MSF responde editorial do Wall Street Journal

Jornal americano escreveu artigo criticando a decisão da Tailândia de emitir licença compulsória para dois medicamentos

Ao Editor do "Wall Street Jornal"

Para o Wall Street Jornal (Guerra de medicamentos de Bangkok se espalha para o mundo, de 7 de março de 2007) afirmar que ao fazer licenciamento compulsório de medicamentos para AIDS e problemas cardíacos, a Tailândia está "confiscando patentes de medicamentos estrangeiras" é uma expressão incorreta e enganosa. Além disso, chamar de "hooligans anti-patentes" aqueles que apóiam o direito de um país de utilizar o Acordo TRIPS para promover o acesso a medicamentos, conforme reconhecido pela Declaração de Doha, sobre TRIPS e Saúde Pública, da OMC em 2001, é escandalosamente ofensivo.

Os editores do Wall Street Jornal dizem que eles "não são advogados", embora sintam-se suficientemente qualificados em termos médicos para afirmarem que a Tailândia "não tem uma epidemia de HIV/AIDS" e sugerem que o país não tenha o direito de tomar medidas – perfeitamente legais no âmbito das regras internacionais que regem o gerenciamento das patentes de medicamentos – para fornecer medicamentos ao seu povo.

Ao emitir licença compulsória, a Tailândia está considerando o conselho feito pelo Banco Mundial e outros de utilizar as regras da OMC para produzir medicamentos genéricos menos caros no intuito de fornecer o tratamento para o HIV/AIDS às 200.000 pessoas estimadas no país que deles necessitam. Os custos do tratamento de AIDS estão aumentando com os medicamentos anti-retrovirais de segunda linha, que custam na melhor das hipóteses 5 vezes mais que o preço dos tratamentos atuais de primeira linha. Em países como a Tailândia, esses tratamentos custam mais do que vinte e duas vezes! MSF vivencia isso nos seus projetos de tratamento no país.

As regras da OMC são extremamente claras. Os países podem determinar as condições para a emissão de uma licença compulsória. É um equívoco comum perpetuado por editoriais como o seu de que essas licenças só podem ser usadas em casos de emergência.

As regras também estabelecem que negociações anteriores com o detentor da patente são suspensas nos casos em que a licença compulsória for concedida para uso não comercial – como no caso da Tailândia – nos casos de emergência nacional e outros casos de extrema urgência ou para remediar práticas anti-competitivas, algo que seu editorial prefere ignorar.

Ainda, dizer que "nenhum governo sério já pretendeu utilizar o licenciamento compulsória, mesmo ele sendo permitido pelas regras da OMC", vocês passaram direto o olho nas cinco licenças compulsórias emitidas pelos Estados Unidos desde junho de 2006, para propósitos tão diversos como indústria automobilística, satélite de TV, software, ou até mesmo instrumentos médicos.

Pesquisa e desenvolvimento farmacêutico são caros e alguém tem que pagar por isso. Mas no sistema atual essa pessoa é o paciente –se você não tem como pagar, os medicamentos que você precisa não são desenvolvidos e você não pode ser tratado. Contar com as patentes não estimula a pesquisa necessária para enfrentar as necessidades de bilhões de pessoas nos países em desenvolvimento, conforme foi recentemente provado no respeitável relatório da CIPIH da OMS.

Precisamos encontrar novos caminhos para estimular a inovação farmacêutica tendo como base as reais necessidades em saúde e o acesso aos novos produtos para todos que deles necessitarem. Mas nunca alcançaremos isso ao difamar aqueles que estão lutando por isso ou perpetuando mentiras sobre os acordos internacionais de comércio, tal como o Wall Street Jornal optou por fazer.

Christophe Fournier, MD, Presidente Internacional
Ellen ‘t Hoen, LLM, Diretora de Política e Advocacy,
Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais
Médicos Sem Fronteiras (MSF)

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