Nigéria: uma emergência médica na maternidade

Precious Daniel, obstetriz de MSF que trabalha em Jahun, norte da Nigéria, compartilha sua história sobre ensinar, aprender e salvar vidas.

Foto: Maro Verli/MSF

“Irmã, por favor, eu vou ficar bem? Meu bebê vai ficar bem? ”. A paciente estava olhando diretamente nos meus olhos enquanto falava. Ela estava em trabalho de parto há muito tempo. À nossa volta, a equipe se preparava para transferi-la com urgência para a sala de cirurgia.

Sou obstetriz no centro de atendimento obstétrico de MSF em Jahun, ao norte da Nigéria. O projeto oferece atendimento materno e neonatal de emergência, além de um serviço de tratamento de fístulas vaginais, condição muitas vezes causada pela falta de atendimento médico para complicações na gravidez.

Foto: Maro Verli/MSF

As pessoas vêm de muitos estados fora de Jahun; alguns viajam centenas de quilômetros para chegar ao nosso hospital. Observamos mulheres chegando de perto e de longe com complicações como útero rompido, distúrbio hipertensivo ou anemia grave. Quando digo anemia grave, quero dizer mulheres que chegam ao hospital com níveis de ferro de 1,5. O nível normal para uma mulher grávida aqui é de 14 ou mais.

Emergência médica

A paciente que eu estava cuidando naquele dia percorreu um longo caminho para chegar até nós. Ela estava em trabalho de parto em casa, mas o parto foi obstruído. Eles tentaram mover o bebê, mas não tiveram acesso a cuidados médicos especializados, e a paciente começou a sangrar muito. Quando a examinamos, vimos que a placenta havia começado a se desprender precocemente por causa da manipulação feita em casa. Era uma emergência médica tanto para o bebê quanto para a mãe. Ela tinha quase 30 anos. Qualquer bebê é precioso, mas esta foi sua primeira gravidez que progrediu até esse ponto.

“É a primeira vez que estou dando à luz, e eles tiveram que vir apressadamente de uma grande distância para me trazer aqui porque vocês são os melhores aqui. Eles disseram que você vai cuidar do meu bebê. Por favor, me diga: meu bebê vai ficar bem?”.

Condição crítica

Apesar do longo trabalho de parto, o bebê ainda estava vivo. Precisávamos agir rapidamente. Mas antes de qualquer procedimento médico importante, precisávamos obter consentimento. Às vezes, as pessoas precisam que a urgência da situação seja explicada antes de concordar, mas essa família realmente entendeu o perigo. Sua mãe estava lá, sua tia, seu marido. Antes que eu pudesse explicar que sua esposa estava em estado crítico, o marido dela disse: “Eu assinarei, eu assinarei, me dê o formulário, nós daremos o consentimento”.

Corremos com a paciente para a cirurgia. Continuamos a tranquilizá-la de que não deveria se preocupar, de que tudo ficaria bem e, felizmente, entramos na sala de cirurgia e a paciente e seu bebê saíram vivos.

Felicidade e lágrimas

No final do meu turno, fui para casa, mas não conseguia parar de pensar nela. Fiquei me lembrando dela derramando lágrimas e perguntando: “Ficarei bem? Meu bebê vai ficar bem? Tem certeza que meu bebê ainda está vivo? Eu ouvi histórias sobre como você ajuda as pessoas. Por favor, me ajude!”

No dia seguinte, eu estava de plantão matinal, então, assim que pude, fui checá-la. Ela e o bebê estavam bem. Eu estava muito feliz e ela estava muito, realmente muito feliz. Ela estava orando por todos os envolvidos, orando e dizendo: “Deus os abençoará”.

Compartilhar conhecimento

Antes de ingressar definitivamente na equipe de Jahun, eu fazia parte do pool de funcionários temporários que são chamados para fazer contratos de curta duração sempre que há uma vaga que precisa ser preenchida. Sempre que fechava um contrato curto, voltava para casa e compartilhava tudo o que havia aprendido com as obstetrizes da comunidade local.

Eu sentei com essas jovens senhoras. Ensinei a elas o que aprendi neste hospital. Ensinei-lhes tudo sobre como lidar com todas essas complicações de emergência, como ajudar em casos obstrutivos e quando encaminhar um paciente para um serviço de alto nível de atendimento. Aprendi essas habilidades mais amplas aqui em Jahun. Elas estavam muito felizes, e aquelas pessoas que eu ensinei ainda são as que cuidam da comunidade agora.

Uma sensação de realização

Assinei um contrato para fazer parte da equipe permanente de MSF aqui no início de 2021, e isso realmente tornou meu sonho realidade. Vindo para Jahun, aprendi muito. Em termos de lidar com emergências complicadas, aprendi muito. O que fazer, o que não fazer, como fazer e quando fazer. Isso realmente me deu uma sensação de realização como obstetriz. É maravilhoso fazer parte de uma organização onde você vê casos que vão além da sua imaginação, mas onde a equipe trabalha junta para atender o paciente.
Quando pudemos ajudar aquela mãe com seu primeiro filho, mesmo sendo muito grave a situação, fiquei muito impressionada. Ela me fez perceber que consegui o que realmente desejo como obstetriz.

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