MSF alerta para mortes por Aids na África subsaariana

50% dos pacientes admitidos em hospitais de MSF já passaram por tratamento, mas têm sinais clínicos de piora; financiamento para resposta global ao HIV está estagnado

MSF alerta para mortes por Aids na África subsaariana

Um número inaceitavelmente alto de pessoas continua a desenvolver e morrer de doenças relacionadas à Aids na África subsaariana. Elas foram deixadas de fora da resposta global ao HIV, sem acesso a tratamentos que previnem a Aids ou a cuidados médicos de que precisam, afirma a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).
O documento “Waiting isn’t Option: Preventing and Surviving Advanced HIV” (Esperar não é uma opção: prevenindo e sobrevivendo ao HIV avançado ), que reúne dados de hospitais apoiados por MSF, foi apresentado hoje na conferência da Sociedade Internacional de Aids, em Paris. Ele mostra que em hospitais de MSF e apoiados por MSF na República Democrática do Congo (RDC), Guiné, Quênia e Malaui, as pessoas são admitidas em tal estado de falência imunológica que a mortalidade de pacientes com Aids é de 30% a 40%. Quase um terço dessas mortes ocorre em 48 horas.
As principais causas da doença e da morte estão relacionadas ao fracasso ou interrupção do tratamento e ao diagnóstico tardio. Diferentemente do que acontecia no início dos anos 2000, quando havia pouco tratamento disponível, mais de 50% dos pacientes admitidos em hospitais apoiados por MSF já haviam começado o tratamento com antirretrovirais, com muitos deles mostrando sinais clínicos de fracasso do tratamento.

“Apesar do amplo acesso a antirretrovirais, não houve a queda esperada nos casos de HIV em fases avançados em países em desenvolvimento. O que é diferente é que, entre as pessoas que são internadas, a maioria já havia sido diagnosticada e muitas estavam em tratamento há anos. Em Homa-Bay, no Quênia, onde os antirretrovirais estão disponíveis há anos, metade dos pacientes hospitalizados com Aids mostra sinais de fracasso do tratamento. Estamos tentando trocar a medicação deles para antirretrovirais de segunda linha mais rápido”, diz David Maman, epidemiologista do Epicentre, centro de pesquisas de MSF.

Pesquisas populacionais feitas por MSF também mostram que parte das pessoas que vivem com Aids em comunidades do sul e do leste da África continua sem diagnóstico e tratamento. Cerca de 10% das pessoas com HIV em distritos do Malaui, Quênia e África do Sul têm Aids, das quais 47% nunca foram testadas ou tratadas. “As pessoas ainda estão sendo diagnosticadas tardiamente. Precisamos de novas maneiras de detectar esses pacientes esquecidos, antes que cheguem ao hospital em condições fatais ou morram em casa sem nunca ter recebido cuidados. Estigma e falta de informação continuam existindo, levando ao tratamento tardio ou à ausência de testagem e tratamento”, disse Gilles van Cutsem, assessor para HIV de MSF.

Profissionais de saúde, incluindo de MSF, já manifestaram preocupação com a falta de atenção e meios para a prevenção e o tratamento da Aids na África. A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou ontem suas primeiras diretrizes para o tratamento da Aids em locais com poucos recursos. Isso é um passo positivo, mas MSF pede a implementação urgente dessas diretrizes, com medidas adicionais que contemplem a resistência a medicamentos e o fracasso do tratamento.
São necessárias intervenções-chave para prevenir e tratar a Aids, incluindo a implementação rápida da política de “testar e tratar”; a testagem do nível de CD4 no início do tratamento com antirretrovirais; medições de rotina da carga viral; pontos de tratamento e diagnóstico da tuberculose; tratamento aprimorado da meningite criptocócica; mudança rápida para antirretrovirais de segunda linha em pacientes em estágio avançado; e tratamento imediato, acessível e efetivo das infecções oportunistas. MSF também pede modelos de tratamento voltados para a prevenção, tratamento e apoio a pacientes com Aids, e tratamento especializado gratuito para pacientes.

MSF também está preocupada com o possível agravamento da situação devido à estagnação do financiamento da resposta global ao HIV. Cortes anunciados para 2018 na contribuição dos Estados Unidos para o Fundo Global (17%) e o Pepfar  (11%) significam que muitos países enfrentarão restrições ainda maiores. A redução do financiamento e a necessidade de preservar as compras de antirretrovirais vão pôr em risco as respostas comunitárias, incluindo a testagem direcionada e os programas de estímulo à adesão ao tratamento, ao mesmo tempo que reduzirão investimentos essenciais em profissionais de saúde, laboratórios e diagnóstico.

“Com o declínio da vontade política global e do financiamento, não apenas existe o risco de retrocesso na luta geral contra o HIV como especificamente de abandono desses pacientes internados com Aids”, diz Mit Philips, assessora de políticas de saúde de MSF.

Atualmente MSF apoia o tratamento com antirretrovirais de 230 mil pessoas vivendo com o HIV em 19 países, com foco em cuidados gratuitos de qualidade, apoio à adesão ao tratamento e modelos de assistência diferenciados. MSF trata diretamente ou apoia o tratamento gratuito da Aids em quatro hospitais na África subsaariana.
 

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