Iraque: Mossul conta com apenas 30% de sua capacidade médica

A região conta com menos de mil leitos para atender 1,8 milhão de pessoas

Iraque: Mossul conta com apenas 30% de sua capacidade médica

Um ano depois do término oficial da batalha entre o grupo Estado Islâmico (EI) e as forças iraquianas em Mossul, o sistema de saúde da região ainda está em ruínas e lutando para atender milhares de pessoas que continuam retornando à cidade, relata Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Durante o conflito, nove dos 13 hospitais públicos foram danificados, reduzindo a capacidade de atendimento médico e o número de leitos hospitalares em 70%. A reconstrução das unidades de saúde tem sido extremamente lenta e ainda há menos de mil leitos hospitalares para atender uma população de 1,8 milhão de pessoas, o que representa metade dos padrões mínimos reconhecidos internacionalmente para a oferta de serviços de saúde em contexto humanitário.

“O acesso a serviços de saúde é um desafio diário para milhares de crianças e adultos em Mossul”, afirma Heman Nagarathnam, coordenador-geral de MSF no Iraque. “A população da cidade está aumentando diariamente. Só em maio de 2018, quase 46 mil pessoas retornaram a Mossul. Mas o sistema de saúde pública não está se recuperando e há uma enorme lacuna entre os serviços disponíveis e as necessidades da crescente população.”

“Precisamos urgentemente de serviços de emergência e instalações para realizar cirurgias, tratar queimaduras e oferecer serviços de oncologia. Também há a necessidade de equipamentos médicos e um suprimento estável e acessível de medicamentos. Outras necessidades incluem serviços de saúde mental para pessoas que lidam com o trauma da violência e a perda de entes queridos. Também são necessárias cirurgias de acompanhamento, tratamento da dor e fisioterapia para pacientes feridos que sofrem durante meses porque não conseguem ter acesso a cuidados de saúde para se recuperar.”

Nashwan, de 42 anos, foi baleado na perna e nas costas por um atirador em março de 2017, quando comprava comida. Desde então, ele vive em agonia por causa dos ferimentos e não consegue ter acesso a cuidados de saúde adequados.

“Quando eu estava em casa, a dor começou na minha perna e no meu quadril e, eventualmente, se tornou insuportável”, disse Nashwan. “Então, em outubro de 2017, fui ao hospital geral no oeste de Mossul. Eles realizaram exames e raio-X e disseram que eu precisava passar por uma grande operação, mas eles não tinham capacidade de realizá-la.”

“A vida tem sido muito difícil. Os ferimentos afetaram negativamente minha vida, minha família e a maneira como eu interajo com meus filhos. Eu não posso brincar com eles. Eu não posso trabalhar e não temos uma renda. Eu fiquei muito deprimido.” Hoje, Nashwan recebe tratamento no centro cirúrgico e pós-operatório de MSF no leste de Mossul.

As perigosas condições de vida em Mossul – falta de higiene devido à escassez de água e eletricidade, edifícios danificados e a presença de dispositivos explosivos improvisados e armadilhas – também representam um risco para a saúde das pessoas e aumentam a necessidade de instalações de saúde adequadas.

No hospital de MSF, no oeste de Mossul, a equipe viu nos últimos 12 meses uma mudança: antes, a maioria dos atendimentos eram de ferimentos relacionados à guerra e a dispositivos explosivos; mais recentemente, são de ferimentos e complicações médicas relacionados às más condições de vida à medida que mais pessoas retornam à cidade. Por exemplo, em maio deste ano, 95% dos casos de trauma recebidos na sala de emergência estavam relacionados às inseguras condições de vida, como o desmoronamento de destroços, o desabamento de prédios e a queda de pessoas de estruturas instáveis.

“Faz um ano que o conflito terminou oficialmente em Mossul e muito mais precisa ser feito no próximo ano para melhorar o acesso a cuidados de saúde”, disse Nagarathnam. “MSF está pedindo às autoridades nacionais e à comunidade internacional que reconstruam com urgência a infraestrutura de saúde pública, forneçam aos pacientes acesso a medicamentos acessíveis e garantam que as instalações médicas recebam equipamentos necessários.”

Antes do conflito, Mossul tinha 3.500 leitos hospitalares. Após o conflito, o número de leitos foi reduzido a menos de mil e este número não aumentou significativamente no ano passado. O número de leitos é usado como indicador-chave para a prestação de serviços de saúde. Assim, a capacidade de saúde de Mossul ainda está reduzida em 70%, um ano após o término do conflito.

Com base nos números da Organização Internacional para as Migrações (OIM) e das autoridades locais, MSF estima que a população de Mossul seja de 1,8 milhão de pessoas. Em 31 de maio de 2018, a OIM afirmou que 846.072 pessoas retornaram a Mossul. No mês de maio, 45.618 retornaram à região*.

Os Padrões de Esfera** – padrões mínimos reconhecidos internacionalmente durante respostas humanitárias – indicam que deve haver mais de 10 leitos hospitalares para cada 10 mil pessoas. Contudo, em Mossul, há cerca de mil leitos hospitalares para 1,8 milhão de pessoas, o que equivale a cinco leitos para 10 mil pessoas.

Em maio de 2018, MSF atendeu 3.557 casos na sala de emergência em seu hospital no leste de Mossul. Desses, 790 eram casos de trauma e 95% dos traumas foram causados por condições de vida inseguras, como pessoas caindo de prédios danificados ou paredes e prédios caindo sobre elas

MSF está presente no Iraque desde 1991 e trabalha nas províncias de Anbar, Bagdá, Diyala, Erbil, Kirkuk e Ninewa. MSF administra atualmente um hospital especializado em serviços de maternidade, pediatria e emergências no oeste de Mossul, além de um centro cirúrgico e de cuidados pós-operatórios para pacientes feridos de guerra no leste da região. Em julho, MSF começará a oferecer cuidados de saúde mental em clínicas de saúde primária no leste e no oeste da região.

MSF oferece assistência médica neutra e imparcial, independentemente de raça, religião, gênero ou filiação política. A fim de garantir nossa independência, não aceitamos financiamento de nenhum governo ou agência internacional para nosso trabalho no Iraque, contando apenas com doações privadas de pessoas ao redor do mundo para realizar nosso trabalho.

* http://iraqdtm.iom.int/ReturneeML.aspx (Acessado em 24 de junho de 2018)
** http://www.spherehandbook.org/en/health-systems-standard-1-health-service-delivery/

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