Iraque: serviços de saúde materna continuam insuficientes em Mossul

O conflito reduziu drasticamente a qualidade e a disponibilidade dos cuidados de saúde materna e infantil, com muitas instalações danificadas ou destruídas na cidade.

Foto: Elisa Fourt/MSF

É uma manhã chuvosa no bairro de Al-Nahwaran, em Mossul, segunda maior cidade do Iraque, e um grupo de mulheres está fazendo fila em frente a uma pequena instalação médica. O tempo tempestuoso não as impediu de chegar.

Mariam, uma jovem de Mossul, está parada em frente à ambulância da maternidade, esperando pacientemente sua vez de entrar no prédio. A jovem, de 20 anos, está grávida de três meses, esperando seu terceiro filho. Ela veio para o primeiro check-up pré-natal. “Eu vim aqui porque meus parentes me contaram sobre essa maternidade”, disse ela. “Minha cunhada já veio aqui antes e recomendou”. As notícias correm rápido em Mossul e além, e cada vez mais mulheres vão à instalação para serviços de maternidade nos últimos meses.

Foto: Elisa Fourt/MSF – Mariam mora em Mossul e vai à maternidade Al-Amal de MSF para fazer uma consulta de pré-natal. Ela está grávida do terceiro filho. Mossul, Iraque, janeiro de 2022.

 

Localizado na margem oeste do rio Tigre, o centro de maternidade Al-Amal de MSF oferece cuidados obstétricos de rotina, cuidados com recém-nascidos, serviços de promoção da saúde, planejamento familiar e apoio à saúde mental. “Abrimos esta maternidade porque havia necessidades significativas na cidade quando se tratava de acesso a cuidados de saúde em geral, e ainda mais no campo da saúde sexual e reprodutiva”, diz Yousif Loay Khudur, assistente do coordenador de projetos de MSF. “Três anos depois, muitas mulheres ainda precisam vir aqui porque o sistema de saúde da cidade está longe de funcionar”.

 

A guerra acabou, mas a recuperação leva anos

Em junho de 2014, Mossul ficou sob o controle do grupo Estado Islâmico. Em outubro de 2016, uma ofensiva militar liderada por uma aliança das forças de segurança iraquianas e uma coalizão internacional foi lançada para retomar a cidade. A batalha de Mossul durou mais de 250 dias e foi descrita como um dos conflitos urbanos mais mortais desde a Segunda Guerra Mundial.

Em julho de 2017, Mossul foi oficialmente declarada retomada pelas autoridades iraquianas. Mas cinco anos depois, muitas instalações médicas danificadas nos conflitos ainda não foram totalmente restauradas e preparadas para uso e ainda há escassez de suprimentos médicos. Como resultado, milhares de famílias dentro e ao redor de Mossul ainda lutam para ter acesso a cuidados de saúde de qualidade a preços acessíveis. Entre os mais vulneráveis, estão as gestantes e seus bebês.

“Antes de 2014, o sistema de saúde de Mossul na cidade não era perfeito, mas era funcional”, diz Yousif. “As mulheres costumavam fazer partos em casa ou em um dos hospitais da cidade. Mas durante as operações militares de 2016 a 2017, muitas instalações médicas foram danificadas ou destruídas e seus equipamentos foram roubados. A reabilitação de instalações médicas na cidade demorou muito tempo para começar e, mesmo que tenha passado quase cinco anos desde o fim da batalha de Mossul, ainda sentimos muito os efeitos disso hoje”.

“A maioria dos hospitais e unidades de saúde ainda está sendo reconstruída ou reformada. Mas olhe para essas mulheres que esperam bebês, elas simplesmente não podem esperar que essas reformas sejam concluídas”, conta Yousif.

Em resposta ao alto nível de necessidades não atendidas após os conflitos em Mossul, MSF abriu uma unidade de maternidade especializada no hospital Nablus, no oeste da cidade, em 2017, para fornecer cuidados maternos e neonatais seguros, de alta qualidade e gratuitos para mulheres e seus bebês. Em julho de 2019, uma segunda equipe de MSF abriu a unidade de maternidade Al-Amal dentro do centro de saúde primária Al-Rafadain, também no oeste de Mossul. No ano passado, as equipes de MSF nessas duas instalações ajudaram no nascimento de quase 15 mil bebês.

Foto: Elisa Fourt/MSF – O bebê Layth nasceu na manhã de 12 de janeiro; ele é o primeiro filho de Rafida. Apesar de complicações iniciais, tanto Layth quanto Rafida estão saudáveis. Mossul, Iraque, janeiro de 2022.

 

Apoio à saúde física e mental das mulheres

Rafida, de 15 anos, deu à luz recentemente seu primeiro filho na maternidade Al-Amal após ouvir, de vizinhos e familiares, sobre a instalação. Segurando seu filho Layth nos braços, ela diz que está grata pelos cuidados que recebeu.

Pelo menos 35 obstetrizes e supervisores de obstetrizes trabalham na instalação dia e noite, sete dias por semana, para ajudar as mulheres no parto de seus bebês. “Em média, atendemos entre 10 e 15 partos em um dia normal, mas pode ir até 20 e 25 partos em um dia movimentado”, diz Rahma Adla Abdallah, supervisora de obstetrizes. “Mas, infelizmente, ainda não podemos cobrir todas as necessidades. Ajudamos a maioria das mulheres, mas precisamos ter critérios de admissão para manter o melhor nível possível de atendimento dentro dos limites de nossos próprios recursos”.

Junto com seus colegas, Rahma tenta ajudar o máximo possível de mulheres. As obstetrizes não só prestam assistência aos partos, mas também oferecem cuidados pré-natais e pós-natais e serviços de planejamento familiar, que atraem muitas mulheres de toda a cidade.

Outro serviço fundamental é a assistência em saúde mental. “As mulheres nesta comunidade não precisam apenas de acesso a cuidados de saúde físicos, elas também precisam de total apoio à saúde mental”, diz Rahma. “A violência baseada no gênero é uma questão que testemunhamos às vezes, por exemplo. Algumas de nossas pacientes viveram isso, mas raramente falam sobre”. A Diretoria de Saúde do Iraque também criou serviços de saúde na cidade dedicados a prestar assistência para sobreviventes de violência de gênero. “Mas ainda há um longo caminho a percorrer antes que o acesso adequado aos cuidados de saúde física e mental possa ser garantido em Mossul”, diz Rahma.

 

Cuidados de saúde materna acessíveis a todas

O estigma em torno de questões como a violência de gênero é apenas uma das muitas barreiras à saúde em Mossul, mas a falta de acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva na cidade tem várias causas. “O ambiente é particularmente complicado aqui”, diz Bashaer Aziz, outra supervisora de obstetrizes que trabalha na maternidade Al-Amal.

Um número significativo de mulheres não tem acesso aos cuidados de saúde, seja porque não têm meios para pagá-los, seja porque enfrentam outros desafios, como não ter documentos administrativos oficiais devido ao recente conflito ou por terem sido deslocadas de suas casas. Assim, quando as pacientes chegam às nossas instalações, elas geralmente ficam muito gratas por receberem bons cuidados médicos e obstétricos. Elas não têm outros lugares para ir; não podem pagar por serviços em hospitais ou clínicas privadas. Nossa maternidade faz uma grande diferença para elas”.

Encontrar um lugar para dar à luz com segurança é apenas um dos muitos desafios enfrentados pelas gestantes de Mossul, incluindo, às vezes, como alimentar adequadamente seus filhos e elas mesmas. “Às vezes, as mulheres chegam aqui e não comeram nada”, diz Rahma. “Às vezes, é impossível dizer em qual semana de gestação elas estão. Às vezes, elas vêm com seus filhos, que são muito magros ou abaixo do peso. Portanto, nosso trabalho aqui é oferecer uma alternativa para elas e tentar ajudar o máximo possível com os serviços que podemos fornecer”. Tanto Rahma quanto Bashaer relatam que a unidade de maternidade de MSF desempenha um papel positivo no bairro.

Foto: Elisa Fourt/MSF – A maternidade Al-Amal de MSF está localizada no Centro de Atenção Primária à Saúde Al Rafadain, em Al Nahrawan, um bairro pobre localizado no oeste de Mossul. Iraque, janeiro de 2022.

 

Mahaya, de 50 anos, que acompanhou a nora até a unidade para dar à luz, sente o mesmo. Elas vieram de Tel Afar, a mais de uma hora de distância. “Antes da existência desta maternidade, não havia nada disponível e costumávamos fazer partos em casa”, afirma ela. “Uma obstetriz viria, faria o parto do bebê, e seria isso. Não havia nem um hospital onde pudéssemos ir. Esta maternidade é uma grande melhoria em nossas vidas”.

No final de seu turno, Rahma gosta de passar um tempo na ala pós-natal da maternidade. Ela toma em seus braços um dos bebês nascidos naquele dia, uma garotinha chamada Rivan. Embora ela tenha apenas algumas horas de vida, seus olhos já estão bem abertos. A bebê olha para a mãe, Bouchra, de 19 anos, que está se recuperando em uma cama ao lado dela. “O parto foi difícil, mas tudo correu bem, e as obstetrizes ajudaram muito”, diz ela. “Rivan é minha primeira filha e me sinto feliz em tê-la. Espero que o futuro se torne cada vez mais brilhante. Espero trazer outras crianças ao mundo também. E se eu tiver outros filhos no futuro, voltarei para cá”, diz Bouchra, com um sorriso.

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