Inundações catastróficas causam deslocamento em massa e uma crise humanitária no Sudão do Sul

Quatro anos de inundações consecutivas deixaram cerca de dois terços do país sob água.

Foto: Florence Miettaux

Uma pequena jangada improvisada feita de folhas de plástico e cheia de grama seca está à deriva ao longo do rio Nilo, com uma família de oito pessoas. Nesta pequena jangada, está tudo o que eles possuem: algumas roupas e algumas panelas para cozinhar, que estão cheias de plantas que eles colheram na água. Atrás deles, seu vilarejo está quase totalmente submerso pela inundação.

Eles tiveram que se deslocar rapidamente antes que a água ficasse muito alta para atravessar. Para chegar a um local mais seguro, eles viajaram por meio de jangadas improvisadas ou canoas feitas de troncos de árvores
Enquanto muitos países da África Oriental sofrem a pior seca em quatro décadas, o Sudão do Sul passa pelo extremo oposto, com intensas enchentes que afetaram mais de um milhão de pessoas no país.

Quatro anos consecutivos de inundações deixaram cerca de dois terços do país sob água. Os estados de Jonglei, Norte de Bahr El Ghazal, Alto Nilo, Unity, Warrap, Equatoria Ocidental e Lagos, no Sudão do Sul e Área Administrativa Especial de Abyei, passaram por graves enchentes nos últimos meses.

Agravando ainda mais a situação, a resposta à catástrofe das inundações está longe de ser satisfatória. Organizações humanitárias, agências da ONU e governos devem intensificar seus esforços para responder às enormes necessidades das pessoas afetadas pelas inundações.

● Leia também: Sudão do Sul: centenas de milhares ainda vivem em condições precárias meses após as inundações

● Assista: Inundações no Sudão do Sul: a história de Nyatuak

: Pessoas deslocadas internamente caminham ao longo da estrada entre os diques até o campo de Bentiu. Esses diques são tudo o que está impedindo que todo o acampamento seja inundado. Abril/2022.

Inundações sem precedentes

Inundações sazonais do rio Nilo e seus afluentes são comuns. No entanto, as inundações nos últimos anos foram sem precedentes. Os habitantes dizem que a estação chuvosa tem começado mais cedo e durando mais tempo.

Até mesmo a intensidade da chuva tem sido significativamente maior do que costumava ser. Os níveis de água têm sido tão altos e o solo está tão encharcado que as águas não recuaram totalmente nas estações secas intermediárias. Consequentemente, houve uma rápida inundação durante as chuvas, agravando a crise a cada ano desde 2019.

“As inundações deslocaram todo mundo. Todos os vilarejos foram afetados, assim como o gado. Nossa casa desmoronou durante a enchente. Foi um desastre enorme para nós”.
– Nyanyieth Bang, pessoa deslocada pelas inundações no Sudão do Sul.

Para conter a água em seus vilarejos, as comunidades se preparam para a estação chuvosa construindo diques feitos de terra. Mas nesse ano, os preparativos de contingência não foram suficientes para conter as enchentes. No Condado de Ulang, por exemplo, vilarejos foram submersos em outubro, quando diques quebraram por causa das fortes chuvas. Instalações de saúde, escolas e casas foram inundadas.

“A água chegou pela manhã. Todo mundo foi adicionar um pouco de lama no dique. Estávamos trabalhando nisso a noite toda, mas na manhã seguinte, já estava fora de nosso controle. Nós tivemos que fugir para salvar nossas vidas”, disse Nyanyieth Bang, deslocada interna que morava em Doma, Ulang.

De um dia para o outro, os vilarejos se separaram uns dos outros, com muitas comunidades abandonadas em “ilhas” e isoladas dos serviços, que passaram a ser acessíveis apenas por barco ou canoa.

Barcos de MSF no porto de Toch, no condado de Fangak. Devido à inundação, a única maneira de se locomover é por barco.

Atividades móveis para atender à população

MSF está realizando atividades móveis para garantir que a assistência médica esteja disponível para as pessoas mais vulneráveis em áreas remotas. No entanto, alcançar algumas comunidades continua a ser um enorme desafio.

“As inundações afetam nossa capacidade de fornecer assistência e alcançar as comunidades que necessitam.”
– Aline Serin, coordenadora-geral de MSF no Sudão do Sul.

“Muitas estradas por todo o país se tornaram intransitáveis por conta das inundações. Em vários locais onde MSF atua, nossos aviões não puderam pousar devido às inundações das pistas de pouso”, disse Aline Serin, coordenadora-geral de Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Sudão do Sul. “Essa falta de acesso inibe nossa capacidade de transportar suprimentos médicos e outros itens essenciais, o que coloca vidas em risco. Isso também afeta nossa capacidade de transferir pacientes que precisam de tratamento de emergência”.

Grandes faixas de água parada também se tornaram o local de reprodução perfeito para mosquitos, o que levou a uma explosão de casos de malária. Entre julho e setembro de 2022, MSF tratou mais de 81 mil pacientes com malária.

As inundações deslocaram centenas de milhares de pessoas, mataram milhões de animais e destruíram milhares de acres de plantações, agravando uma crescente crise de segurança alimentar no país. O Programa Alimentar Mundial da ONU estima que mais de 75% da população do Sudão do Sul precisa de ajuda alimentar.

Nossas equipes estão testemunhando um aumento preocupante nas taxas de desnutrição aguda moderada a grave. Entre janeiro e setembro de 2022, mais de 4.200 crianças foram tratadas por desnutrição em nossas instalações médicas no Sudão do Sul.

“Antes das inundações, costumávamos cultivar o gado, mas agora todas as vacas morreram por causa das inundações, e a terra que costumávamos cultivar não está mais lá. Agora não há comida, nós apenas comemos plantas aquáticas. Se nenhuma solução for encontrada, vamos morrer.”
– Tut Chuol, um líder comunitário no condado de Fangak, cujo vilarejo inteiro foi deslocado pelas inundações.

Necessidades humanitárias urgentes

Sem nenhum outro lugar para ir, dezenas de milhares de pessoas fugiram para acampamentos de deslocados. A falta de abrigo, água potável e instalações sanitárias nos acampamentos estão resultando em surtos de doenças infecciosas e transmitidas pela água e outros riscos à saúde. O resultado foi um desastre humanitário, para uma população que já enfrenta muitos deles.

Embora o país esteja entrando em sua estação seca, parece não haver um recuo no horizonte. Estima-se que o impacto devastador da perda de colheitas e gado resulte em taxas crescentes de desnutrição. E com a maioria da população do país sendo pastoris, há também um risco crescente de ataques para recuperar animais perdidos durante as inundações, resultando em uma eclosão de violência intercomunitária.

Apesar das necessidades humanitárias urgentes e crescentes no Sudão do Sul, os cortes no financiamento internacional estão resultando em respostas insuficientes a pessoas que têm poucos recursos após experimentar choques múltiplos e consecutivos. A resposta humanitária precisa ser urgentemente ampliada para garantir que as pessoas tenham acesso ao essencial básico, incluindo alimentação, saúde e abrigo.

Compartilhar