Kiribati, o remoto arquipélago que enfrenta uma tripla ameaça à saúde

Veja quatro dos principais desafios à saúde em um dos países mais vulneráveis à crise climática.

Nicolette Jackson/MSF

Kiribati é um dos países mais remotos e geograficamente isolados do mundo. É também um dos mais vulneráveis aos impactos da crise climática. O país enfrenta uma ameaça tripla à saúde: doenças transmissíveis, doenças não transmissíveis e os impactos das mudanças climáticas na saúde[1].

As mudanças climáticas e ambientais estão exacerbando a alta carga de doenças em Kiribati. O país passa por aumentos da temperatura do ar e do mar, tempestades e ventos fortes, erosão, seca e inundações. Isso representa ameaças diretas e indiretas à saúde humana, incluindo lesões, surtos de doenças e casos de desnutrição.

Em junho de 2022, o governo declarou estado de emergência por causa da seca prolongada em Kiribati. O lençol freático do país (que os moradores locais chamam de “lente da água”) está situado em uma posição que o torna propenso à salinização. A lente da água é reabastecida pela chuva, mas quando a chuva não vem, o acesso das pessoas à água potável é limitado.

“A água nos poços está se tornando mais salobra [salgada], por isso não é mais adequada para beber”, explica Jo Clarke, pediatra de Médicos Sem Fronteiras (MSF). “A falta de água doce torna o saneamento na comunidade mais difícil, aumenta o risco de diarreia e infecções de pele e dificulta o cultivo de alimentos”.

 

Vista do oceano durante a maré baixa. Foto: Nicolette Jackson/MSF

 

Reunimos uma lista com quatro dos principais desafios à saúde das pessoas em Kiribati. Confira:

1-Segurança alimentar e hídrica são problemas crônicos

As pessoas de Kiribati têm altas taxas de obesidade, mas, inversamente, a equipe de MSF tem atendido cada vez mais crianças pequenas com desnutrição.

“O que é impressionante em comparação a outros países onde trabalhei, onde houve desnutrição, é que muitos adultos aqui estão acima do peso”.

– Jo Clarke, pediatra de MSF em Kiribati.

“Esse é o outro lado da má nutrição: um grande número de pessoas com doenças não transmissíveis relacionadas à dieta, como diabetes tipo dois. É difícil cultivar frutas e vegetais aqui e acessar alimentos saudáveis e nutritivos não é fácil. A maioria dos alimentos é importada e é rica em gordura e açúcar”, completa.

O peixe é um alimento básico para as pessoas em Kiribati, mas o preço está se tornando elevado. Foto: Nicolette Jackson/MSF

 

2– Alta carga de doenças

A carga de doenças em Kiribati é elevada. A prevalência de doenças transmissíveis, como tuberculose e hanseníase, é uma das mais altas do Pacífico[2]. O país também enfrenta uma crise de doenças não transmissíveis, com a segunda taxa mais alta de mortes prematuras por diabetes tipo dois[3] entre os países de baixa e média renda. A taxa de mortalidade infantil também é considerada como uma das mais altas da região[4].

“A carga de doenças é imensa para um país tão pequeno”.

– Tinte Itinteang, ministro da Saúde e de Serviços Médicos de Kiribati.

“A mortalidade materna é uma das piores da região; a mortalidade infantil é cerca de dez vezes maior que as da Austrália e da Nova Zelândia e uma das piores da região. Essas coisas não aconteceram da noite para o dia e algumas delas pioraram nos últimos dez anos.”

3 – O desafio do tamanho

Kiribati tem uma população de somente 120 mil pessoas. Metade delas vive em apenas uma ilha, Tarawa do Sul, que também é onde a capital, Tarawa, está localizada. O restante das pessoas vive nas ilhas exteriores – são 33 no total.

O tamanho de Kiribati e sua localização remota afetam a capacidade do governo de fornecer cuidados de saúde abrangentes. Um dos maiores obstáculos é a falta de profissionais médicos qualificados.  

Nos últimos 12 meses, Kiribati perdeu 30 de seus enfermeiros mais experientes para esquemas de mobilidade laboral na Austrália e na Nova Zelândia. Muitos médicos migram para outros países em busca de oportunidades profissionais, diz o diretor-geral de Saúde do país, dr. Revite Kirition. “Tivemos médicos que nunca voltaram de sua formação médica. Eles terminaram a pós-graduação e decidiram deixar Kiribati.”

 

MSF atua em Kiribati desde outubro de 2022, em parceria com o Ministério da Saúde e Serviços Médicos, para melhorar os cuidados maternos e pediátricos.

A equipe de MSF no país inclui pediatra, obstetra, parteira e enfermeira pediátrica, que trabalham com o Ministério da Saúde para fornecer cuidados médicos no principal hospital do país e ajudar a capacitar a equipe de saúde local. Uma equipe de MSF também trabalhou nas ilhas externas, treinando enfermeiras em cuidados neonatais e triagem para mulheres com gestações de alto risco devido a taxas muito altas de diabetes gestacional.

Treinamento profissional para suporte médico a mulheres grávidas e seus bebês. Foto: Nicolette Jackson/MSF

 

4- Isolamento do arquipélago afeta acesso a suprimentos médicos essenciais

A pediatra Jo Clarke tem testemunhado a dificuldade do Ministério da Saúde e Serviços Médicos de Kiribati em garantir medicamentos e suprimentos médicos essenciais.

“Tem havido batalhas pelo fornecimento de medicamentos e equipamentos. Estamos em uma localização bastante remota, por isso leva muito tempo para algo chegar até aqui de barco ou de avião. Recentemente, enfrentamos um problema com a falta de alimentos terapêuticos para crianças com desnutrição quando precisamos deles”, conta ela.

Moannara Benete, responsável pela distribuição central de medicamentos no país, explica que é muito desafiador para Kiribati acessar medicamentos essenciais à vida em um tempo adequado e a preço justo. “Quando o leite terapêutico F75 e F100 que usamos para bebês com desnutrição finalmente chegou a Kiribati, ele já havia vencido, porque levou oito meses para chegar aqui da Europa”, exemplifica Benete. “Eu não acho que temos poder de aquisição ou poder de negociação. Devemos trabalhar com nossos vizinhos do Pacífico para que possamos garantir os suprimentos médicos essenciais de que precisamos como região. É uma situação crítica que enfrentamos e precisamos de assistência urgente.”

Travessia entre o norte e o sul de Tarawa é feita de barco. Foto: Nicolette Jackson/MSF

 

[1]Fonte: Organização Mundial de Saúde (OMS). Leia em inglês: https://www.who.int/westernpacific/about/how-we-work/pacific-support/news/detail/21-10-2012-innovative-strategy-addresses-triple-threat-to-the-health-of-pacific-people

[²]Fonte: The Pearls study. Leia em inglês: https://www.thepearlstudy.org/tb-leprosy-in-kiribati

[³]Fonte: Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola. Leia em inglês: https://www.ifad.org/nl/web/latest/-/story/looking-inward-i-kiribati-fight-a-double-health-crisis

[4]Fonte: Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Leia em inglês: https://data.unicef.org/country/kir/

 

 

 

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