Laboratório brasileiro deixa milhares sem tratamento contra doença de Chagas

Fabricação de Benzonidazol é interrompida e afeta trabalho de Médicos Sem Fronteiras; organização parou de diagnosticar pacientes no Paraguai e suspendeu novos projetos na Bolívia

Milhares de pessoas com doença de Chagas ficarão sem tratamento nos próximos meses devido à falta de Benzonidazol, o medicamento de primeira linha utilizado no combate à doença na maioria dos países onde a enfermidade é endêmica. Isso porque o Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe), único fabricante do Benzonidazol no mundo, suspendeu a produção por falta do princípio ativo do medicamento. A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) pede ao Ministério da Saúde brasileiro que respeite o compromisso com os pacientes com a doença de Chagas e tome medidas imediatas para disponibilizar o medicamento.

A responsabilidade pela produção do princípio ativo (API) deste medicamento foi recentemente transferida para uma única empresa privada, a Nortec Química. No momento, não há API suficiente para a produção dos comprimidos necessários, e a Nortec ainda precisa validar a sua produção. “O LAFEPE quebrou sua promessa de publicar – e respeitar – um calendário oficial de produção, para garantir a disponibilidade do medicamento”, afirma Carolina Batista, coordenadora da unidade médica de Médicos Sem Fronteiras-Brasil.

Por conta da falta de abastecimento do Benzonidazol, diversos programas de tratamento contra Chagas na América Latina já estão com dificuldades de atender a demanda por novos tratamentos, e ficarão sem estoque do medicamento nos próximos meses. O Ministério da Saúde não tem fornecido nenhuma informação sobre o que está acontecendo e a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) não estabeleceram um plano de contingência para manter o estoque de medicamentos para casos agudos de Chagas. A disponibilidade futura do medicamento ainda não é conhecida. Segundo estimativas, é muito improvável que o Benzonidazol esteja disponível já no primeiro semestre de 2012.

“Esta situação é inaceitável. Em Boquerón, a região com maior incidência da doença de Chagas no Paraguai, fomos obrigados a parar de diagnosticar os pacientes, simplesmente porque não temos medicamentos para tratá-los”, explicou o Dr. Henry Rodriguez, coordenador de projeto de MSF na Bolívia e no Paraguai. “Durante décadas, Chagas foi uma doença completamente negligenciada, e justo agora que o diagnóstico e o tratamento estão sendo vistos como prioridades em alguns países, estamos sem medicamentos. Não podemos permitir que isso continue; pelo bem de nossos pacientes, precisamos encontrar uma solução urgente para esse problema.”

Recentemente, a demanda pelo tratamento aumentou de forma significativa, uma vez que o tratamento antes oferecido somente para crianças, passou a ser indicado para adultos também. Além disso, a OMS e a OPAS apoiaram fortemente a oferta de diagnóstico e tratamento da doença como parte do atendimento dos serviços primários de saúde. No entanto, todo o progresso obtido até o momento está sendo prejudicado pela escassez de Benzonidazol. “Apesar de sabermos que o tratamento atual é mais eficiente, e que o paciente está menos sujeito a complicações se recebê-lo o quanto antes, nós seremos forçados a retardar a oferta de cuidados”, disse o Dr. Unni Karunakara, presidente internacional de MSF.

Em função deste grave problema, MSF está pedindo ao governo brasileiro que se comprometa a acelerar o atual processo de produção do Benzonidazol com o novo princípio ativo, simplificando a validação pela Anvisa.

Além disso, considerando que a produção, a distribuição e a entrada do medicamento no mercado levariam, pelo menos, alguns meses, o Brasil deve liderar a elaboração de um plano regional de contingência – com o apoio da OPAS –, para o uso racionalizado dos estoques disponíveis de Benzonidazol entre os grupos mais vulneráveis de países, como Bolívia e Paraguai, onde a doença de Chagas é endêmica.

MSF também pede aos Ministérios da Saúde destes países que exijam que esse plano seja posto em prática o mais rápido possível, e que seja encontrada uma solução definitiva para o problema, no longo prazo.

“O governo brasileiro tem sido pioneiro na produção de medicamentos genéricos, provando o seu compromisso com as pessoas que precisam de acesso ao tratamento. As autoridades agora têm que agir rapidamente para manter seu compromisso com os pacientes com a doença de Chagas em todo o mundo”, concluiu o Dr. Karunakara.

                        
Sobre a doença de Chagas

A doença de Chagas, também conhecida como tripanossomíase americana, é uma doença infecciosa causada pelo parasita Trypanosoma cruzi. Na América Latina, onde é endêmica em vários países, causa a morte de pelo menos 12.500 pessoas por ano.  Estima-se que de 8 a 10 milhões de pessoas tenham a doença. O número de casos está aumentando nos Estados Unidos, na Europa, na Austrália e no Japão, como resultado de movimentos migratórios de países endêmicos para não-endêmicos.

Na maioria dos países latino-americanos, a doença é transmitida principalmente pelo inseto conhecido como “barbeiro”. A transmissão também pode acontecer de mãe para filho, por meio de transfusões sangüíneas, transplantes de órgãos, alimentos contaminados e acidentes de laboratório. Como a infecção é normalmente assintomática, a maioria dos pacientes não tem consciência da sua condição. No entanto, conforme a doença progride, cerca de 30% das pessoas desenvolvem lesões cardíacas e 10%, lesões gastrointestinais, que podem ser fatais.

Até muito recentemente, acreditava-se que o tratamento só era eficaz no estágio agudo da doença (até três meses após a infecção) e no início da fase crônica da doença. No entanto, novos estudos mostraram que o tratamento também pode ser eficaz na fase crônica.

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