MSF ensina a população a tratar ferimentos na Cisjordânia para socorrer vítimas durante ataques

Acesso às unidades de saúde é constantemente bloqueado pelas forças israelenses durante as incursões militares, o que impede que a população receba cuidados médicos urgentes

Participantes reunidas para treinamento. Outubro de 2024. © Oday Alshobaki/MSF

É uma manhã ensolarada no acampamento de refugiados de Nur Shams, em Tulkarem, Cisjordânia. Mais de 20 mulheres entram em uma sala montada pela equipe de Médicos Sem Fronteiras (MSF), se sentam em círculo e conversam enquanto tomam café. No meio da sala, há uma mesa com gaze, materiais para torniquete e gráficos explicando o fluxo sanguíneo no corpo humano. Este é o treinamento “pare o sangramento”, de MSF.

A maioria das mulheres reunidas nesta sala tem pouco ou nenhum treinamento médico, mas ferimentos traumáticos e sangramentos graves não são novidade para elas. O grupo está reunido para aprender a cuidar de ferimentos, aplicar torniquetes e fornecer primeiros socorros básicos a familiares e vizinhos até que eles consigam alcançar atendimento médico durante as frequentes incursões militares das forças israelenses.

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“Sofremos com ataques, bombardeios e ferimentos por tiros”, relata Saeda Ahmad, participante do treinamento no acampamento de Nur Shams. “Muitas vezes, temos uma pessoa ferida bem na nossa frente. Nesses casos, é importante termos o conhecimento e a experiência para administrar adequadamente os primeiros socorros. Durante os ataques, é extremamente difícil para as ambulâncias chegarem ao local. É por isso que todos no acampamento precisam ter algum conhecimento de primeiros socorros, para que possamos ajudar a pessoa ferida.”

No acampamento de refugiados de Nur Shams, em Tulkarem, mulheres praticam técnicas práticas para estancar sangramentos. Outubro de 2024. © Oday Alshobaki/MSF

Em Tulkarem, os ataques das forças militares israelenses estão se tornando cada vez mais frequentes, e os bloqueios de acesso à assistência médica fazem parte do modus operandi. Estradas são bloqueadas, ambulâncias não conseguem se mover, profissionais de saúde são ameaçados, atacados ou impedidos de alguma forma, e pessoas feridas muitas vezes não conseguem chegar aos hospitais.

Assista:

As incursões das forças israelenses também estão aumentando em violência e intensidade. No dia 3 de outubro de 2024, 18 pessoas foram mortas em um ataque aéreo no acampamento de refugiados de Tulkarem. O uso de drones e os bombardeios aéreos das forças israelenses em áreas densamente povoadas e em acampamentos de refugiados tem se tornado cada vez mais frequente.

As incursões também estão aumentando em duração, e não apenas em Tulkarem. Em agosto, em Jenin, as forças israelenses realizaram uma incursão militar em larga escala que durou nove dias.

Escombros de um ataque aéreo israelense no acampamento de refugiados de Tulkarem em 3 de outubro, que matou 18 pessoas. Foi o ataque mais mortal na Cisjordânia desde 2005 © Oday Alshobaki/MSF

Neste contexto de violência e insegurança constantes, as pessoas nos acampamentos conversaram com a equipe de saúde mental de MSF sobre os profundos impactos psicológicos desses ataques. As incursões militares das forças israelenses remodelam as vidas das pessoas, tirando delas a sensação de normalidade ou qualquer sensação de segurança. As pessoas estão sempre lidando com as consequências da última incursão, reconstruindo ruas e casas destruídas, enquanto prendem a respiração até o próximo ataque militar.

MSF também está fornecendo primeiros socorros psicológicos aos moradores do acampamento, para lidar com os problemas significativos de saúde mental decorrentes do impacto dessas incursões, que afetam todos os moradores, mas principalmente as crianças.

As crianças pararam de brincar nas ruas. Elas passam a maior parte do tempo em casa e não conseguem sair.”

– Depoimento de um educador de saúde comunitária de MSF

“A situação é muito difícil. As crianças nos acampamentos têm medo de ir à escola, pois temem que um ataque aconteça enquanto estiverem lá”, diz um educador de saúde comunitária de MSF em Tulkarem. “Na vida doméstica, a estabilidade desapareceu. As pessoas estão sempre tensas. As crianças pararam de brincar nas ruas. Elas passam a maior parte do tempo em casa e não conseguem sair. Não podem nem ir comprar o que precisam porque os pais não as deixam sair, com medo de que um ataque ou incidente ocorra enquanto estiverem fora. Existem crianças cujo tempo de brincadeira se tornou totalmente centrado na violência que vivenciaram.”

Saiba mais:

Em um contexto de medo e insegurança, torna-se impossível para as pessoas viverem uma vida comum ou planejarem o futuro. Treinamentos como “pare o sangramento” podem proporcionar alguma sensação de controle sobre a situação, dando aos moradores as ferramentas para agir em uma emergência médica durante um ataque, mas sua própria existência destaca a gravidade da situação na Cisjordânia.

Na sala onde acontece o treinamento, enquanto os participantes praticam o enrolar de gazes nos braços uns dos outros, feridas emocionais também se revelam. Em conversas, eles compartilham histórias da violência que vivenciaram, relatos e fotos de familiares mortos na tela de bloqueio de celulares. As feridas psicológicas também são profundas. E curá-las leva mais tempo do que aplicar pressão ou apertar um torniquete.

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