Mali: a crise continua

Para MSF, necessidades de saúde persistem no norte do país, pautadas pela dificuldade de acesso a cuidados

Johanne Sekkenes, coordenadora geral de MSF no Mali, acaba de retornar do país e comenta a atual situação humanitária no local.
 
Qual é a situação no Mali hoje?
Para mim, a crise continua. O acesso a cuidados médicos permanece um problema significativo em todo o país. Em Koutiala, na região sul do Mali, estamos operando um projeto pediátrico. A crise não afetou muito a população daqui, que continua vivendo normalmente. Profissionais de saúde estão em campo e organizações de ajuda médico-humanitária estão conduzindo suas atividades sem quaisquer problemas. No entanto, os pacientes ainda precisam pagar por cuidados, o que representa um grande obstáculo para o acesso a eles.

A situação é diferente no norte. A situação não se caracteriza como uma catástrofe humanitária, mas as necessidades ainda são enormes. Algumas populações – árabe e tuaregue – não se sentem seguras e, por enquanto, não retornarão às cidades para buscar tratamento porque estão com medo dos abusos ou acertos de contas. Essas populações fugiram do norte do Mali durante a operação militar lançada em janeiro, em direção a países vizinhos. Em Timbuktu, onde as equipes de MSF estão trabalhando no hospital e em diversos centros de saúde comunitários, também é difícil para a equipe médica e para a população alcançar estruturas de saúde, principalmente quando eles viajam por certas estradas conhecidas por serem alvos de gangues.

Quais são as necessidades humanitárias no norte do Mali?
O acesso a cuidados médicos no norte do Mali está limitado, atualmente, por uma série de razões. Primeiramente, os profissionais médicos fugiram durante a crise e só agora começam a retornar. O outro problema central tem a ver com a qualidade do atendimento, que é muito limitada devido à falta de organização dentro das instalações de cuidados médicos e à escassez crônica de medicamentos e profissionais médicos. E, embora um decreto tenha estabelecido o cuidado médico gratuito no norte do Mali, as instalações carecem de recursos financeiros adequados para pagar salários às suas equipes médicas e os custos operacionais.

Outro aspecto – que não é novo – tem relação com os pacientes isolados, que moram longe das estruturas de cuidados de saúde e têm dificuldades para viajar para obter tratamento. Mães prestes a dar à luz têm complicações e morrem por não conseguirem chegar ao hospital a tempo. Além disso, as instalações médicas podem não oferecer o cuidado adequado (incluindo transfusões e cesarianas).

No entanto, nos últimos dois meses, funcionários do governo e pessoal de ONGs começaram a voltar ao norte. A qualidade dos cuidados oferecidos está começando a melhorar, embora muitos centros de saúde comunitários estejam longe de serem operacionais. Muito dinheiro, vindo de uma variedade de doadores, está entrando, o que é bom, e eu espero que isso tenha um impacto positivo.

Quais são as prioridades para os próximos meses?
MSF não espera reduzir suas atividades de ajuda médica no Mali porque as necessidades existem. A época anual de malária está começando. Ela coincide com a “temporada da fome”, período que precede a primeira colheita, quando os estoques da primeira colheita possam estar acabando. Isso pode levar a uma queda significativa na produção agrícola e a uma elevação brusca dos preços. Famílias não terão renda suficiente para comprar os alimentos de que as crianças precisam para se prevenirem da desnutrição ou para pagar pelas visitas médicas.
 
No geral, a prioridade atual de MSF é oferecer tratamento médico às populações que vivem nos subúrbios e possuem dificuldade em obtê-lo. No norte, como no sul, nós queremos focar nossas atividades em cuidados pediátricos, tratando a malária e cuidando das mulheres grávidas.
 
Nós esperamos, no norte, conseguir melhorar o acesso dos pacientes a atendimento e a atendimento de qualidade quando os profissionais médicos retornarem. Ainda há muito trabalho a ser feito.

O que MSF pensa do acordo de MINUSMA?
Os mandatos da MINUSMA (a Missão de Estabilização Multidimensional Integrada das Nações Unidas no Mali) incluem a estabilização da situação, particularmente no norte, e o apoio às atividades humanitárias, para que a ajuda possa ser entregue e os deslocados e refugiados possam retornar. A atividade humanitária realizada pelas forças armadas pode gerar confusão. Precisamos garantir que as atividades da MINUSMA e aquelas de MSF não se misturem. Como sempre foi o caso no passado, MSF continuará a conversar com todos os atores políticos no Mali para ajudar a garantir que possamos executar nossas atividades de ajuda de forma independente. Estamos confiantes de que as partes em guerra reconhecerão a diferença. Esperamos que nossa atividade humanitária venha a ser vista como neutra e imparcial, e nós continuaremos a trabalhar para garantir que ela seja.

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