Moçambique: após ciclone Chido, população em Cabo Delgado luta para recomeçar

Como parte da resposta de emergência ao desastre, MSF fornece apoio psicológico a sobreviventes e profissionais de saúde da linha de frente

Abudo Chuado e sua família são sobreviventes do ciclone Chido. Cabo Delgado, Moçambique. © Costantino Monteiro/MSF

“Qualquer rajada de vento me assusta. Temo que algo semelhante volte a acontecer”, afirma Abudo Chuado. Acompanhado pela mulher e pelos três filhos, Abudo conversa em frente ao abrigo improvisado feito de palha e paus, que hoje é a casa da família, na comunidade de Nanguasi, Mecufi, um distrito do norte de Moçambique que foi fortemente impactado pelo ciclone Chido em meados de dezembro de 2024.

A tempestade deixou mais de 120 mortos, destruiu dezenas de milhares de casas e afetou mais de 687 mil pessoas e 116 hectares de terrenos agrícolas, segundo as autoridades moçambicanas*. Esses impactos trouxeram outra camada de complexidade à população local de Cabo Delgado, a qual Mecufi pertence, uma província já devastada por anos de conflito.

Na maioria das vezes, me sinto triste. Não saber o que comer e viver com a incerteza do amanhã fazem com que eu me sinta impotente.”

– Abudo, sobrevivente no ciclone, relata ter pesadelos todas as noites

Outros residentes em Mecufi, que também perderam entes queridos, bens materiais ou meios de subsistência, relatam que sofrem de dores de cabeça, dificuldades em dormir e outros problemas. Os impactos psicológicos foram profundos.

“Muitas pessoas nas comunidades estão traumatizadas pela tragédia e tentam encontrar forças para seguir em frente”, explica Basílio Jamal, conselheiro de saúde mental da equipe de Médicos Sem Fronteiras (MSF) que atualmente fornece cuidados de emergência em Mecúfi.

Apoio de saúde mental

Desde a última semana de dezembro, MSF tem realizado atividades de saúde mental em algumas comunidades afetadas para ajudar a população a desenvolver resiliência e a lidar com as consequências do desastre.

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“Algumas pessoas têm pesadelos e dificuldades em comer ou dormir. Para quem perdeu familiares, reconstruir a vida é ainda mais desafiador, pois é muitas vezes marcado por uma tristeza profunda, fortes e frequentes dores de cabeça, palpitações cardíacas e depressão”, afirma Basílio.

MSF também está fornecendo apoio aos profissionais de saúde, uma vez que são “frequentemente afetados diretamente por desastres, o que torna o trabalho de cuidar de outras pessoas ainda mais difícil”.

Equipe de MSF realiza atividades psicoeducativas em grupo na comunidade de Nanguassi, distrito de Mecufi. Cabo Delgado, Moçambique. © Costantino Monteiro/MSF

Ciclone danificou 52 instalações de saúde

De acordo com os dados oficiais, o ciclone danificou 52 instalações de saúde, destruindo amplamente telhados, equipamentos e medicamentos, e deixando muitas estruturas pouco funcionais, na melhor das hipóteses. A equipe médico que permanece no local está sobrecarregada e trabalha com recursos limitados.

Desde o início da resposta de emergência até 5 de janeiro, as equipes de MSF realizaram sessões de aconselhamento e formação de primeiros socorros psicológicos com 32 funcionários do Ministério da Saúde e agentes de saúde comunitários, bem como grupos de apoio psicossocial e psicoeducação e consultas individuais com 106 sobreviventes em diferentes localidades do distrito de Mecufi.

Violência e emergência climática

Este desastre natural se soma ao impacto significativo que tanto a prolongada violência quanto a crise climática estão causando nesta região de Moçambique. Ataques e operações militares continuam sem interrupção em diferentes regiões de Cabo Delgado, onde mais de 570 mil pessoas ainda estão deslocadas pelo conflito que teve início no final de 2017.

Essa província e outras áreas de Moçambique são altamente suscetíveis a ciclones, tempestades tropicais e inundações, e esses fenômenos parecem estar aumentando em frequência e intensidade em um dos países da África considerados mais vulneráveis à crise climática.

Chido é apenas o mais recente ciclone devastador a atingir Moçambique nos últimos anos. Em 2019, os ciclones Idai e Kenneth ocorreram com semanas de diferença, sendo o segundo particularmente impactante em Cabo Delgado, onde deixou dezenas de milhares de pessoas deslocadas.

Em 2023, o ciclone Freddy atingiu o país duas vezes, atravessando diferentes províncias, e se tornou uma das tempestades mais longas e intensas já registadas, levando também a vários surtos de cólera posteriormente.

“A urgência de respostas integradas que abordem não apenas as necessidades físicas, mas também o bem-estar mental das comunidades afetadas, é crucial para garantir que as populações em situação de vulneribilidade possam se recuperar e reconstruir suas vidas diante de desastres climáticos cada vez mais frequentes, defende Luísa Suárez, coordenadora médica de MSF.

Equipe de MSF realiza visitas domiciliares para oferecer apoio psicossocial e promoção de saúde na comunidade de Nanguassi. Cabo Delgado, Moçambique. © Costantino Monteiro/MSF

Para além da saúde mental, MSF está apoiando a reabilitação do centro de saúde de Mecufi, doando kits de emergência, instalando sistemas de água potável e realizando reparos elétricos para restaurar serviços essenciais, como a maternidade e a sala de partos, que são fundamentais. Caso contrário, os pacientes precisariam ser encaminhados para estruturas de saúde distantes.

Entre 30 de dezembro a 5 de janeiro, foram realizadas 845 consultas ambulatoriais, 145 pacientes foram tratados para diarreia aquosa aguda e 68 para malária, ambas doenças comuns após desastres climáticos devido à proliferação de mosquitos em águas estagnadas e à falta de acesso a água potável.

As equipes estão também realizando atividades de conscientização para a prevenção dessas doenças, que já tiveram a participação de 367 pessoas. Nesta semana, começamos a apoiar outro centro de saúde, na localidade de Nanlia, no distrito de Metuge, também uma área fortemente afetada.

MSF atua em Cabo Delgado desde 2019, ajudando pessoas impactadas pelo conflito, por meio de serviços comunitários e apoio a unidades de saúde. Atualmente, trabalhamos nos distritos de Palma, Mocímboa da Praia, Mueda, Muidumbe e Nangade.

 

*Dados do Instituto Nacional de Gestão de Desastres (INGD). As províncias mais afetadas foram Cabo Delgado e Nampula.

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