Migração nas Américas: “Tudo o que procuramos é uma vida melhor”

MSF enviou 18 equipes a diferentes áreas ao longo da rota de migração entre a América Central e os EUA para fornecer atendimento médico-humanitário a pessoas submetidas a políticas restritivas, violência e perigos na jornada migratória.

A rota terrestre entre a América Central e os Estados Unidos (EUA) é uma das mais perigosas do mundo para os migrantes. Embora deixem seus países em busca de segurança e bem-estar, o que encontram na jornada entre a densa selva de Darien, no sul do Panamá, o triângulo norte da América Central e o norte do México é o oposto: uma sucessão de riscos, violência e dificuldades que ameaçam suas vidas a cada segundo.

É o que nos relata John, um homem de Camarões que passou três dias em Darién comendo apenas amendoins. Assim como Barbara, uma mulher da Venezuela que teve que cruzar com seu filho de seis anos de idade, de Honduras à Nicarágua, passando por um caminho perigoso para evitar funcionários de controle da fronteira. Enel, que tem vivido nas ruas de Reynosa, norte do México, também reafirma os riscos da traiçoeira jornada.

Pandemia, políticas restritivas e violência

A pandemia da COVID-19 serviu como desculpa para os EUA imporem o Título 42, um dos regulamentos de direitos de imigração mais regressivos da história recente. Nos últimos três anos, segundo dados oficiais, o Título 42 permitiu a expulsão imediata de quase dois milhões de solicitantes de asilo, para cidades perigosas no México, sob o falso pretexto de saúde pública.

Essa não é a única política repressiva na região. No sul do México, ataques e postos de controle por parte de autoridades de imigração repetem-se todos os dias, servindo como uma barreira para aqueles que se deslocam para o norte. Durante meses, o governo hondurenho manteve uma multa que equivale a mais de mil reais para os migrantes que entravam no país sem os documentos em ordem.

Embora não consigam parar os fluxos migratórios violando os direitos humanos e limitando o acesso a serviços básicos, essas políticas têm um efeito perverso adicional: empurram as pessoas para as mãos de poderosas redes criminosas que operam em toda a região. A migração tornou-se um negócio multimilionário, em que sequestros, roubos, extorsão e tráfico de pessoas são protegidos pela impunidade garantida pela passividade e até mesmo cumplicidade de alguns funcionários.

“Eu não entendo por que eles tornam isso tão difícil para nós. Tudo o que procuramos é uma vida melhor”.
– Barbara, migrante venezuelana.

Enquanto isso, o número de pessoas que empreendem essa jornada, mesmo com poucas chances de sucesso, continua a aumentar. De acordo com um relatório recente da Organização Internacional para as Migrações (OIM), entre janeiro e abril deste ano, as abordagens entre migrantes e autoridades na fronteira terrestre do sudoeste dos EUA foram 46% maiores do que no mesmo período do ano anterior.

De acordo com dados do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), o México é o terceiro país, depois da Alemanha e dos EUA, com o maior número de solicitantes de asilo. Em 2021, esse número ultrapassou 130 mil solicitações, segundo autoridades mexicanas.

Como resultado, a migração no continente tornou-se uma crise humanitária permanente. Além dos impactos causados por barreiras administrativas e a violência generalizada, aqueles que viajam pela região enfrentam múltiplas limitações no acesso a itens básicos, como alimentos, roupas, abrigo, saúde e educação. Nessas condições, o bem-estar físico e emocional dos migrantes é gravemente afetado.

Respondendo às necessidades na região

Na estação de migração de San Vicente, no Panamá, nossas equipes prestam serviços gerais de saúde, enfermagem e saúde mental a sobreviventes que passaram pela selva de Darien, uma área pantanosa de cinco mil quilômetros quadrados que separa a América do Sul da América Central.

Um desses sobreviventes é John, um homem de Camarões que se alimentou apenas de amendoins durante grande parte de sua jornada. Felizmente, as dificuldades que enfrentou apenas o deixaram com picadas de mosquito e dores no corpo, o que o levou a procurar atendimento médico. Seus companheiros não tiveram tanta sorte.

“Eu vi pessoas morrendo e não pude ajudá-las”.
– John, migrante camaronês.

Como John, Barbara e Enel também receberam assistência de MSF ao longo da rota migratória entre o Panamá e a fronteira norte do México. De janeiro a junho deste ano, realizamos mais de 54 mil consultas de saúde geral, 5.500 atendimentos individuais de saúde mental e cinco mil orientações de serviço social. Durante esse período, mais de 23.500 kits de hidratação e higiene também foram entregues, e quase 65 mil pessoas foram alcançadas por meio de atividades de promoção da saúde.

“As principais doenças físicas que nossas equipes veem durante as consultas estão relacionados às condições respiratórias, gastrointestinais e de pele, que ocorrem, principalmente, devido às condições precárias em que as pessoas vivem”, diz Helmer Charris, coordenador-geral adjunto de MSF no México.

“Além disso, as pessoas sofrem de dores musculares, lesões nos pés e, algumas, até traumas físicos devido às longas caminhadas que experimentaram ao longo do percurso”, diz Charris.

Foto: Esteban Montaño/MSF

As pessoas que migram para os EUA têm questões diversas. Embora todas elas sejam vulneráveis, o impacto da migração é mais profundo em crianças, menores desacompanhados, mulheres grávidas, idosos, pessoas LGBTQIAP+, indígenas e pessoas que não falam espanhol, migrantes extracontinentais e sobreviventes de violência sexual.

“Normalmente, a violência que a maioria das pessoas experimentou foi em seu local de origem. No entanto, essa violência persiste ao longo da rota e gera sérias implicações em sua saúde mental”, diz o Dr. Reinaldo Ortuno, coordenador-médico de MSF no México e na América Central.

“Além disso, a incerteza de sua situação e a separação familiar, entre outros fatores, influenciam o desenvolvimento de respostas emocionais como ansiedade, estresse, medo excessivo, preocupação constante e, em casos graves, transtornos psicológicos”, diz Ortuno.

Foto: Esteban Montaño/MSF

Na clínica móvel de MSF em Danlí, no leste de Honduras, Barbara espera pelo atendimento de seu marido, que ficou gripado nos últimos dias de viagem. Seu filho de seis anos aproveita o espaço para socializar com outras crianças que também estão a caminho do norte.

“Queremos chegar aos EUA para trabalhar e poder pagar pela cirurgia pulmonar que meu filho precisa para melhorar sua saúde”, diz Barbara. “Eu não entendo por que eles tornam isso tão difícil para nós. Tudo o que procuramos é uma vida melhor”, diz ela.

MSF é uma organização médico-humanitária. Fornecemos assistência a pessoas em necessidade e excluídas dos cuidados de saúde. Em diferentes pontos ao longo da rota de migração entre a América Central e os EUA, nossas equipes fornecem suporte gratuito e confidencial às pessoas em movimento por meio de serviços médicos e psicológicos, promoção da saúde, orientações e informações. Somos uma organização imparcial, neutra e independente e atuamos sob os princípios da ética médica. Migrar, ser tratado com dignidade, buscar asilo e segurança são direitos que devem ser respeitados.

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