Na Síria, condições de água e saneamento ameaçam a saúde das pessoas

Falta de serviços adequados em acampamentos de deslocados contribui para a disseminação de doenças; crianças são particularmente vulneráveis.

Equipes de MSF verificam as latrinas e os buracos de esgoto no campo de deslocamento em Idlib. Foto: Abdul Razzak Al-Shami/MSF ‌

Jindires, uma cidade antes magnífica localizada no noroeste da Síria, perto da fronteira com a Turquia, está reduzida a escombros, carregando as cicatrizes de uma guerra implacável e de um recente terremoto. No noroeste da Síria, nove em cada 10 pessoas que foram recentemente deslocadas pelos terremotos já haviam sido deslocadas anteriormente pela guerra pelo menos uma vez.

Muitas dessas pessoas encontraram abrigo temporário nos campos de deslocados, mas enfrentam uma difícil nova realidade, sem estabilidade ou recursos para as necessidades básicas de sobrevivência, particularmente em Jindires. O terremoto teve um impacto evidente no sistema de água e saneamento da cidade, que já estava gravemente enfraquecido após mais de 12 anos de guerra.

O recém-criado acampamento ‘Al-Eman‘, em Jindires,  onde equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) estão respondendo às necessidades, abriga 2.130 pessoas. Entre os que vivem no campo está Emm Hassan, mãe de cinco filhos, que foi deslocada pelo terremoto depois que sua casa desabou. Antes, ela já havia sido forçada a sair do oeste de Aleppo devido à guerra.

“Perdemos tudo, inclusive nossa vida diária. A vida no campo é incrivelmente difícil.”

– Emm Hassan, deslocada pelo terremoto.

“Com acesso limitado à água potável, falta de saneamento e instalações de higiene, nossas crianças estão adoecendo com doenças como cólera, sarna e leishmaniose. Todos os meus cinco filhos contraíram leishmaniose, deixando cicatrizes em seus rostos que levarão anos para curar”, diz Hassan.

Quando as pessoas chegaram ao acampamento, enfrentaram a falta de água limpa. Cada um tinha nove litros de água disponíveis, enquanto os padrões internacionais exigem 20 litros por dia. Não há latrinas suficientes, apenas uma para cada 90 pessoas. Além disso, não há um sistema de esgoto adequado para o descarte de resíduos.

“A infraestrutura de água e saneamento em campos de recém-deslocados é severamente limitada”, diz Halim Boubaker, coordenador-médico de MSF na Síria. “A falta de água limpa e o uso de fontes de água contaminadas aumentam o risco de doenças transmitidas pela água, como cólera e hepatite. Latrinas insuficientes ou inadequadas comprometem a higiene e a privacidade e aumentam o risco de doenças transmissíveis, como a sarna.

Equipes de MSF verificam as latrinas e os buracos de esgoto no campo de deslocamento em Idlib. Foto: Abdul Razzak Al-Shami/MSF

Casos de sarna

As condições de vida precárias nos acampamentos criaram um ambiente propício à transmissão de sarna, uma condição contagiosa da pele causada pela infestação de ácaros que causam coceira. Por meio de clínicas móveis e de atividades de saúde da comunidade, equipes de MSF em colaboração com profissionais parceiros detectaram um aumento significativo nos casos de sarna no noroeste da Síria em maio.

Na cidade de Afrin, uma avaliação conduzida pela organização parceira síria Al-Ameen em 10 campos, que abrigam aproximadamente 13 mil pessoas, identificou mais de 3.600 casos de sarna – mais da metade em crianças menores de 10 anos. Nossas equipes analisaram as principais razões por trás da propagação da doença e descobriram que ela está ligada principalmente ao esgoto a céu aberto e à contínua escassez de água nos campos afetados.

As atividades de água, saneamento e higiene estão entre as prioridades nos esforços de resposta a emergências de MSF para evitar a propagação de doenças em cerca de 100 campos de deslocados. Distribuímos mais de 8 mil metros cúbicos de água limpa; instalamos mais de mil tanques de água e 130 latrinas móveis; e fornecemos manutenção em 620 latrinas e 90 chuveiros. Distribuímos 111 mil itens de emergência, incluindo kits de higiene, kits de cozinha e kits menstruais para mulheres.

MSF instalando uma latrina móvel em campo de deslocados em Jindires. Foto: Omar Haj Kadour/MSF

Uma luta de uma década

Além do impacto do terremoto e da guerra no sistema de água e saneamento, a Síria tem sofrido cada vez mais com a escassez de água. O país tem dependido de uma combinação de transporte de água de organizações humanitárias e redes de tubulações de água, que são prejudicados pelo fornecimento instável de energia e altos custos de combustível.

Durante o mês de maio, equipes de MSF realizaram avaliações em 48 campos de deslocados e dois vilarejos localizados no noroeste da Síria, que abrigam cerca de 60 mil pessoas deslocadas internamente. De acordo com a avaliação, 70% dos campos dependiam exclusivamente de caminhões de água como fonte de água potável. Embora todos os campos tivessem latrinas, metade delas exigia manutenção. Além disso, 70% dos campos não tinham chuveiros e 85% não dispunham de redes de águas residuais totalmente operacionais.

Profissional de MSF checa latrina em acampamento em Idlib. Foto: Abdul Razzak Al-Shami/MSF

“Quando chegamos a este acampamento, há cinco anos, nunca [conseguimos] resolver realmente o problema de ter banheiros suficientes”, diz Manhal El-Freij, que administra um acampamento para pessoas deslocadas em Idlib. “A terra aqui é rochosa e difícil de cavar, então não poderíamos fazer banheiros adequados.”

“A maioria dos buracos de esgoto improvisados que as pessoas cavam usando ferramentas básicas não são bons o suficiente”, diz El-Freij.

“Doenças como sarna e piolhos são comuns porque não temos saneamento adequado. As famílias só podem tomar banho uma vez a cada 10 dias.”

– Manhal El-Freij, que administra um acampamento para pessoas deslocadas em Idlib.

Apesar da necessidade urgente de assistência, o setor de água e saneamento na Síria garantiu apenas cerca de 8% do financiamento necessário para 2023. Essa persistente falta de financiamento, combinada com a incapacidade de implementar projetos sustentáveis de longo prazo, dificulta ainda mais os esforços para fornecer serviços adequados de água e saneamento às pessoas que necessitam deles.

Profissional de MSF examina criança com uma cicatriz de leishmaniose em campo de Idlib.

 

“O caminho para reduzir os riscos invisíveis à saúde representados pela água e pelo saneamento para as pessoas deslocadas na Síria parece longo e desafiador”, diz Halim Boubaker, coordenador-médico de MSF na Síria. “Para proteger a saúde e a dignidade das pessoas afetadas pela guerra e pelos terremotos na Síria, é necessária atenção imediata, um financiamento maior e bem orientado, assim como a garantia do acesso sustentável e imparcial à ajuda humanitária”, conclui ele.

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