crianças.

O acesso aos cuidados de saúde em Porto Príncipe é difícil e o custo dos serviços médicos é elevado. Quando os pacientes chegam ao centro de emergência de MSF em Turgeau, sabem que vão receber cuidados gratuitos e de alta qualidade. É muito trabalho, mas é também uma motivação para a equipe se manter unida para os ajudar e apoiar.

Desde maio, o Haiti tem enfrentado um aumento dos casos de glomerulonefrite aguda. Trata-se de uma doença que afeta os rins, na sequência de uma infecção de garganta ou de pele não tratada corretamente.

Quando uma criança chega com suspeita de glomerulonefrite aguda, podemos observar que há inchaço da face e dos membros. Também pode haver lesões e bolhas na pele. Quando verificamos a pressão arterial, concluímos que está elevada para crianças com idades entre 5 e 12 anos. Por vezes, elas se queixam de dores de garganta e febre frequente. Apesar de sermos um centro de estabilização e de referência, é difícil encontrar outras instalações médicas para encaminhar os pacientes. Muitas vezes, as famílias não têm meios financeiros para pagar as taxas exigidas por [outros] centros de referência locais. É por isso que nossa sala de espera está tão cheia.

O que é que mudou em Porto Príncipe nos últimos anos? O aumento da insegurança. Há também a reação da população [à insegurança], com a organização de movimentos de autodefesa.

Aqui, damos o nosso melhor para salvar vidas. Cada vida é especial, mas há pessoas que têm prazer em matar, em magoar os outros, isso é horrível. Não só eu, mas toda a equipe está empenhada em prestar cuidados a quem mais precisa. Salvamos vidas e isso nos dá muita satisfação todos os dias.

* Relato do dia 27 de junho de 2023.

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