MSF apóia organizações brasileiras que pedem o licenciamento compulsório do Kaletra

Em carta às ONGs, MSF alerta sobre a insustentabilidade do programa brasileiro de acesso universal a anti-retrovirais sem a licença compulsória. 70% do orçamento para medicamentos são utilizados para importar quatro medicamentos patenteados

Leia a íntegra da carta escrita pelo Diretor da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de MSF em apoio às organizações brasileiras que pedem o licenciamento compulsório do lopinavir/ritonavir (Kaletra).

Genebra, 30 de novembro de 2005.

Prezado Sr/Sra.

Escrevemos para manifestar nosso apoio ao pedido feito por Organizações Brasileiras da Sociedade Civil de emissão de licença compulsória que permita a produção do lopinavir/ritonavir (Kaletra).

Enquanto organização humanitária da área de saúde testemunhamos diariamente no campo as conseqüências dos preços proibitivos. Em particular, os preços dos medicamentos de segunda escolha para o tratamento da Aids que estão fora do alcance daqueles que deles necessitam nos países em desenvolvimento. Como resultado da implementação completa do acordo TRIPS(1), as fontes de versões acessíveis de medicamentos mais novos, em particular de medicamentos de segunda escolha de anti-retrovirais, estão secando.

MSF trata hoje 60 mil pacientes em cerca de 30 países na África, Ásia e América Latina. Começamos a tratar pacientes há cinco anos atrás. Estamos observando o surgimento de resistência e precisamos urgentemente ter acesso a anti-retrovirais de segunda escolha. O Brasil tem demonstrado ter capacidade de produzir medicamentos anti-retrovirais genéricos. No passado, nossos projetos foram beneficiados com produtos brasileiros(2). Emitir licenças compulsórias será fundamental para proteger a capacidade de produção do Brasil. Além disso, será fundamental para permitir a exportação de medicamentos que eventualmente não venham a ser disponibilizados a preços acessíveis em países sem capacidade de produção(3).

A Organização Mundial do Comércio (OMC) reconheceu que há problemas de acesso a medicamentos e reforçou na “Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Pública” as medidas que os países podem adotar para reduzir os preços dos medicamentos. Em especial, reforçou o direito dos países de emitirem licenças compulsórias(4).

O Brasil é reconhecido internacionalmente pelo seu programa de acesso universal aos medicamentos anti-retrovirais. O sucesso deste programa depende em boa parte da capacidade do Brasil de produzir os medicamentos necessários. Ter quatro medicamentos consumindo hoje 70% do orçamento do programa para anti-retrovirais pode ameaçar todo o programa. Esses medicamentos são o lopinavir/ritonavir (Abbott), tenofovir (Gilead), efavirenz (Merck & Co, Inc) e nelfinavir (Agouron).

Entre 1999 e 2004, os preços dos medicamentos de primeira escolha caíram de US$ 12 mil (doze mil dólares) para menos de US$ 160 (cento e sessenta dólares) por causa da concorrência dos genéricos. A produção local do Brasil teve um impacto mundial nos preços dos medicamentos. Portanto, nós apoiamos o pedido de licença compulsória do lopinavir/ritonavir (Kaletra) ou de qualquer outra medicação de segunda escolha. Além disso, gostaríamos de encorajar as autoridades brasileiras a permitirem a exportação de anti-retrovirais para outros países onde os pacientes necessitam desesperadamente de acesso a esses medicamentos.

Sinceramente,

Karim Laouabdia
Diretor da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais
Médicos Sem Fronteiras

Notas:

(1) Países como Índia e Brasil, com ampla capacidade de produção de genéricos reconhecem agora patentes de produtos de medicamentos e não podem mais produzir versões genéricas de medicamentos novos que geralmente gozam de um monopólio de 20 anos.
(2)Em 2002, MSF exportou medicamentos anti-retrovirais genéricos da Farmanguinhos para os projetos de MSF na África do Sul, conseguindo assim reduzir sensivelmente os preços dos tratamentos.
(3) O tenofovir, por exemplo, só está registrado em 4 dos 95 países nos quais ele seria vendido a preço preferencial.
(4) Conhecido na imprensa brasileira como “quebra de patente”.

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