“Minha mãe me disse que todos sentiram que era o último minuto de suas vidas”

Sherwan Qasem, da Síria, trabalha com MSF há mais de dez anos e narra o desespero da população afetada pelo terremoto no noroeste do país.

Após os fortes terremotos que atingiram o sul da Turquia e o noroeste da Síria em 6 de fevereiro, equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) que já trabalham no noroeste da Síria se mobilizaram com parceiros locais para responder às crescentes necessidades.

A situação no noroeste da Síria é especialmente terrível, devido a quase 12 anos de guerra e aos efeitos acumulados de uma situação econômica delicada, a pandemia da COVID-19 e, mais recentemente, um surto de cólera. Isso torna a atual emergência ainda mais difícil de gerenciar, já que o sistema de saúde já era frágil e dependente de ajuda humanitária.

Sherwan Qasem trabalhou com MSF por mais de 10 anos na Turquia, na Síria, na Somália e na Lituânia. Ele é originário da Síria e agora trabalha com a equipe de emergência de MSF em Amsterdam. Abaixo, ele compartilha sua experiência pessoal.

“Quando ouvi notícias sobre os terremotos na manhã de segunda-feira (06/02), tentei imediatamente entrar em contato com minha família e amigos na Síria. Eu não conseguia entrar em contato com eles, pois não havia eletricidade ou internet. Ficar lá sentado, imaginando o que poderia ter acontecido, foi muito estressante.

Finalmente, consegui falar com minha mãe por telefone, ela me disse que todos sentiram que era o último minuto de suas vidas. Felizmente, todos os membros da minha família estavam bem, mas muitas pessoas estão lutando. Muitas casas e edifícios foram destruídos, resultando em um número chocante de mortos e feridos e causando danos à infraestrutura na Turquia e na Síria. Milhares de pessoas estão agora desabrigadas.

No noroeste da Síria, hospitais apoiados por MSF viram milhares de feridos e centenas de mortos. A expectativa é que esses números aumentem, pois provavelmente serão encontrados menos sobreviventes neste momento.

Estou em contato com meus colegas na região de Aleppo ocidental, onde eu costumava trabalhar com MSF. A situação é extremamente terrível. Esta área está em guerra há mais de 11 anos, então o setor médico já estava lutando antes do terremoto.

MSF tem duas prioridades principais no momento. Primeiro, apoiar os hospitais e as instalações de saúde existentes para responder a essa emergência com suprimentos e treinamento. Também fornecemos a eles combustível para que tenham eletricidade e aquecimento. A Síria – assim como muitos países ao redor do mundo – está enfrentando uma crise energética decorrente da guerra na Ucrânia. Eles não têm combustível suficiente para operar geradores.

A segunda prioridade é trazer suprimentos. Um dos principais problemas é a falta de acesso a essa área. O único acesso é através de um corredor humanitário. Durante anos, tem sido difícil fornecer apoio e suprimentos para esta região e, infelizmente, os últimos dias não foram mais fáceis. Nenhuma ajuda conseguiu chegar à área nas primeiras 48 horas após o terremoto – prazo vital para os sobreviventes. Nós nos chamamos Médicos Sem Fronteiras, mas infelizmente existem muitas fronteiras, e estamos tentando superá-las e encontrar maneiras diferentes de entregar essa ajuda a essas pessoas necessitadas.

Há cerca de 4 milhões de pessoas vivendo nessa região, 2,8 milhões das quais já foram deslocadas – algumas delas mais de uma vez. Conheci pessoas que foram deslocadas 20 vezes. Muitas dessas pessoas não puderam deixar o país porque não têm recursos, ou optam por permanecer para cuidar de seus parentes que estão doentes, que precisam de apoio ou que não estão dispostos a deixar o país de nascimento. Além disso, há mais de 3,6 milhões de refugiados sírios na Turquia, e a maioria deles estava vivendo nas quatro províncias mais afetadas pelo terremoto. Quando as pessoas fugiram da Síria para a Turquia em busca de segurança, a maioria queria ficar o mais próximo possível da fronteira síria para que pudessem um dia voltar para casa.

Uma das maiores necessidades agora é a saúde mental. Imagine estar vivendo em um acampamento, em uma tenda, em uma casa improvisada, depois de talvez muitos anos de conflito, sem qualquer tipo de esperança sobre o que pode acontecer amanhã? O peso na saúde mental é severo.

Ontem minha mãe me disse: ‘Meu filho, eu não sei o que pode acontecer amanhã. Todos os anos, durante 12 anos, nós tínhamos esperança de que este fosse o último ano do nosso sofrimento’”.

 

 

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