Migrantes relatam condições precárias e violência durante percurso até o México

Milhares de pessoas precisam se arriscar para tentar chegar aos Estados Unidos, mas política de imigração mais rígida torna chance de um futuro melhor ainda mais distante

MSF realiza atendimento com clínica móvel em em Huixtla, no estado de Chiapas, onde migrantes organizam caravana para exigir cuidados e buscar proteção contra a violência. México, janeiro de 2025. © Yotibel Moreno/MSF

A mudança na política de imigração dos Estados Unidos, que inclui o fim do aplicativo CBP One – antes usado para agendamento de entrevistas para solicitar asilo nos EUA – e planeja deportações em massa, impõe uma nova perspectiva às autoridades mexicanas: na fronteira norte do México, onde está a divisa com os Estados Unidos, estão em construção grandes instalações para abrigar potenciais deportados, além de transporte para levá-los a outras partes do México. Essa instabilidade gera incerteza para centenas de milhares de migrantes em todo o país.

Depois de sofrer violência e outras dificuldades em uma longa e complexa rota migratória, um colombiano, uma hondurenha e um guineense, todos presos no sul do México, relatam os desafios de suas jornadas.

O principal motivo da minha saída foi a violência.”

– Kevin*

© Igor Barbero/MSF

“Tenho 22 anos e sou da Huíla [no sudoeste da Colômbia]. Cursava o quarto semestre de Engenharia Industrial e não pretendia sair da Colômbia. Até que um grupo armado começou a nos intimidar: queriam recrutar aqueles de nós que serviram no exército porque já conhecemos o treinamento. Por isso, resolvi fugir. O principal motivo da minha saída foi a violência.

Entrei em contato com meu irmão, que está em Utah (EUA) há um ano. Estou no México há cinco meses. Cheguei de avião à Cidade do México e trabalhei em uma loja de ferragens no estado do México. Quando quis sair do estado, a imigração me pegou.

No dia seguinte, eu e mais 39 pessoas — entre venezuelanos, cubanos, hondurenhos, salvadorenhos e colombianos — fomos enviados de ônibus para Villahermosa (no estado de Tabasco, sul do México). De lá, vim para Coatzacoalcos (estado de Veracruz), e agora aguardamos o trem. Estávamos tentando chegar à fronteira antes de Trump assumir o poder.

Se você não tem dinheiro, é muito difícil se locomover pelo México. Ninguém te dá nada de graça e você não pode confiar em ninguém. Recebi ameaças de morte no meu celular.

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Eu sabia que o México era perigoso, mas não achava que o aplicativo CBP One acabaria. Também sofro muita discriminação, apesar de fugir do meu país. O CBP One tinha um grande problema. Não funcionava em ordem cronológica, mas aleatoriamente. O processo seletivo era muito lento. Desde que cheguei ao México, tentei, mas nunca marcaram uma entrevista, embora eu tivesse esperança.

Agora a única coisa que me resta é ir até a fronteira, entrar nos Estados Unidos e me entregar. Se eles me dessem a oportunidade, eu estudaria e aprenderia inglês. Meus pais me perguntam como estou e me dizem que, se eu não aguento mais, deveria volta… mas a minha única opção seria ir para Bogotá, e lá não tenho nada nem ninguém. Voltar para a Colômbia me assusta.”

“Eu só quero que meus filhos vão à escola”

– Natasha*

© Yotibel Moreno/MSF

“Sou hondurenha e tenho 30 anos. Estou em um abrigo em Tapachula (sul do México) com minha cunhada e meus três filhos, duas meninas, uma de 12 e uma de 6 anos de idade, e um menino de 4 anos. Meu marido teve que deixar Honduras antes de nós porque queriam recrutá-lo para gangues. Há um ano não tenho notícias dele.

Saí de Honduras em outubro. Fiquei com medo, mas não podíamos mais ficar lá. Tínhamos um pequeno negócio, que rendia o suficiente para viver e sustentar nossos filhos. Pediram que pagássemos para continuar e, no começo, eu paguei, mas aumentaram a taxa… Não dava nem para comer.

Eu disse a eles que não poderia pagar tudo, o resto do dinheiro estava faltando. Insinuaram que havia maneiras diferentes de pegar e avisaram que voltariam.

Quando eles chegaram, mandei que as crianças se trancassem no quarto e não saíssem até que eu lhes dissesse. Eles fizeram o que queriam comigo. Eu só orava a Deus para que minhas meninas não ouvissem.

Um dia me disseram que minha filha de 12 anos era muito bonita. Fiquei calada e comecei a vender algumas coisas. Tivemos que ir embora. Eu não queria que isso acontecesse com a minha filha.

Chegamos de ônibus na Guatemala. Quando atravessamos o rio Suchiate para entrar no México, um homem mexicano nos protegeu e disse que éramos da família dele. Foi assim que conseguimos entrar no país.

“Você está segura agora, eles poderiam ter abusado da sua filha”, me disse o mexicano que nos ajudou.

Tínhamos apenas 1.000 pesos (cerca de 280 reais). Pegamos o primeiro táxi que vimos e pedimos para ir para um abrigo.

Vivo com a angústia de não saber o que está por vir, com medo de que me encontrem. Desejo um lugar para me estabelecer, para poder trabalhar. Só quero que meus filhos vão à escola.”

Já vi pessoas mortas ao atravessar a selva [de Darién].”

– Mamadou

© Yotibel Moreno/MSF

“Tenho 33 anos e estou viajando com minha esposa, Ramata, e minha filha, Aishatu, que tem 1 ano e 8 meses. Somos da Guiné. No meu país, me envolvi em um partido político e, quando houve um golpe de Estado, a situação ficou cada vez mais complicada, com ameaças à minha vida. Por isso, decidimos ir embora.

Pensei em ir para a França, mas era impossível fazer a papelada em pouco tempo. Voar para o Brasil foi muito mais fácil. Saímos de um dia para o outro, com a ideia inicial de chegar aos Estados Unidos.

Não achei que a rota migratória fosse tão complexa: do Brasil fomos para Bolívia, Peru, Equador, Colômbia… E, finalmente, pegamos um barco até [a selva de] Darién. Já vi pessoas mortas ao atravessar a selva. Se eu soubesse que seria assim, nunca teria entrado nessa.

Recebemos ajuda em Honduras, como fraldas para a bebê e permissão para atravessar o país em sete dias. Na Guatemala, todos que conhecemos tinham uma arma. Pediram 250 dólares (cerca de 1.440 reais) para atravessar o país e cobraram ainda mais quando terminamos a travessia. Após passar pelo rio Suchiate para chegar ao México, fizeram-nos trocar todos os dólares e nos cobraram por um cartão telefônico.

Estamos em Tapachula há dois meses. Quando estive no Peru e vi a notícia da vitória de Trump, desisti da ideia de ir para os Estados Unidos. Solicitamos residência mexicana.

Me sinto um pouco fraco e por isso vim à clínica. Há muitos mosquitos na casa onde moramos e peguei malária.”

 

* Nomes alterados para proteger a identidade

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