MSF conclama governos a apoiarem suspensão de patentes durante a pandemia

Proposta ampliaria acesso a vacinas e medicamentos e deve ser discutida amanhã na OMC

MSF conclama governos a apoiarem suspensão de patentes durante a pandemia

Na véspera de negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) para considerar um pedido histórico de suspensão de alguns dispositivos de propriedade intelectual (PI) durante a pandemia, Médicos Sem Fronteiras (MSF) conclama todos os governos a apoiarem esse passo importantíssimo na busca de vacinas e tratamento acessíveis para a COVID-19.

A proposta, apresentada por Índia e África do Sul em outubro, permitiria que todos os países pudessem optar por não conceder nem aplicar patentes e outras formas de propriedade intelectual relacionadas a medicamentos, vacinas, diagnósticos e outras tecnologias para COVID-19 durante a pandemia, até o momento em que toda a população esteja protegida contra a doença

Na última reunião do Conselho TRIPS (acordo no âmbito da OMC sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), em 15 e 16 de outubro, Quênia e Eswatini juntaram-se à Índia e à África do Sul para copatrocinar oficialmente a proposta de isenção. Um total de 99 países mostraram apoio em geral. Mas a proposta de isenção não está sendo apoiada por vários países ricos, incluindo os EUA, Reino Unido, Japão, Canadá, Austrália, Noruega, Suíça e União Europeia. O Brasil também não apoiou a proposta e no relatório emitido pela OMC consta como um país com posição contrária. Organizações e indivíduos da sociedade civil brasileira lançaram carta criticando esta postura. O assunto deve voltar à pauta em uma reunião amanhã.

“Os governos precisam se perguntar de que lado da história desejam estar quando os livros sobre essa pandemia forem escritos”, afirma Sidney Wong, codiretor executivo da Campanha de Acesso de MSF.

Esse movimento de suspensão de patentes remonta a lições aprendidas há 20 anos atrás, na epidemia de HIV / AIDS, quando medicamentos genéricos a preços acessíveis, desenvolvidos em países onde as patentes não impediam a produção, começaram a salvar milhões de vidas.
“Nem mesmo uma pandemia global se demonstra capaz de impedir que as empresas farmacêuticas sigam com sua abordagem usual. Então, os países precisam usar todas as ferramentas disponíveis para garantir que os produtos médicos para COVID-19 sejam acessíveis para todos que precisam deles”, afirma Wong. “Todas as ferramentas e tecnologias de saúde para COVID-19 devem ser verdadeiros bens públicos globais, livres das barreiras que as patentes e outras formas de propriedade intelectual impõem. Estamos conclamando todos os governos a apoiarem urgentemente essa proposta inovadora que coloca vidas humanas acima dos lucros corporativos neste momento crítico para a saúde global.”

Desde o início da pandemia, as empresas farmacêuticas mantiveram sua prática padrão de controle rígido sobre os direitos de propriedade intelectual, enquanto buscam acordos comerciais secretos e monopolistas que excluem muitos países em desenvolvimento dos benefícios. Por exemplo, a empresa Gilead entrou em um licenciamento bilateral restritivo para um dos únicos medicamentos que mostraram benefício potencial no tratamento de COVID-19, o remdesivir, excluindo quase metade da população mundial dos benefícios da concorrência de genéricos para a redução de preços.

Além disso, vários medicamentos novos e reaproveitados e anticorpos monoclonais em teste como tratamentos promissores para COVID-19 já foram patenteados em muitos países em desenvolvimento, como Brasil, África do Sul, Índia, Indonésia, China e Malásia. E, com exceção de uma empresa, nenhum dos desenvolvedores da vacina para COVID-19 se comprometeu a tratar a propriedade intelectual de maneira diferente do que a forma habitual. Embora algumas empresas tenham realizado acordos de licenciamento e transferência de tecnologia para tentar mitigar a escassez de suprimento de vacinas potencialmente bem-sucedidas, esta tem sido a exceção, e os acordos de licenciamento muitas vezes apresentam limitações graves.

Historicamente, medidas foram tomadas para superar os monopólios que permitiram às empresas farmacêuticas manter os preços artificialmente altos. Em 2001, no auge da epidemia de HIV/AIDS, a “Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Pública” afirmou os direitos dos governos de tomar todas as medidas necessárias para eliminar patentes e outras barreiras de propriedade intelectual, colocando os países no comando, para que pudessem priorizar a saúde pública sobre interesses corporativos. Este pedido de isenção atual à OMC é uma etapa semelhante para acelerar a resposta à COVID-19.

“Este passo ousado dos governos oferece ao mundo a chance de evitar a repetição da tragédia da epidemia de HIV/AIDS há 20 anos, quando os monopólios de tratamentos essenciais fizeram com que pessoas em países de alta renda tivessem acesso a medicamentos enquanto milhões de pessoas em países em desenvolvimento morreram sem essa oportunidade”, diz Khosi Mavuso, representante médico de MSF na África do Sul. “A suspensão dos monopólios sobre ferramentas médicas para COVID-19 permitirá a colaboração global para aumentar a produção, o fornecimento e o acesso para todos. Com mais de 1,3 milhão de vidas perdidas para a COVID-19, os governos não podem perder mais tempo esperando por movimentos voluntários da indústria farmacêutica.”

 

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