Na Cisjordânia, forças israelenses e colonos intensificam a violência contra palestinos

Violência na Cisjordânia aumentou desde o início da escalada brutal dos conflitos em Israel e em Gaza, em 7 de outubro; 165 palestinos foram mortos e mais 2.400 ficaram feridos na região.

Equipe de MSF em mesquita destruída por ataque aéreo que matou dois palestinos no acampamento de refugiados de Jenin, em 22 de outubro de 2023. © MSF/Faris Al-Jawad

São 2h30 da manhã, e os médicos estão reunidos do lado de fora da entrada do hospital de Jenin, na Cisjordânia, no Território Palestino. Uma breve pausa no tiroteio é seguida pelo som de homens gritando e o barulho de pneus, quando um riquixá de três rodas – ou tuk-tuk – entra pelos portões do hospital. Logo, um amontoado de corpos ensanguentados começa a tomar forma na parte de trás.

Homens jovens com buracos de bala no abdômen e na parte inferior das coxas são colocados em macas e empurrados para a sala de emergência, onde são examinados, enfaixados e levados às pressas para a sala de cirurgia.

“A maioria dos pacientes que recebemos foi baleada no abdômen e nas pernas”, diz Pedro Serrano, médico da unidade de terapia intensiva de Médicos Sem Fronteiras (MSF). “Alguns tiveram o fígado e o baço destruídos, enquanto outros sofreram lesões vasculares graves”, acrescenta. “Tivemos um caso muito dramático de um homem que estava andando do lado de fora da entrada do hospital quando foi baleado na cabeça por um atirador de elite. A violência é contínua, e a maioria dos pacientes que recebemos tem ferimentos que colocam suas vidas em risco.”

Equipe médica de MSF atuou no atendimento a feridos após incursão israelense no acampamento de refugiados de Jenin, no dia 27 de outubro. ©MSF/Faris Al-Jawad

Desde que essa guerra mortal em Gaza começou em 7 de Outubro, houve um aumento da violência na Cisjordânia. Em Jenin, os médicos de emergência de MSF têm sido chamados ao hospital público quase todas as noites, à medida que as incursões israelenses com tanques e tropas terrestres atingem a cidade. No último mês, as forças israelenses mataram 30 pessoas e feriram pelo menos mais 162 somente na cidade de Jenin.*

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Os paramédicos locais do acampamento de refugiados de Jenin têm que usar um tuk-tuk, doado por MSF, para percorrer os becos estreitos do acampamento para recolher os feridos. As forças israelenses frequentemente bloqueiam a entrada do acampamento, tornando quase impossível para as ambulâncias entrarem e saírem com os feridos graves a tempo de salvar suas vidas.

Do lado de fora do hospital, uma ambulância perfurada por buracos de bala está cercada por um grupo de paramédicos que olham fixamente para a noite agitada. Um deles diz que foi alvejado enquanto tentava chegar até os feridos no acampamento, o que os obrigou a evacuar a ambulância e se proteger no chão por 20 minutos até que as forças israelenses fossem embora.

O rastro de destruição pode ser visto não apenas nas pessoas com ferimentos por bala e estilhaços no hospital de Jenin, mas também na própria cidade, onde a infraestrutura e os edifícios palestinos simbólicos foram derrubados e destruídos por escavadeiras e tanques.

Mesquita destruída em ataque aéreo israelense em Jenin. © MSF/Faris Al-Jawad

Incursões e incidentes violentos não são exclusivos de Jenin. Em toda a Cisjordânia, 165 palestinos foram mortos desde 7 de outubro e mais de 2.400 ficaram feridos, de acordo com as autoridades palestinas.

Além disso, cerca de 6 mil habitantes de Gaza que tinham empregos em Israel antes da guerra, mas cujas permissões de trabalho foram canceladas, agora vivem em centros de deslocamento na Cisjordânia, de acordo com o Ministério do Trabalho palestino.

As equipes de MSF visitam esses centros de deslocamento para doar suprimentos médicos – incluindo medicamentos para doenças não transmissíveis – e oferecer apoio à saúde mental. Alguns pacientes disseram à equipe de MSF que foram espancados, humilhados e abusados enquanto estavam detidos pelas forças israelenses nas semanas que se seguiram ao dia 7 de outubro.

“Nós tratamos alguns pacientes que mostraram sinais de terem sido amarrados e espancados, supostamente por forças israelenses”, diz Yanis Anagnostou, que coordena as atividades de saúde mental de MSF em Jenin. “Eles relatam que foram aterrorizados por várias horas antes de serem deixados na fronteira da Cisjordânia.”

Roupas ensanguentadas no local onde aconteceu um ataque aéreo em Jenin. © MSF/Faris Al-Jawad

Violência e deslocamento forçado

Na província de Hebron, no sul da Cisjordânia, a violência envolvendo as forças israelenses e os colonos (israelenses que vivem nos assentamentos na Cisjordânia), o deslocamento forçado e as restrições aos movimentos das pessoas afetaram todos os aspectos da vida cotidiana dos palestinos. Moradores locais contaram às equipes de MSF, que trabalham na região desde 2001, que se sentem inseguros até mesmo ao andar pelas próprias ruas. Também relataram restrições no acesso a serviços básicos, incluindo mercados de alimentos e cuidados com a saúde.

Desde 7 de outubro, pelo menos 111 famílias palestinas, com cerca de 905 pessoas, não tiveram outra opção a não ser deixar suas casas na Cisjordânia devido à violência e à intimidação das forças israelenses e dos colonos, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).

• Assista: Ataque a acampamento de refugiados na Cisjordânia deixa mortos e feridos

Em South Hebron Hills, entre as dezenas de famílias desalojadas de suas casas, duas delas foram forçadas a sair depois que os colonos queimaram suas casas, roubaram painéis solares e barris de água e cortaram os canos de água. Nossas equipes responderam, fornecendo assistência médica mental e kits de deslocamento para as pessoas afetadas.

As equipes de MSF baseadas em Hebron também estão fornecendo às famílias itens de primeira necessidade, incluindo cobertores, colchões e aquecedores, além de suporte de saúde mental às pessoas que foram expostas à violência ou deslocadas à força de suas casas.

“Uma mulher, cuja casa foi totalmente queimada, me contou que ainda se sente insegura e com medo”, conta Mariam Qabas, supervisora de promoção de saúde de MSF em Hebron. “Ela me disse: ‘Nunca pensei em deixar minha terra ou minha casa dessa forma, mas não posso arriscar meus filhos e minha família. Não consigo ver o futuro, me sinto desamparada e impotente’. Essas são reações completamente habituais a circunstâncias muito incomuns, nas quais as pessoas estão enfrentando intensa violência e insegurança.”

MSF pede que as autoridades israelenses demonstrem moderação na Cisjordânia, ponham fim à violência e aos deslocamentos forçados de palestinos e parem de implementar medidas restritivas que impeçam a capacidade dos palestinos de acessar serviços básicos, incluindo cuidados médicos.

Como os bombardeios e a punição coletiva às pessoas em Gaza permanecem inabaláveis, e a ilegalidade e o derramamento de sangue se espalham pela Cisjordânia, a necessidade de um cessar-fogo e de uma trégua humanitária é urgente, mais do que nunca.

• Veja também: Em Gaza, cirurgião relata impossibilidade de evacuar pacientes do hospital

Zouhir, como muitos outros moradores de Gaza deslocados na Cisjordânia, tem acompanhado os acontecimentos na cidade de um ginásio esportivo lotado em Jenin, onde ele e centenas de outros trabalhadores deslocados dormem.

“Hoje, nosso sofrimento é estar longe de nossos filhos e de nossas famílias”, diz ele. “Falamos com nossos filhos em Gaza e choramos. Gostaria que eles me mandassem de volta para Gaza, onde estão meus filhos e netos. Nosso sofrimento é que estamos impotentes e não podemos fazer nada.”

*Números do Ministério da Saúde da Palestina

 

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