MSF lança relatório sobre doenças negligenciadas

Estudo será apresentado pela primeira vez no país durante Congresso Internacional de Medicina, que será realizado de 23 a 27 setembro

A organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) lançará no Brasil, nesta quarta-feira (dia 26), o relatório “Fighting Neglect” (“Combatendo a Negligência”, em português). O estudo, que será apresentado pela primeira vez no país durante o 18º Congresso Internacional de Medicina Tropical e Malária, mostra a experiência de 25 anos de MSF no manejo da doença de Chagas, da doença do sono e do calazar.

Essas doenças, juntamente com outras 14, são classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como negligenciadas e causam  a morte de cerca de meio milhão de pessoas por ano. Elas afetam, principalmente, as populações mais pobres do mundo.

No relatório “Combatendo a negligência”, MSF faz uma análise do passado, presente e futuro do manejo dessas doenças e conclui que o acesso a tratamento de qualidade requer mais esforços políticos por parte dos principais doadores internacionais e dos países afetados. Nos últimos 25 anos, a organização tem tratado de pessoas com doença de Chagas, doença do sono e calazar na América Latina, África subsariana e no Sul da Ásia e no Cáucaso.

O estudo também chama a atenção para a necessidade de mais investimentos em pesquisa e desenvolvimento, além de novos e efetivos diagnósticos. “Milhares de vidas poderiam ser salvas porque essas doenças são altamente tratáveis e curáveis, mas para isso é preciso políticas para financiar programas que funcionem e iniciativas que desenvolvam métodos de tratamentos e diagnóstico mais eficientes”, diz a médica Carolina Batista, diretora da Unidade Médica de Médicos Sem Fronteiras Brasil.

Como as populações afetadas não representam um mercado consumidor interessante para a indústria farmacêutica, porque são extremante pobres, não há investimentos em melhorias relacionadas ao tratamento. “Os medicamentos usados para o tratamento da doença de Chagas, por exemplo, foram desenvolvidos nas décadas de 60 e 70 e causam efeitos adversos frequentes”, exemplifica Carolina.

Diagnóstico e tratamento
O relatório demonstra, ainda, que é possível diagnosticar e tratar essas doenças, mas, depois de décadas sem ações globais, as necessidades são enormes. “Há um círculo de negligência terrível”, diz Gemma Ortiz Genovese, consultora de MSF para doenças negligenciadas, que estará no Brasil para participar do Congresso de Medicina Tropical. “Os tomadores de decisões políticas não focam esforços nas doenças negligenciadas, alegando que existem meios adequados para tratar os pacientes. A indústria farmacêutica, por sua vez, não investe em pesquisa e desenvolvimento voltados para novos tratamentos e testes de diagnóstico, porque essas doenças atingem principalmente a parcela mais pobre da população mundial, o que significa que não são um mercado lucrativo. Esse ciclo precisa ser quebrado”.

Poderia haver uma melhora rápida na qualidade de vida das pessoas com essas doenças se houvesse um aumento na oferta das melhores estratégias e diagnósticos.

Doença de Chagas
Mais programas de combate à doença de Chagas precisam ser implementados na América do Sul.
Até o ano passado, o Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco era o único fabricante de Benzonidazol, principal medicamento para tratamento da doença de Chagas. A recente chegada de um novo produtor, na Argentina, pode evitar situações como a ruptura de estoque do medicamento, ocorrida em 2011, e possibilitar expansão dos programas de combate à doença de Chagas na América do Sul.
 
Além disso, com o lançamento da versão pediátrica do Benzonidazol, que começou a ser fabricada no Brasil este ano, mais crianças devem ser tratadas.

Calazar
Melhores tratamentos para calazar, incluindo o tratamento combinado com anfotericina lipossomal, deveriam ser oferecidos no Sul da Ásia. O desenvolvimento de métodos de diagnósticos mais modernos e tratamentos mais seguros e de mais fácil aplicação devem ser estimulados para melhor responder às necessidades dos pacientes e possibilitar a disponibilidade do tratamento em áreas remotas.

A maioria dos testes e medicamentos é antiquada e exige profissionais altamente especializados e esquemas logísticos específicos. No leste da África, por exemplo, as opções de tratamento de calazar ainda dependem de medicamentos altamente tóxicos, desenvolvidos nos anos 1930, aplicados com injeções doloridas.

Doença do sono
Uma nova terapia para doença de sono em “estágio dois” foi lançada em 2009. No entanto, sua aplicação depende de 14 infusões que precisam ser administradas em um hospital. O ideal é que, no futuro, o tratamento seja baseado em um medicamento oral eficiente, que possa ser administrado em pessoas que moram na zona rural, sem a necessidade de clínicas de saúde.

Organização Mundial da Saúde
Os Estados Unidos e a Europa recentemente se opuseram, na OMS, à tentativa de dar às inovações médicas para doenças negligenciadas um novo caráter, que priorize os pacientes nos países pobres.

Por outro lado, em janeiro de 2012, em Londres, a OMS, apoiada pela Fundação Bill e Melinda Gates e por países doadores, como Estados Unidos e Reino Unido, lançou um relatório com os melhores meios de controle e eliminação de algumas doenças tropicais. Resultados concretos, no entanto, ainda não apareceram.  

“Para que novos diagnósticos e medicamentos sejam desenvolvidos, é preciso mais que investimentos em inovação. É preciso repensar o modo como são conduzidos os investimentos em pesquisa e desenvolvimento para garantir que as inovações atendam às necessidades de saúde pública nos países pobres”, diz Gemma.

18º Congresso Internacional de Medicina Tropical e Malária
Além de apresentar o relatório “Combatendo a negligência”, MSF participará de três mesas de discussão sobre úlcera de Buruli, malária e financiamento em pesquisa e desenvolvimento. O Congresso será realizado de 23 a 27 de setembro, no Royal Tulip Hotel (R. Aquarela do Brasil, 75, São Conrado), no Rio de Janeiro.

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