Navio de resgate de MSF é detido na Itália após ameaças da guarda costeira da Líbia

MSF denuncia que a imposição de sanções ao seu navio e o conluio da Itália com a Líbia é uma forma de impedir que as pessoas busquem segurança e proteção na Europa.

Durante operação de resgate no dia 16 de março, a equipe de MSF no Geo Barents foi ameaçada pela guarda costeira da Líbia. © Stefan Pejovic/MSF

O Geo Barents, navio de busca e resgate operado pela organização médica internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), recebeu uma ordem de detenção de 20 dias das autoridades italianas por, supostamente, não ter cumprido as instruções emitidas pela Guarda Costeira da Líbia e ter colocado em risco a vida de sobreviventes durante uma operação de resgate no Mediterrâneo Central, em 16 de março. MSF nega de forma veemente essas alegações.

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MSF denuncia a imposição de sanções ao seu navio e o conluio sistemático da Itália com a Guarda Costeira da Líbia para impedir a todo custo que as pessoas busquem segurança e proteção na Europa.

“As ações da Itália são ultrajantes”, frisa Juan Matias Gil, representante do projeto de busca e resgate de MSF. “As mesmas autoridades que nos acusam de desobedecer – a Guarda Costeira da Líbia, apoiada pela Itália – foram as que colocaram em risco a vida das pessoas naquele dia. No entanto, somos nós os punidos simplesmente por cumprir nosso dever legal de salvar vidas no mar.”

Em 16 de março, uma equipe de MSF foi ao resgate de 146 pessoas que estavam em perigo, a bordo de um barco de madeira em águas internacionais. No meio do resgate, um navio de patrulha da Guarda Costeira da Líbia – doado à Líbia pelo governo italiano em 2023 – chegou ao local e tentou impedir o resgate. Integrantes da Guarda Costeira da Líbia tentaram embarcar à força em um dos barcos de resgate de MSF e ameaçaram agressivamente os sobreviventes e a equipe de MSF com prisão e remoção forçada para a Líbia.

Por mais de duas horas, o navio-patrulha líbio realizou manobras perigosas na tentativa de bloquear o resgate em andamento, colocando em risco a vida de dezenas de pessoas, incluindo a equipe de MSF.

“Essa detenção é o exemplo mais recente da hipocrisia da União Europeia (UE) e de seus Estados-membros, que estão fazendo tudo o que podem para punir os envolvidos em atividades de busca e resgate, ao mesmo tempo em que são cúmplices das violentas expulsões de milhares de pessoas para a Líbia todos os anos”, diz Gil. “Repetidamente, as autoridades italianas nos pedem para coordenar os resgates com a Guarda Costeira da Líbia, apesar de saberem muito bem que a Líbia não é um lugar seguro para refugiados e migrantes e que devolver à Líbia pessoas em perigo no mar é um crime.”

A detenção do Geo Barents marca a vigésima vez que um navio humanitário de busca e resgate é detido, desde a aplicação de uma nova lei italiana no início de 2023, que visa intencionalmente obstruir as atividades de busca e resgate de organizações não governamentais (ONGs) no mar.

“Nos últimos anos, as ONGs têm sido perseguidas e criminalizadas pelos governos europeus, inclusive pela Itália”, explica Gil. “Esse comportamento é uma tática política suja para impedir a todo custo que as pessoas cheguem à costa europeia. O Geo Barents sempre opera de acordo com as leis marítimas internacionais. Recorremos no tribunal contra essa detenção injusta e, em última análise, perigosa. Mais uma vez, são as pessoas que tentam fugir da Líbia que pagam o preço final, pois mais um navio de busca e resgate é impedido de salvar vidas no mar.”

Além de violar as leis internacionais e europeias, a Lei italiana 15/2023, também conhecida como Decreto Piantedosi, piorou a já insuficiente capacidade de busca e resgate no mar, tornando o Mediterrâneo Central – uma das rotas de migração mais perigosas do mundo – ainda mais mortal.

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MSF pede que as autoridades italianas parem imediatamente de obstruir a assistência de ONGs que salvam vidas no mar e pede que a UE e seus Estados-membros suspendam todo o apoio material e financeiro à Guarda Costeira da Líbia e às autoridades com um histórico de violações dos direitos humanos.

Sobre o resgate realizado por MSF em 16 de março

Em 16 de março de 2024, as equipes de MSF realizaram três operações de resgate diferentes no Mar Mediterrâneo Central. À tarde, após um primeiro resgate de 28 pessoas que estavam em um barco de fibra de vidro, a equipe de MSF começou a resgatar 146 pessoas que estava em perigo em um barco de madeira. Durante a operação de resgate, a Guarda Costeira da Líbia interferiu perigosamente e atrasou a conclusão do resgate. Mais tarde, naquela noite, as equipes de MSF resgataram 75 pessoas de outro barco de fibra de vidro que havia virado, lançando cerca de 45 pessoas na água. Todos os 249 sobreviventes, incluindo um grande número de crianças, desembarcaram em 20 de março em Marina Di Carrara, no norte da Itália.

MSF tem atuado em atividades de busca e resgate desde 2015, trabalhando em oito embarcações de resgate diferentes (sozinha ou em parceria com outras ONGs) e resgatando mais de 91 mil pessoas. Desde o lançamento das operações de busca e resgate a bordo do Geo Barents, em maio de 2021, as equipes de MSF resgataram mais de 11.300 pessoas, recuperaram os corpos de 13 pessoas e ajudaram no parto de um bebê.

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