Lampejo de esperança: a vida de solicitantes de asilo retidos na Grécia

Refugiados e migrantes continuam presos nas ilhas gregas, impedidos de sonhar com uma nova vida

Lampejo de esperança: a vida de solicitantes de asilo retidos na Grécia

Pela primeira vez desde a entrada em vigor do acordo sobre refugiados entre a União Europeia e a Turquia, em março de 2016, pessoas foram autorizadas a deixar as ilhas gregas para ir para o continente europeu. Entre novembro de 2017 e fevereiro de 2018, foram registradas 8.380 chegadas e 9.768 saídas. Mesmo sendo apenas um pequeno progresso, certamente ele não será duradouro.

Com a primavera, mais refugiados devem chegar às ilhas. Os recém-chegados se juntarão a centenas de pessoas presas no limbo de Samos e outras ilhas gregas. Enquanto isso, aqueles que chegaram ao continente não podem continuar suas jornadas.

Nos últimos 16 meses, Guhdar foi semanalmente ao escritório de imigração na ilha grega de Samos para descobrir se ele e sua família tinham finalmente obtido residência em algum lugar da Europa.

"Toda vez que eu vou para perguntar sobre a nossa situação, procurando por um pouco de esperança em meio a toda essa miséria, volto balançando a cabeça com tristeza, só com péssimas notícias para dar”, diz o curdo-iraquiano que é pai de quatro meninos e duas meninas.

A semana passada foi especialmente dura para a família. Eles se sentem exaustos de viver em condições de detenção no centro de referência para solicitantes de asilo retidos em Samos. As crianças anseiam por uma saída dessa situação.
“Voltei para o contêiner em que vivemos para contar as más notícias. Eles estavam me esperando na cama amontoados e seus olhos brilhavam, cheios de ansiedade. Eu disse a eles que nosso pedido de asilo na Grécia foi rejeitado pela segunda vez. Todos caíram em pranto”, disse ele.

Guhdar está muito preocupado com o filho mais velho, que no ano passado tentou cometer suicídio. Quando ele ouviu a notícia, ele disse ao pai: "estaríamos melhor mortos."

Guhdar, sua esposa de 46 anos, Jihan, e seus seis filhos chegaram à Grécia no final de 2016, enganados por um contrabandista que disse a eles que estavam indo da Turquia para a Itália.

Como outros 10 mil solicitantes de asilo, eles estão presos nas ilhas gregas. Eles chegaram ao litoral europeu com a esperança de ter uma vida segura e digna, mas a União Europeia (UE) reagiu fechando as fronteiras.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), em janeiro de 2018, havia cerca de 1.700 solicitantes de asilo em Samos. Deles, mais de 66% vinham da Síria, Iraque e Afeganistão, quase metade são mulheres e crianças, e cerca de 33% têm necessidades especiais.

Crianças brincam de "polícia e refugiado"

Sem o direito de permanecer na Grécia, Guhdar e sua família agora enfrentam a ameaça de detenção e até de deportação para a Turquia – onde eles, por serem curdos, não se sentiriam seguros.

Perguntado como ele se sentiria se tivesse que voltar ao Iraque, Guhdar responde: "seria nosso pior pesadelo."

Ele e sua família saíram do Iraque depois que seu irmão fugiu com uma mulher de outra tribo, que não aprovava seu casamento. Guhdar enfrentou a fúria da tribo inimiga, que lhe ordenou o pagamento de 10 mil dólares (cerca de 32 mil reais) ou a entrega de suas duas filhas pequenas em troca. Caso contrário, eles o matariam.

Apesar da ameaça à sua vida, Guhdar não foi deferido como refugiado.

Por enquanto, ele e sua família não têm outra escolha a não ser permanecer no centro de referência de Samos – um dos muitos centros criados após o auge da crise de migração em 2015 para abrigar e triar os recém-chegados. Embora os centros tenham sido planejados para serem temporários, eles acabaram se transformando em campos improvisados e lotados, abrigando milhares de solicitantes de asilo em condições apertadas e úmidas.

Guhdar está com o coração partido por ver seus filhos terem sua educação negada, sem aproveitar seu tempo, brincando com lixo e bicicletas quebradas. Eles brincam de esconde-esconde, mas em vez de polícia e ladrão, seus personagens são polícia e refugiado.

Os solicitantes de asilo que vivem nos centros de referência estão autorizados a entrar e sair quando quiserem. Mas realmente não há para onde ir, particularmente para pessoas como Guhdar, cuja solicitação de asilo foi negada e, portanto, permanecem retidos. Com a economia de Samos em ruínas pela crise migratória, poucos lojistas estão dispostos a atender os solicitantes, que muitos culpam pela falta de turistas.

O local é ocupado por oficiais uniformizados que se comunicam de forma insensível e de maneira repetitiva. A área é cercada por altos muros de arame farpado que os migrantes usam como varais improvisados para pendurar suas roupas. Eles são mantidos sob vigilância através de câmeras instaladas.

Na hora das refeições, uma sirene soa alto por todo o local, seguida de um anúncio por alto-falantes. Os refugiados correm para formar uma fila, empurrando uns aos outros, enquanto os policiais acabam com qualquer briga que possa ocorrer.

Abo Arab, um jovem de 28 anos de Damasco que sobreviveu a detenção e tortura nas notórias prisões da Síria, mas que acabou preso em Samos, culpa as condições do local pela ocorrência de surtos ocasionais de violência. "Se você colocar um grupo de santos em um campo como este por muito tempo, eles acabarão brigando e matando uns aos outros", diz ele.

Aliki Meirmaridou, psicóloga de MSF em Samos, concorda. “As pessoas vêm para esta ilha fugindo de guerras e violência e cada um tem seus próprios problemas de saúde mental. Mas eles desenvolvem novos problemas apenas por estarem no campo", ela afirma.

Participar ou intervir em uma briga é uma das razões mais comuns para ser enviado à delegacia de polícia local – onde pessoas que serão expulsas para a Turquia ficam retidas, muitas vezes por mais de um mês e, às vezes, por até três meses.

Lá, as pessoas são detidas em celas superlotadas, com pouco acesso a higiene, sem acesso a ar livre e praticamente nenhum acesso a serviços de saúde além das consultas que MSF vem realizando há alguns meses. Metade dos detidos que as equipes de MSF atenderam nunca recebeu assistência legal.

Um pouco de esperança, depois a escuridão

Todos os dias, as conversas no centro de referência se repetem. Quase tudo que é discutido se resume à vida na ilha e ao sonho de chegar a Atenas.

Eles acreditavam que, uma vez na capital grega, poderiam levar uma vida normal, viver em casas decentes e trabalhar bem, enquanto seus filhos estariam na escola.

Aqueles ansiosos para se reunir com parentes em países como a Alemanha ou a Suécia acreditam que é apenas uma questão de tempo antes de terem permissão para se juntar a eles.

Mas como descobriu Jamal, um professor curdo de 50 anos do Irã, a vida em Atenas também está cheia de complicações.

Perseguido no Irã e no Curdistão iraquiano por seu ativismo, Jamal chegou a Samos em setembro de 2016. Ele recebeu permissão para viajar a Atenas em junho de 2017, depois de passar sete meses em uma pequena tenda, não muito longe da casa improvisada de Guhdar.

Chegar a Atenas o deu a esperança de se reunir com seus filhos na Alemanha. Mas, por serem maiores de 18 anos, a Alemanha não concedeu a permissão a Jamal para se juntar a eles, deixando-o retido na Grécia.

“Estou aqui, longe de minha esposa que está no Irã e de meus dois filhos que estão na Alemanha, me sentindo impotente. Cigarros e comida não têm gosto quando você está preso e sozinho”, disse Jamal.

"Eu sou um ser humano com emoções, paixões e sonhos. Não sou um animal", afirmou, apagando seu cigarro.

“Abram as fronteiras”

Hanaa, uma mulher de 63 anos da região de Deir Ezzor, na Síria, também diz que a vida em Atenas é sombria. Ela mora na capital grega com seu neto, Omar, um chefe de cozinha de 26 anos. Eles vieram para a Grécia fugindo da extrema violência na Síria. Hanaa perdeu sua filha – a mãe de Omar – e seu marido devido aos ataques aéreos em sua cidade. Omar também perdeu seu pai e seu irmão, que tinha apenas quatro anos de idade.

Os quatro outros filhos de Hanaa ainda estão vivos, mas ela perdeu a esperança de os ver novamente. Dois deles foram detidos no início do conflito sírio pelas forças do regime e nunca mais voltaram. Os outros dois estão vivendo na Alemanha como refugiados.

A vida diária em Atenas é difícil para ela e Omar. Ela sofre de doença cardíaca, diabetes e pressão alta.

"Estou tentando cuidar da minha avó e começar uma vida nova para nós", diz Omar. “Eu vim para Atenas pensando que poderia trabalhar e sustentar a mim e a minha avó. Eu não queria depender de ONGs, mas ainda não consegui encontrar emprego.”

A Grécia assumiu uma carga desproporcional na crise dos refugiados – a pior desde a Segunda Guerra Mundial. Com o desemprego em alta e o país tentando voltar à normalidade após o quase colapso da economia, os migrantes estão despreparados para encontrar trabalho digno. E as pessoas, como Omar, sabem disso.

“A Grécia não é um país rico; mal consegue sustentar seus próprios cidadãos. Espero que alguém nos ouça e abra as fronteiras para que eu possa recomeçar minha vida na Alemanha com a ajuda de meus tios”, diz ele.

Preso no presente

Por enquanto, dois anos depois do acordo da União Europeia com a Turquia, em 2016, que reprime a entrada de migrantes no litoral grego, pessoas como Guhdar, Jamal, Hanaa e Omar estão mais do que nunca perdendo a esperança.
Eles estão vivendo presos no presente, incapazes de fazer planos concretos. Eles andam pelas ruas, procurando produtos básicos mais baratos para comprar e imaginando se conseguirão sobreviver.

Em Samos, para facilitar um pouco a espera, Guhdar costumava levar sua vara de pesca para a praia, onde passava algumas horas em silêncio, relembrando e sonhando. Agora, sem um pingo de esperança, ele parou de fazer isso.
Em Atenas, Jamal se sente perdido, aprendendo grego e dando voltas em uma das cidades mais bonitas do mundo, desesperado por algo que preencha o vazio.

"Meu coração está no Irã com minha esposa e minha alma está na Alemanha com meus filhos", declara. “Quanto a mim, sinto-me completamente morto por dentro.”
 

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