“Nossas vidas foram dedicadas à família, ao trabalho humanitário e ao nosso amado Sudão”

Em Histórias de MSF, a coordenadora-geral de projeto Majda Rizq fala como é trabalhar em seu próprio país de origem ao lado do marido, líder da equipe de logística de MSF

Majda is a pharmacist working for MSF since 1996. Born in Sudan, she still lives there with her children. Her husband is also a humanitarian working for MSF.

“Sou Majda Rizq, uma sudanesa cheia de compaixão pelo meu país. Cresci cercada por minha grande família no Sudão, onde estudei, trabalhei, casei e estabeleci minha própria família.

Olhando para trás, parece que a vida que conheci e as memórias que fiz ao longo de décadas são um sonho distante em comparação com a dura realidade de quase dois anos de guerra. No entanto, uma coisa se destaca: meu trabalho humanitário.

Há mais de 25 anos, trabalho com Médicos Sem Fronteiras (MSF). Apesar de ser farmacêutica, já ocupei várias funções operacionais, especialmente em emergências, muitas vezes assumindo múltiplas responsabilidades para atender às necessidades urgentes das pessoas.

Dois anos depois de ingressar em MSF, conheci meu marido, Mohamed Koko, e nos casamos. Ele estava apenas começando seu trabalho no departamento de logística. Tivemos uma história de amor tradicional: trabalhamos juntos, casamos e criamos dois filhos na casa dos 20 anos de idade. Nossas vidas foram dedicadas à família, ao trabalho humanitário e ao nosso amado Sudão.

A força do trabalho humanitário está nas mãos das pessoas que se comprometem a apoiar suas comunidades em tempos de crise.”

– Majda Rizq, coordenadora-geral de projeto de MSF

Conforme os anos foram passando, nos instalamos em Cartum. No segundo dia da guerra, em abril de 2023, porém, não tivemos escolha e nos mudamos para Wad Madani, no estado de Al Jazirah, onde minha mãe e outros familiares moravam. Ficamos lá até dezembro de 2023, mas, como a violência se agravou, fomos forçados a sair novamente e seguimos para Gedaref, um estado onde não tínhamos família ou apoio.

Inicialmente, minha mãe se recusou a sair de casa e ir conosco, mas, em junho de 2024, ela se juntou a nós. Eu não conseguia dormir à noite, estava sempre preocupada com ela. Minha mãe concordou com a mudança, mas com a promessa de que voltaríamos para Wad Madani quando possível — para nossa casa. Infelizmente, ela morreu em Gedaref antes que pudéssemos cumprir essa promessa.

 

Do luto à luta

Em meio a tudo isso, em agosto de 2024, começou um surto de cólera. Fiquei trabalhando na reposta de emergência de MSF na província de Al Gedaref, que envolvia apoio às pessoas sudanesas deslocadas internamente dos estados de Cartum, Al Jazirah e Sennar em clínicas móveis, centros de tratamento de cólera e com serviços de água e saneamento para a comunidade.

O que poderíamos fazer em meio a um surto de cólera? Escolhemos manter o compromisso amoroso de nossa família: apoiar uns aos outros e focar toda nossa energia no trabalho humanitário. Eu sou coordenadora-geral de projeto, e Koko lidera a equipe de logística.

Majda e Koko: uma vida juntos dedicada à família e ao trabalho humanitário. ©Faiz Abubakr

Lembro-me de como a situação estava crítica há meses: quase 1 milhão de pessoas deslocadas em Al Gedaref, um surto de cólera e problemas sérios nos serviços de água, saneamento e saúde. As pessoas não tinham onde morar. As dependências das escolas foram transformadas em abrigos. Estávamos na estação chuvosa, e surtos de doenças se aproximavam.

Pessoas em situação de vulnerabilidade — incluindo idosos, gestantes e crianças — ficaram sem apoio imediato, dependendo apenas de doações de outras pessoas. Nossa equipe trabalhou continuamente, mas a demanda superou em muito nossa capacidade. Nossa preocupação era que, sem uma ampliação da atuação de outros agentes humanitários, a situação entraria em colapso.

Pessoas deslocadas se abrigam na escola de Al Tadamon, no estado de Al Gedaref. ©Faiz Abubakr

Quando começou o surto de cólera, em agosto de 2024, já havíamos montado um centro de tratamento na cidade. Mas com um novo fluxo de pessoas deslocadas, o número de casos disparou. Precisamos de mais leitos e suprimentos para ampliar os atendimentos, e expandimos a capacidade para 60 leitos. Até o final do ano, a equipe de MSF tratou 3.016 casos de cólera.

Um dos maiores desafios que enfrentamos foi a falta de acesso à água potável. Durante a estação chuvosa, as fontes hídricas foram contaminadas e as pessoas não tiveram escolha a não ser beber água do solo, o que as colocou em grande risco.

Imagine animais e humanos bebendo das mesmas fontes de água a caminho de Gedaref. Distribuímos 3,6 milhões de metros cúbicos de água potável e construímos 210 latrinas de emergência para conter a situação.

Além de tratar os pacientes, trabalhamos para conscientizar as comunidades com todos os meios possíveis — espalhando mensagens de saúde, distribuindo cartazes e fornecendo dicas sobre como mitigar a propagação do cólera.

 

Não se trata apenas de MSF

A dedicação da equipe do Ministério da Saúde do Sudão e dos voluntários em Gedaref tem sido fundamental. Sem o apoio deles, não teríamos conseguido ser tão eficazes na resposta ao surto de cólera. Essa experiência é um poderoso lembrete de que a força do trabalho humanitário está nas mãos das pessoas que se comprometem a apoiar suas comunidades em tempos de crise.

Ao refletir sobre a solidariedade de tantos, penso no meu marido, Koko. Embora tenha passado a maior parte do tempo em projetos de MSF em outros países, sempre que há uma emergência no Sudão, ele volta. Quando a guerra começou, não foi diferente. Desta vez, ele se juntou a mim em Gedaref.

Há muitos dias em que me sinto sobrecarregada e perco a esperança, mas o que me faz continuar é saber que tenho uma família amorosa trabalhando lado a lado. A gente se apoia mutuamente. Esperamos por um novo horizonte — um tempo de paz em que possamos retornar à grande casa da nossa família, reconstruir e olhar para frente com perspectivas renovadas.”

 

Trabalho de MSF no Sudão

Em 2024, além da resposta ao cólera, as atividades de MSF em Gedaref incluíram serviços de saúde primária para as pessoas deslocadas internamente, que permanecem na cidade. Duas clínicas móveis foram implantadas nos locais onde essas populações se abrigam, oferecendo consultas ambulatoriais, serviços de saúde sexual e reprodutiva, apoio a sobreviventes de violência sexual e cuidados de saúde mental. A resposta incluiu:

– 16.040 consultas ambulatoriais realizadas em clínicas móveis;

– 1.653 consultas de pré-natal realizadas;

– 3.294 vacinações de rotina do programa ampliado de imunização;

– 277 crianças atendidas por desnutrição aguda grave em centros de nutrição terapêutica ambulatorial;

– 175 encaminhamentos apoiados através das clínicas móveis.

 

 

 

 

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