Líbano: programa de MSF contra talassemia é mais necessário do que nunca

Hospital em Zahlé é o único do país que oferece atendimento gratuito para o tratamento das crianças

Líbano: programa de MSF contra talassemia é mais necessário do que nunca

A talassemia é uma doença hereditária causada por uma alteração nos genes necessários para sintetizar a hemoglobina, a molécula responsável por transportar o oxigênio no sangue. Os pacientes não tratados podem ter uma expectativa de vida consideravelmente mais curta e o tratamento requer transfusões de sangue regulares. No entanto, isso causa sobrecarga de ferro, levando problemas ao coração e ao fígado e causando outras doenças, portanto, os pacientes com talassemia precisam de medicamentos quelantes para remover o excesso de ferro no sangue.

A unidade de talassemia de MSF no Hospital Elias Haraoui, em Zahlé, no Líbano, oferece atendimento multidisciplinar abrangente, incluindo diagnóstico, transfusões de sangue, medicamentos quelantes de ferro, suporte psicossocial e consultas.

O programa de MSF é o único no país que oferece atendimento gratuito e abrangente para crianças com talassemia, independentemente de sua nacionalidade. A maioria dos pacientes infantis hoje é de refugiados sírios, embora alguns venham de famílias libanesas vulneráveis.

Com o colapso econômico no Líbano e o impacto financeiro da pandemia de COVID-19 afetando com mais força as famílias vulneráveis, a necessidade do programa de continuar fornecendo cuidados que salvam vidas a essas crianças é maior do que nunca.
 
A talassemia é uma doença difícil para qualquer criança, pois requer internações recorrentes no hospital, às vezes três vezes por mês, repetidas picadas de agulha, tomar medicamentos todos os dias pelo resto da vida e conviver com as complicações da doença. As crianças com talassemia têm de lidar com a pressão de levar uma vida que é diferente de seus pares em muitos aspectos e de aprender a lidar com uma condição crônica.

A história da família de Abbas e Youssef

Viver com talassemia é ainda mais difícil para crianças refugiadas no Líbano como os sírios Abbas e Youssef. Na foto, Abbas, de 5 anos de idade, recebe tratamento no hospital de MSF. A mãe Ammouna relembra os motivos pelos quais ela e o marido decidiram levar os filhos para o país. Eles suportaram anos de bombardeios quando o Estado Islâmico assumiu o controle da cidade de Manbij, onde moravam. O grupo armado não permitia que civis saíssem da cidade – então Ammouna não viajava para Alepo para comprar os medicamentos de que seus meninos precisavam para baixar os níveis de ferro em seu sangue. Após as Forças Democráticas Sírias lideradas pelos curdos assumiram o controle, as viagens tornaram-se possíveis novamente, mas os serviços de transfusão de sangue quase pararam. “Durante três anos, tive que providenciar as transfusões de sangue em casa”, conta Ammouna, acrescentando que ela teve que pedir aos membros da comunidade doações de sangue. “Foi um período muito difícil.”

Ammouna e seu marido acabaram levando as crianças para o Líbano, na esperança de que a vida fosse melhor. Mas eles descobriram rapidamente os custos proibitivos dos cuidados de saúde nas clínicas privadas do país. Eles estavam prestes a desistir e voltar para a Síria quando conheceram o programa de MSF no hospital Elias Haraoui, que oferece gratuitamente atendimento abrangente para pacientes com talassemia. “Aqui no hospital, meus meninos recebem as transfusões e os medicamentos de que precisam”, informa Ammouna, que trabalha em uma fazenda local recebendo uma diária e cujo marido é carpinteiro. “Já faz uns três anos que viemos aqui.”

O programa administrado por MSF no hospital Elias Haraoui, no coração de Zahlé, oferece atualmente tratamento para 96 crianças que sofrem de talassemia. “Aumentamos o número de crianças que tratamos de 74 para 96 em novembro”, afirma a médica Layal, gerente de atividades médicas de MSF para o programa. Gostaríamos de poder fazer mais para atender às necessidades, mas somos limitados pelo preço muito alto dos medicamentos contra talassemia”.

Construindo um vínculo forte

Abbas e Youssef são duas dessas crianças que vêm regularmente ao hospital. A equipe sabe como é fundamental elevar o ânimo das crianças quando elas chegam para a transfusão, a cada duas ou quatro semanas. “Com o tempo, o hospital se tornou um ‘lugar seguro’ para os pacientes com talassemia”, observa Layal. “É muito mais do que um centro médico – aqui, as famílias aprendem sobre a doença, como ela é transmitida e, o mais importante, que seus filhos podem viver com talassemia se receberem um tratamento adequado.” Para ela, um dos objetivos do programa é ajudar os filhos a ver “que não estão sozinhos, que podem ir à escola, que podem crescer e fazer faculdade, que podem se casar e ter filhos saudáveis.”

Construir um forte vínculo com as famílias das crianças com talassemia é especialmente importante porque a doença é muito desgastante tanto para os jovens quanto para seus pais. “Este projeto definitivamente faz uma grande diferença na vida dessas famílias”, diz Layal.

Pediatra de MSF, Alaa concorda com as palavras de Layal. “A talassemia em geral é muito difícil para os pais e para as crianças. Algumas famílias precisam percorrer longas distâncias para chegar ao hospital para a transfusão regular e o acompanhamento do filho. Eles enfrentam dificuldades psicológicas e temos um psicólogo que os visita para apoiá-los”, informa.

O departamento de atividades externas de MSF também ajuda os pais a matricularem seus filhos na escola.  Alaa descreve os pacientes “como nossos próprios filhos. Sentimos o sofrimento dos pais. Sentimos e compreendemos o seu sofrimento.”

 

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