Número crescente de crianças desnutridas admitidas no Hospital Abs, Iêmen

Dados alarmantes mostram um aumento de casos de desnutrição infantil no Iêmen em 2021; guerra de quase sete anos agravou a situação

Foto: NuhaHaider/MSF/2020

A desnutrição no Iêmen é um problema de saúde anterior ao início do conflito atual. Mas na província de Hajjah e seus arredores, ao noroeste do Iêmen, a guerra de quase sete anos agravou os índices de desnutrição. Esse é particularmente o caso entre crianças menores de cinco anos, com dados de Médicos Sem Fronteiras (MSF) mostrando um aumento alarmante de casos em 2021.

“Um conflito de quase sete anos afetou gravemente a economia do país e enfraqueceu um sistema de saúde já frágil”, disse Nicholas Papachrysostomou, coordenador-geral de MSF no Iêmen. “A situação está piorando a cada dia que passa.”

O Centro de Alimentação Terapêutica para Pacientes Internos (ITFC) no Hospital Abs está funcionando com mais de 100% de sua capacidade desde o início de 2021. Um total de 3.377 pacientes foram admitidos entre janeiro e novembro de 2021, enquanto as equipes receberam 76% mais crianças sofrendo de desnutrição grave juntamente com complicações médicas – principalmente infecções do trato respiratório e diarreia aguda – em comparação com o mesmo período do ano passado.

O mais preocupante para os médicos são as crianças que retornam ao centro de alimentação terapêutica apoiado por MSF no Hospital Abs. Essas crianças pioram novamente depois de já terem sido tratadas, muitas vezes porque não têm acesso a cuidados de acompanhamento regularmente ou porque há escassez de alimentos terapêuticos. Isso pode se tornar um ciclo vicioso, pois as crianças são tratadas repetidamente por desnutrição, enquanto as causas subjacentes relacionadas à crise permanecem sem solução.

Conflitos impactam meios de subsistência

As causas da desnutrição em crianças vão além da simples falta de alimentos. “Por vezes, a desnutrição no Iêmen foi atribuída à fome, o que dá a impressão de que o país não tem comida suficiente para sua população”, diz Papachrysostomou. “No entanto, a questão da desnutrição aqui é mais complexa do que uma simples escassez de alimentos. Nossa preocupação é que, na verdade, as pessoas podem não ter dinheiro para comprar alimentos que, de outra forma, existiriam”.

Muitos iemenitas não são pagos por seu trabalho ou perderam seus meios de subsistência devido ao conflito. Além disso, a desvalorização da moeda iemenita, juntamente com os altos preços dos alimentos, combustível e outras necessidades, corroeu o poder de compra das pessoas. Abs e áreas circunvizinhas atualmente hospedam cerca de 55.650 famílias deslocadas devido ao conflito; a maioria deles depende de ajuda humanitária para sobreviver. Como resultado, muitas famílias enfrentam dificuldades para pagar a quantidade e a qualidade certa de alimentos para seus filhos.

As más práticas de saúde e amamentação agravam ainda mais a situação. Os médicos do Centro de Alimentação Terapêutica para Pacientes Internos no Abs Hospital observaram que, de todas as crianças desnutridas admitidas em 2021, cerca de 33% tinham entre um e seis meses. Um sistema de atenção primária à saúde quase inexistente tornou o acesso aos cuidados de saúde muito difícil, senão impossível, para muitas mulheres grávidas, mães e crianças recém-nascidas. Além disso, uma mãe desnutrida tem maior probabilidade de dar à luz uma criança abaixo do peso.

Muitas das crianças gravemente desnutridas que MSF admite podem ser tratadas em um ambulatório sem a necessidade de hospitalização. No entanto, as pessoas nem sempre encontram centros de alimentação para pacientes ambulatoriais perto de suas casas, especialmente em áreas mais remotas. Consequentemente, uma criança com desnutrição moderada permanece sem tratamento por muito tempo e pode acabar com uma condição mais grave, exigindo hospitalização.

“Devido a um sistema muito fraco de serviços primários de saúde na província de Hajjah, os pacientes costumam viajar longas distâncias e chegam em estado crítico em nossas instalações no Hospital Abs. Os atores humanitários devem priorizar a atenção à saúde materno-infantil e apoiar o sistema de saúde para tornar os serviços de atenção primária mais funcionais. Um sistema de saúde primário aprimorado pode ajudar mães e crianças a receber cuidados em um estágio inicial, a fim de evitar que uma condição de saúde se torne mais grave”, disse Papachrysostomou.

Embora o sistema de saúde precise de atenção, responder a todas as necessidades básicas é a única maneira de abordar a questão da desnutrição. Isso inclui expandir a distribuição de alimentos em áreas gravemente afetadas pela desnutrição e aumentar a conscientização da comunidade sobre as práticas corretas de higiene e amamentação, bem como a identificação precoce de sintomas de desnutrição. Ao mesmo tempo, a situação financeira das pessoas afetadas pelo conflito precisa ser tratada por meio de mudanças econômicas e de infraestrutura, bem como de apoio aos meios de subsistência. Mais importante ainda, as partes beligerantes devem assegurar que o custo da guerra não recaia sobre os menos capazes de suportá-lo. Sem essas mudanças, os casos de desnutrição entre crianças menores de cinco anos provavelmente continuarão aumentando em número e gravidade.

MSF apoiou uma das maiores instalações do Iêmen para o tratamento de desnutrição em crianças, o Abs Hospital, na província de Hajjah, desde 2016, tratando crianças desnutridas com complicações por meio de internação. MSF também tem uma equipe de agentes comunitários de saúde trabalhando nos acampamentos de deslocados internos e na comunidade local. A equipe realiza triagem, identifica crianças desnutridas e as encaminha para centros de alimentação ambulatoriais ou unidades de internação de MSF, dependendo de sua condição.

¹De acordo com o PMA, o custo de uma cesta de alimentos aumentou cerca de 30% nas áreas sob as autoridades baseadas em Sana’a e cerca de 90% nas áreas sob o Governo Internacionalmente Reconhecido do Iêmen em 2021.
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