MSF e entidades pedem ao CADE que interrompa com urgência abuso de preços em tratamento para hepatite C

Solicitação de liminar ocorre depois que suspensão de genotipagem pelo Ministério da Saúde reforçou monopólio da farmacêutica Gilead no mercado brasileiro

Médicos Sem Fronteiras (MSF), Defensoria Pública da União (DPU) e  outras nove organizações ligadas à saúde e a direitos dos consumidores ingressaram hoje com um pedido de liminar para que o CADE, órgão brasileiro de defesa da concorrência, interrompa a cobrança de preços abusivos por parte da farmacêutica Gilead na venda no Brasil de medicamentos para hepatite C.

A Gilead possui o monopólio para a comercialização de tratamentos contra hepatite C e vem utilizando essa posição para praticar preços extremamente elevados, muito superiores aos ofertados em outros países e exorbitantes se comparados com o custo de genéricos disponíveis  onde a empresa não detém a patente do produto.

Em razão da suspensão dos exames de genotipagem em pacientes de HIV e hepatite C, a empresa Gilead agora é praticamente a única fornecedora ao governo de medicamentos para a doença. Isso porque, sem a possibilidade de realização dos exames, os medicamentos associados ao sofosbuvir passam a ser uma das únicas opções viáveis, por ser pangenotípico (efetivo contra diferentes tipos de vírus causadores da doença).

O mesmo grupo de entidades que pede hoje a liminar já havia entrado, em outubro de 2019, com uma representação no próprio CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) questionando as práticas abusivas da Gilead na comercialização de medicamentos que contenham sofosbuvir.

Para Eloísa Machado, professora da FGV e uma das advogadas do caso, “a questão fica mais preocupante no contexto de recursos escassos para a saúde pública e dos gastos esperados com a vacina contra o novo coronavirus. O CADE precisa agir urgentemente para coibir esses abusos”.

Os últimos pregões realizados pelo Ministério da Saúde para a compra de medicamentos contra hepatite C já vinham comprovando a posição dominante e abusiva da Gilead no mercado. Em 24 de abril, ela foi a única empresa a apresentar propostas que cumpriam os requisitos do certame. Entretanto, o pregão terminou sem a efetivação da compra, porque os preços foram considerados abusivos pelo próprio Ministério da Saúde.

Enquanto o Ministério estimava o valor de um dos tratamentos em R$ 4.721,07 por paciente, a Gilead ofereceu-o a R$ 15.167,35. Depois de negociações em que o próprio pregoeiro do Ministério da Saúde qualificou os preços como “exorbitantes”, o valor foi reduzido para R$ 6.522,47, ainda assim muito acima do aceitável. Cinco dias depois, sob risco de desabastecimento, o Ministério marcou novo pregão, dessa vez elevando o preço estimado para R$ 6.522,47, justamente o menor valor oferecido pela Gilead no certame fracassado. O novo pregão se encerrou com a aceitação do valor final de R$ 6.306,28, muito próximo do que havia sido ofertado pela Gilead no pregão anterior.

Desta forma, em um contexto onde a companhia já detém a posição dominante e a exerce abusivamente, as circunstâncias que agora reforçam essa posição tornam maiores os riscos de prejuízo à concorrência, aos consumidores e, principalmente, aos pacientes da rede pública de saúde, inviabilizando o acesso ao medicamento. Estima-se que mais de 700 mil pessoas sejam portadoras do vírus da hepatite C no Brasil, mas até agora apenas 130 mil tiveram acesso ao tratamento da doença por meio do SUS.

Além do pedido de liminar, as entidades também fazem a solicitação de uma audiência urgente com o Superintendente-Geral do CADE.

Além de MSF e DPU, o documento é assinado pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), Grupo de Incentivo à Vida (GIV), Fórum das ONGs Aids do Estado de São Paulo (FOAESP), Fórum de ONGs Aids do Rio Grande do Sul, Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (GAPA/BA), Grupo Solidariedade é Vida e Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais (UAEM).

 

Compartilhar