Kiribati: MSF inicia projeto em península ameaçada pelo avanço do nível do mar

O arquipélago do Pacífico, um dos lugares mais vulneráveis às mudanças climáticas no mundo, já está mostrando alguns dos impactos mais tangíveis.

Foto: Manja Leban/MSF

Kiribati, um vasto arquipélago no centro-oeste do Pacífico, está apresentando algumas das consequências mais dramáticas da mudança climática, com um forte impacto também sobre a saúde das pessoas. Médicos Sem Fronteiras (MSF) lançou oficialmente uma intervenção médica para responder às necessidades de saúde da população, com um foco principal na saúde materno-infantil.

O país é o único do mundo a tocar todos os quatro hemisférios. Os 32 atóis (e uma ilha de coral) ficam entre a Austrália e o Havaí e cobrem coletivamente apenas 811 quilômetros quadrados de terra em uma vasta área oceânica de 3,5 milhões de quilômetros quadrados. A algumas ilhas orientais, leva-se uma semana para chegar de barco da ilha principal e, se não fosse por um ajuste na linha internacional de datas*, estariam 24 horas atrasadas.

É fascinante, bonito e perturbador. Metade da população total de Kiribati, estimada em 120 mil, vive na capital Tarawa do Sul. A ilha principal, composta por estreitas faixas de terra em forma de bumerangue, mal pode acomodar toda a sua população.

Resultado de uma alta taxa de natalidade, de 26 nascimentos por mil pessoas, e da urbanização no sul de Tarawa devido à migração das ilhas externas, a superlotação agrava os problemas de saúde e sociais e também as questões ambientais.

“Kiribati tem uma das maiores incidências de doenças do mundo, incluindo a maior incidência de hanseníase, uma das mais altas de tuberculose (TB) e diabetes; e uma das taxas mais baixas de acesso a cuidados de saúde primários. Há necessidades evidentes aqui que não estão sendo atendidas”.
– Alison Jones, coordenadora médica de MSF para Kiribati.

Foto: Joanne Lillie/MSF

Um dos locais mais vulneráveis ao clima no mundo

A frágil situação do povo de Kiribati está ameaçado pelas mudanças climáticas. A grande maioria das famílias relatou impactos climáticos já em 2016, com 81% diretamente afetados pelo aumento do nível do mar.

A pequena faixa de terra de Kiribati é particularmente vulnerável ao avanço do mar, tendo em vista que o ponto mais alto de Tarawa está apenas a três metros acima do nível do mar. Evidências de diminuição da terra devido à erosão estão por toda parte. Em alguns lugares, as árvores desenraizadas ficam onde os locais de piquenique e as praias já estiveram. As casas são abandonadas conforme a água se aproxima, e os sacos de areia se alinham nas bordas da costa como forma de proteção. Na maré alta, ondas atingem a estrada principal e inundam casas.

Junto à erosão, a salinização das fontes de água subterrâneas e do solo, as temperaturas do ar mais quentes, as marés excepcionalmente altas são mais frequentes e as secas estão aumentando.

Outro problema com a diminuição da terra é a ameaça à agricultura. A maioria da população é agricultora de subsistência, especialmente nas ilhas externas, mas isso tem diminuído nos últimos anos.

A pesca também foi afetada. Com o impacto da superpopulação e do clima na pesca nos recifes, a pesca costeira logo será incapaz de atender às necessidades alimentares. Estima-se que Kiribati precise de 50% mais de alimentos até 2030 para sustentar a crescente demanda doméstica.

A insegurança alimentar não se deve apenas ao clima extremo; os estilos de vida estão mudando. Muitos jovens já não produzem e preparam alimentos de maneiras tradicionais, mas preferem a conveniência dos alimentos importados. Os produtos frescos não são muito acessíveis. Uma abóbora pode custar 20 dólares (aproximadamente 106 reais) e uma melancia 32 dólares (cerca de 70 reais) – bem fora do alcance da maioria das pessoas, considerando que os salários mínimos são de cerca de 1 dólar (um pouco mais de 5 reais) por hora. Não é surpreendente, então, que quase todas as pessoas não consigam as porções diárias recomendadas de frutas e legumes.

Um abandono das dietas tradicionais de peixe, babai (taro do pântano), fruta-pão e cocos (com carne de porco para comemorações especiais/festa) traz consequências para a saúde da população. A maioria das pessoas agora come arroz branco como um alimento básico, com a adição de bebidas açucaradas importadas, bem como alimentos enlatados e processados.

Estima-se que 38% dos homens e 54% das mulheres sofrem de obesidade, enquanto entre as crianças com menos de cinco anos, 25% estão abaixo do peso recomendado. Dos fatores de risco para doenças crônicas, 70% dos adultos entre 18 e 69 anos apresentam três ou mais.

Foto: Joanne Lillie/MSF

A crise climática é uma crise humanitária e de saúde

A saúde humana depende da saúde e da sustentabilidade do meio ambiente. Em nenhum lugar isso é mais evidente do que dentro dos limites de uma ilha.

“Aqui você vê o encontro da saúde do planeta e de doenças não transmissíveis de modo que não é visto em nenhum outro lugar”.
– Dr. Lachlan McIver, conselheiro de saúde planetária e doenças tropicais de MSF.

Setenta e cinco por cento das mortes na região do Pacífico são devidas a doenças crônicas, e elas são agora reconhecidas como a principal causa de problemas de saúde em Kiribati. As taxas de diabetes em Kiribati são altas e crescentes: entre as mulheres de 45 a 69 anos, mais de 44% têm diabetes. Além de uma dieta de baixa qualidade, a hipertensão, a falta de exercício e o tabagismo contribuem para esses altos índices de doenças.

“O diabetes em mulheres grávidas é especialmente preocupante, pois a condição pode ser de alto risco para mães e bebês, que precisam de acesso a cuidados especializados para o seu tratamento durante a gestação, parto e após o nascimento”, explica a referente médica do projeto de MSF em Kiribati, a obstetriz Sandra Sedlmaier-Ouattara.

O trabalho de MSF em Kiribati visa inicialmente melhorar a detecção e o gerenciamento do diabetes e da hipertensão relacionada à saúde materna nas Ilhas Gilbert ao sul, com sede em Tabiteuea North.
Atualmente, as mulheres grávidas de alto risco nas ilhas externas têm acesso limitado a cuidados secundários e devem deixar suas famílias para serem encaminhadas para a capital Tarawa, para atendimento especializado até o parto e depois, se necessário.

“Nossas atividades nas unidades básicas de saúde incluem melhorar o atendimento pré-natal em geral, com foco adicional na detecção precoce de diabetes e hipertensão. Também apoiamos o parto, pós-parto e cuidados neonatais no Hospital do Sul de Kiribati. Para ter um impacto a longo prazo e para a sustentabilidade, nossas atividades estão focadas em treinar e orientar nossos profissionais de obstetrícia, enfermagem e médicos”, acrescenta Sandra.

Outras atividades visam melhorar os cuidados neonatais por meio da formação de obstetrizes, enfermeiros e médicos, bem como o gerenciamento de casos, em Tabiteuea Norte e Tarawa.

MSF também apoiará melhorias na infraestrutura hospitalar do Hospital Tabiteuea Norte, como fornecimento de energia renovável, água potável e gerenciamento de resíduos para apoiar encaminhamentos e capacidade cirúrgica.

Foto: Manja Leban/MSF

 

* Linha imaginária localizada nos extremos leste e oeste do planeta a qual marca a mudança da data.

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