Moçambique: ataques e violência em Cabo Delgado deslocam milhares de pessoas no início da temporada de ciclones

MSF alerta que boa parte da população está extremamente vulnerável e não tem acesso a cuidados médicos

Foto: Igor Barbero/MSF

A escalada da violência na província de Cabo Delgado, em Moçambique, deslocou milhares de pessoas já afetadas por cinco anos de conflito. Moçambique é um dos países com maior risco de desastres naturais, com um ciclo anual de tempestades tropicais que deixa as pessoas com pouco tempo para se recuperar. Além disso, uma parte significativa da população de Cabo Delgado está agora extremamente vulnerável devido ao deslocamento e à falta de acesso a cuidados médicos.

A crise atual está concentrada no centro da província, particularmente nos distritos de Meluco e sul de Macomia, onde as autoridades locais relataram mais de 20 ataques a quatro aldeias nas últimas duas semanas com 2.800 casas danificadas ou destruídas pelo fogo. Desde o final de janeiro, mais de 14 mil pessoas foram forçadas a deixar suas moradias devido ao conflito e agora estão em busca de segurança e condições básicas para sobreviver. Esta é a maior onda de deslocamento nos últimos meses.

“Ataques violentos e a insegurança contínua em vários distritos do centro de Cabo Delgado levaram milhares de pessoas a deixarem suas casas apenas com o que podiam carregar, no exato momento em que a estação de ciclones e chuva está começando”, diz Raphael Veicht, coordenador de emergência de Médicos Sem Fronteiras (MSF). “Esta é uma combinação muito perigosa. Nossas equipes estão respondendo às novas ondas de deslocamento forçado, fornecendo às pessoas cuidados básicos de saúde, bem como itens domésticos e de abrigo necessários. Estamos extremamente preocupados com a proteção dos civis neste conflito agudo e crescente”.

Na semana passada, a tempestade tropical Ana – a primeira da temporada – atingiu as províncias de Nampula e Tete, em Moçambique. As pessoas deslocadas na província de Cabo Delgado estão extremamente vulneráveis ​​a futuras tormentas tropicais, pois muitas vivem sem abrigo, água potável ou saneamento. As tempestades frequentemente causam inundações, o que aumenta significativamente o risco de surtos de doenças transmissíveis com risco de morte, como malária e doenças diarreicas.

Foto: Igor Barbero/MSF

Na província central de Cabo Delgado, muitos deslocados se reuniram em pequenas aldeias e cidades, como Mitambo, Ancuabe e Nanjua, onde equipes de MSF têm administrado clínicas móveis e distribuído alimentos, abrigo e kits de higiene para 800 famílias no final de janeiro. No entanto, essas aldeias carecem de infraestrutura básica para sustentar tantas pessoas, especialmente água potável, abrigo e acesso a cuidados médicos.

“Em Mitambo, onde realizamos clínicas móveis e distribuição de alimentos, a situação era muito tensa à medida que mais e mais deslocados chegavam ao vilarejo”, diz Jean-Jacques Mandagot, coordenador do projeto de MSF. “Alguns dormiam no campo enquanto outros se abrigavam em casas de telhado de palha deixadas vazias por moradores que já partiram para algum lugar mais seguro. Algumas pessoas ficaram por uma noite e seguiram em busca de áreas mais seguras, enquanto outras ficaram mais tempo porque não tinham meios para continuar.”

Não existe um centro de saúde permanente em Mitambo, e a aldeia carece de um sistema de infraestrutura básico, como abastecimento de água potável, para suportar uma população tão grande. Anteriormente, os moradores viajavam para um centro de saúde em uma vila próxima, mas com a insegurança atual, as pessoas tiveram que viajar para muito mais longe e com maior risco – enquanto algumas pessoas não podiam acessar cuidados de saúde porque não tinham dinheiro para viajar ou não estavam dispostas a correr esses riscos. Como resultado, as clínicas móveis de MSF em Mitambo no final de janeiro estavam muito cheias.

Foto: Igor Barbero/MSF
Foto: Igor Barbero/MSF

“A cada dia, nossa equipe fornecia mais de 200 consultas médicas, atendemos mais de dois mil pacientes em uma única semana”, diz Mandagot. “Vimos muitas pessoas com malária, tosse, febre e diarreia. Muitos pacientes também têm dores físicas nas pernas e nas costas por causa de suas duras jornadas fugindo do perigo. Um homem me disse que havia perdido todos os seus bens – sua casa, seus estoques de comida – deixando-o sem nada. Ele disse que agora era forçado a mendigar por comida e que não queria mais estar perto de sua aldeia ou em qualquer lugar que o lembrasse da vida que havia perdido.”

Em 26 de janeiro, uma aldeia perto de Mitambo foi atacada e tiros foram ouvidos do local, levando as pessoas a se deslocarem mais para o sul em direção à aldeia de Mauá em busca de segurança.

Centenas de milhares de pessoas são atualmente impactadas pela violência na província de Cabo Delgado. Com o início da estação chuvosa e de ciclones, o impacto cumulativo de anos de conflito e o agravamento da emergência humanitária, é mais importante do que nunca que as equipes de MSF tenham acesso irrestrito e seguro à área para que possam fornecer às pessoas os cuidados médicos necessários.

“É absolutamente crucial que medicamentos e suprimentos médicos possam ser importados rapidamente, sem atrasos burocráticos, para que MSF possa ampliar a prestação de cuidados de saúde que salvam vidas”, diz Veicht.

MSF trabalha em Moçambique desde 1984. Ao longo de mais de 30 anos, as equipe     s de MSF têm trabalhado na resposta a emergências médicas e humanitárias em todo o país, incluindo o tratamento da tuberculos e HIV/Aids, desnutrição, malária, cólera e COVID-19. A organização também atende as populações afetadas por desastres naturais e deslocadas. Na província de Cabo Delgado, as equipes de MSF trabalham frequentemente com as autoridades de saúde e outras entidades parceiras.

 

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