MSF se despede de projeto em Bafatá, na Guiné-Bissau

O chefe da equipe médica no projeto, Erling Larsson, fala sobre a transferência do trabalho para outra organização

MSF se despede de projeto em Bafatá, na Guiné-Bissau

Erling Larsson, médico sueco, foi o último chefe da equipe médica do projeto de cuidados de saúde pediátrica que MSF implementou na região de Bafatá, de novembro de 2014 a abril de 2018. Nesta entrevista, ele explica os desafios de fechar um projeto e os principais resultados do trabalho de MSF na região.

Por que MSF decidiu começar a trabalhar na região de Bafatá?

O objetivo geral do projeto era reduzir a mortalidade infantil através do reforço do sistema de saúde pública. A Guiné-Bissau não tem um governo estável há vários anos e a ajuda financeira externa tem sofrido reduções significativas devido a essa instabilidade. Essa situação teve um impacto importante num sistema público por si só debilitado e com poucos recursos.

Durante esses três anos e meio, mantivemos as unidades de neonatologia e pediatria e um programa nutricional para crianças com menos de 5 anos de idade no hospital regional de Bafatá. Também apoiamos vários centros de saúde na área rural da região e formamos agentes de saúde comunitária para que consigam diagnosticar e tratar malária, diarreia e infecções respiratórias agudas. Ao mesmo tempo, montamos um sistema para transferir doentes da comunidade para o hospital.

Quais foram os principais resultados do projeto?

As atividades foram muito bem escolhidas porque foram ações muito necessárias que, sem dúvida, tiveram um impacto na redução da mortalidade. Por exemplo, fomos os primeiros a implementar a profilaxia química para a malária sazonal no país – um tratamento preventivo que é administrado às crianças durante os meses com mais casos de malária. Isso continua agora em Bafatá e nas regiões vizinhas. Também apoiamos o diagnóstico e tratamento de doenças comuns, como a malária ou a diarreia, no nível da comunidade; é uma estratégia que está incluída no programa nacional de saúde, mas que não estava sendo realizada. Agora, todo esse conhecimento permanece.

Também fomos uma boa escola para os profissionais de saúde que trabalharam conosco e que conseguiram ver como funciona um sistema de prestação de serviços de saúde profissional e bem estruturado. Não devemos subestimar esse grupo de pessoas que levará consigo o conhecimento e a possibilidade de trabalhar de maneira mais profissional. Devemos ter em mente que no atual sistema público essas pessoas têm muito pouco apoio, muitas vezes não têm os equipamentos ou medicamentos necessários, não têm supervisão etc., mas os conhecimentos adquiridos pelos jovens médicos e enfermeiros que trabalharam conosco durante três anos permanecerão.

MSF também realizou um estudo sobre a febre em Bafatá. Quais foram os resultados?

O estudo foi realizado para descobrir a causa da febre em crianças que não têm malária ou sintomas evidentes de outras doenças que precisam de antibióticos, como a pneumonia. Com base nessa análise, queríamos saber se essas crianças precisavam de algum tratamento específico e se deveríamos mudar o nosso protocolo com base nessa informação. Finalmente, o estudo revelou que, na maioria dos casos, a febre era causada por vírus comuns que não necessitavam de nenhum tratamento específico. Portanto, não foi necessário alterar o protocolo e ainda tínhamos mais elementos para explicar que esses doentes não deveriam receber antibióticos de rotina, pois na maioria dos casos não responderiam aos antibióticos.

Por que MSF decidiu deixar de trabalhar na região?

Como organização humanitária de emergência, a prioridade de MSF é trabalhar nos contextos mais críticos onde as necessidades são mais urgentes, por isso normalmente não trabalhamos durante muitos anos em locais estáveis como Bafatá, onde há necessidades óbvias, mas onde outras organizações ou agentes podem trabalhar.

Conseguimos transferir o nosso trabalho no nível comunitário para outra ONG que continuará a apoiar os agentes de saúde comunitária. A partir de agora, o Ministério da Saúde assumirá a responsabilidade pelos centros de saúde e pelo hospital. Devido à falta de recursos humanos no país, sabemos que será difícil manter o mesmo nível, especialmente no hospital. É sempre difícil fechar um projeto, especialmente quando ele está funcionando bem e há necessidades. No entanto, é a realidade do nosso trabalho e temos de enfrentá-la.

Qual foi a reação da comunidade?

Comunicamos os nossos planos às autoridades de saúde e políticas com meses de antecedência em várias reuniões. Também falamos com líderes comunitários e religiosos, algo extremamente importante na Guiné-Bissau. Como o sistema público é muito fraco no país, os líderes comunitários e religiosos desempenham um papel essencial na organização das suas comunidades. Por exemplo, quando os professores não recebem salários durante muito tempo, esses líderes reúnem dinheiro para lhes pagar alguma coisa para que possam continuar o seu trabalho. Entenderam porque íamos sair de Bafatá, mesmo não estando satisfeitos com isso, e ajudaram-nos a explicá-lo à comunidade.

Também doamos medicamentos e material médico aos centros de saúde e ao hospital, um gesto que foi muito apreciado. Fizemos a doação na presença de líderes comunitários e religiosos que entenderam que isso era bom para a sua comunidade e que tinham de ser usados de maneira responsável. Por outro lado, todo o trabalho logístico realizado nesses anos nos centros de saúde e no hospital também é um benefício para os habitantes de Bafatá.

MSF tem outros projetos na Guiné-Bissau?

Sim, MSF trabalha atualmente no Hospital Nacional Simão Mendes, na capital do país, e a este centro chegam crianças de todos os hospitais regionais, incluindo Bafatá. Com efeito, transferimos algumas crianças cuja condição era de particular preocupação de Bafatá para o Hospital Simão Mendes, para que aí pudessem continuar o seu tratamento. E a partir daqui continuaremos a vigiar a situação em Bafatá, caso surja alguma emergência médica ou humanitária a que tenhamos de dar resposta.
 

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