Motociclistas a serviço de MSF

Uma rede de motociclistas torna possível levar assistência às pessoas nas regiões mais remotas da República Democrática do Congo (RDC)

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Viajar de Minova a Numbi, no leste da República Democrática do Congo (RDC), seria o sonho de qualquer apaixonado por motocicletas. Mais de duas horas de ladeiras, superfícies escorregadias e obstáculos de todos os tipos fazem da jornada uma prova das habilidades que os motociclistas precisam superar com aparente facilidade e a serenidade daqueles que enfrentam enormes dificuldades todos os dias. Na traseira de uma motocicleta, um passageiro de primeira viagem mal consegue admirar a beleza da paisagem, na medida em que se preocupa com a difícil rota que demanda algumas acrobacias. Mas, depois de algum tempo, ao perceber as impressionantes habilidades do piloto, o passageiro vai para qualquer lugar.

Mas para os milhares de habitantes de Numbi e montanhas do entorno, nada disso tem a ver com divertimento ou paisagens. Essa é praticamente a única rota entre o Lago Kivu e a cidade mais próxima, Minova. E para uma pessoa doente ou uma mulher gravida, é também a porta de entrada para o único hospital da região. Nesse caso, pilotar uma motocicleta com um paciente como passageiro é mais que uma aventura; é uma enorme proeza. “Nunca me deparei com uma situação impossível; você sempre encontra uma forma. Mas, por vezes, tem de enfrentar a si mesmo como obstáculo antes de acelerar”, explica Shabadé, um dos motociclistas a serviço da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) na província de Kivu do Sul. Seja para fazer uma visita de avaliação para detectar as necessidades das populações em áreas remotas, seja para transportar um paciente, esses pilotos são essenciais para levar cuidados médicos a dezenas de milhares de pessoas que, caso contrário, permaneceriam privadas de assistência. A falta de acesso a cuidados de saúde é um enorme problema na RDC, país onde há menos de um leito disponível para cada 1 mil habitantes e pouco mais de um médico para cada 10 mil pessoas. Esses indicadores estão entre os piores do mundo.

“É muita pressão, porque você tem de ir rápido, mas também ser cuidadoso, porque está levando uma pessoa em situação delicada”, admite Akonkwa, motociclista de MSF em Numbi. Em setembro, uma explosão causada por granada feriu uma dúzia de pessoas do lado de fora de uma das sedes de MSF naquele vilarejo. Os motociclistas tiveram de evacuar urgentemente diversas pessoas feridas para Minova, muitas das quais com ferimentos graves.

Mas, por vezes, nem mesmo a experiência dos motociclistas é suficiente para chegar aos centros de saúde a tempo. “Recentemente, estávamos levando uma mulher gravida para o hospital, mas ela entrou em trabalho de parto. Felizmente, a pessoa que estava na moto de ‘suporte’ tinha alguma experiência e pudemos ajudar a mulher a dar à luz. Tudo correu bem”, relembra Brimana, novo membro do grupo de motociclistas de MSF em Numbi.

Para enfrentar rotas como as de Numbi a Minova, que carros apenas fazer em casos extremos, e nunca quando chove, MSF consolidou uma rede de jovens motociclistas locais, a maioria dos quais trabalhava como “mototaxistas”, como Shabadé ou Brimana, que são de um vilarejo próximo a Minova. “Seis meses atrás, fui contratado por MSF para transportar um paciente de emergência. Aparentemente, fui bem na tarefa e me ofereceram um emprego estável. Passei no teste e aqui estou”, explica o jovem Brimana, de 22 anos. Ele reconhece que, agora, tem uma melhor condição de vida. “Antes, eu tinha de pagar aluguel pela moto que usava como táxi”, conta, ressaltando a mudança pessoal que seu novo empregou lhe proporcionou. “Sinto que estou melhorando. Esse emprego ensina muito mais como pessoa e te oferece uma melhor compreensão da sociedade na qual você vive”, adiciona.

As dificuldades na estrada não são as únicas enfrentadas por esses pilotos. Como muitos outros civis, eles têm de lidar, frequentemente, com confrontos armados que afetam diversas regiões do país há mais de duas décadas. “Uma vez, estávamos em meio a uma avaliação exploratória no sul da província quando fomos parados por milicianos. As coisas ficaram feias e tivemos que fugir, quando eles começaram a atirar para o alto”, relembra Pascal, um dos motociclistas do time de emergência de MSF baseado em Bukavo, no sul de Minova.

Os motociclistas são parte essencial de muitas das operações na região, como as frequentes campanhas de vacinação – a única forma de levar os contêineres para dentro da mata é sobre duas rodas. “Por vezes, a moto leva uma carga de 150 quilos, que é bem pesada”, explica Pascal. Graças aos pilotos, houve diversas campanhas de imunização nessa área. Centenas de milhares de crianças foram vacinadas contra doenças como o sarampo, que ainda pode ser fatal na RDC.

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