O desafio de conter o surto de Ebola em Beni

MSF apoia a vacinação em um dos pontos mais críticos da epidemia de Ebola na RDC

O desafio de conter o surto de Ebola em Beni

Esther estremece apenas levemente quando um médico da equipe de vacinação injeta a vacina experimental contra o Ebola chamada rVSV-ZEBOV no braço esquerdo dela em Kimbangu, uma comunidade ao sudoeste de Beni. Justin *, seu filho de dois anos e meio, começa a chorar quando vê uma nova seringa sendo enchida e só se acalma alguns minutos depois de receber a injeção. A vacina parece dolorosa no braço, mas os efeitos colaterais são geralmente leves e os primeiros resultados promissores mostram que ela fornece proteção eficaz para 95% dos participantes após dez dias.

Esther e seu filho foram a um dos três locais de vacinação estabelecidos diariamente por MSF em Beni, como parte dos esforços mais recentes para conter o Ebola, juntamente com as equipes de resposta do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde. “Houve um caso confirmado de Ebola no meu bairro, e uma equipe de vigilância me disse que deveríamos ser vacinados porque somos contatos prováveis”, disse Esther.

A instalação dos locais de vacinação é uma rotina bem coordenada. Uma série de mesas de plástico está alinhada ao lado de uma área de espera, formulários de registro e consentimento são colocados em prática, e a equipe de vacinação se veste com roupas protetoras. Em seguida, um veículo de MSF entrega os primeiros frascos da vacina em um contêiner de resfriamento e um membro da equipe de vigilância começa a identificar os participantes elegíveis.

Embora os casos de Ebola estejam em declínio em Beni desde o final de agosto de 2019, ainda existem novos casos suspeitos e confirmados admitidos todos os dias em zonas de isolamento nas unidades de saúde locais ou no Centro de Tratamento de Ebola (CTE), operado por MSF. Por duas vezes, em dezembro de 2018 e junho de 2019, o surto parecia contido, mas retornou novamente com números ainda mais altos.

O Ebola continua sendo uma doença mortal. Apesar da existência de uma vacina para prevenir contágios e de novos tratamentos para pacientes confirmados, mais de 3.100 pessoas haviam sido infectadas desde o início deste que é o décimo e maior surto na RDC e mais de 2.100 haviam morrido até meados de setembro. Pacientes sintomáticos que apresentam febre, diarreia ou vômito podem transmitir a doença e devem ser isolados e tratados o mais rapidamente possível. No entanto, em todo o Kivu do Norte, o tempo médio entre suspeitar e diagnosticar um caso de Ebola é de cinco dias, durante os quais os pacientes costumam se locomover e passar por vários centros de saúde.

Identificar e vacinar pessoas que provavelmente tiveram contato com doentes, como Esther e Justin, é, portanto, crucial para proteger as pessoas em risco e representa um dos principais desafios para conter o surto. As três equipes de MSF apoiaram 700 vacinações nas duas primeiras semanas de vacinação sozinha, e mais de 51.000 pessoas foram vacinadas em Beni pela resposta nacional ao Ebola e seus parceiros até agora.

No entanto, devido ao uso restrito e ao status ainda experimental da vacina, a estratégia de vacinação em Kivu do Norte está atualmente limitada a uma abordagem em “anel”. Somente contatos diretos e indiretos de casos prováveis e confirmados de Ebola ou trabalhadores da linha de frente, como médicos e equipe humanitária, são alvo da campanha atual. Durante o surto, as equipes nacionais de vigilância só conseguem rastrear um quarto dos contatos conhecidos e prováveis do Ebola, enquanto a maioria permanece não identificada ou nunca é seguida. MSF pediu um comitê internacional independente para avaliar e estender a estratégia e gerenciar o fornecimento de vacinas de maneira mais transparente.

 “Gostaríamos de ampliar nossa estratégia de vacinação e ser mais flexíveis para responder mais rapidamente às zonas de saúde com casos confirmados de Ebola, mas atualmente estamos limitados a um número fixo de doses diárias e trabalhando em locais de vacinação pré-alocados”, disse o gerente de atividades de MSF, Joseph Musakane.

Medos e concepções errôneas sobre a vacina nas comunidades locais representam um desafio adicional para as equipes de vacinação. “Muitas pessoas acreditam que a vacina causa impotência, doenças mentais ou até o próprio Ebola”, disse Joseph MbokaniI Kambale, um agente sensibilizador que atua na resposta nacional ao Ebola. “Outros confundem os sintomas do Ebola com outra doença ou com suspeita de envenenamento, e muitas vezes precisamos convencer as pessoas a virem e serem vacinadas”, acrescentou.

Tornar o tratamento mais acessível e criar confiança junto à população local provou ser igualmente importante para os pacientes que apresentavam sintomas de Ebola no início do surto. No início, MSF trabalhava em um grande centro de triagem central para casos suspeitos, mas logo percebeu que os locais  de isolamento ficariam muito melhor posicionadas mais perto das comunidades. “Começamos a integrar pequenas estruturas de isolamento em seis dos dezoito centros de saúde das zonas de saúde de Beni, onde pacientes e pessoas suspeitas de terem a doença se sentiam mais à vontade para se apresentar na época”, disse Tristan Le Lonquer, Coordenador de Emergências de MSF em Goma.

Os centros de saúde agora também podem ser possíveis locais de vacinação, oferecendo um espaço seguro e protegido perto das comunidades. Ao mesmo tempo, MSF fortalece os serviços de atenção primária existentes nos centros. “Apoiamos consultas ambulatoriais de pacientes, maternidades ou recursos  laboratoriais, que são serviços muito necessários, sob risco de serem negligenciados durante a complexa resposta ao Ebola”, acrescentou Le Lonquer.

Uma segunda vacina experimental que requer duas doses com intervalo de 56 dias acaba de ser autorizada  na RDC como parte de um ensaio clínico prolongado, e MSF e seu braço de pesquisa Epicenter fazem parte do consórcio global que lidera o lançamento.
Em Beni, acabar com a epidemia mortal de Ebola continua sendo uma tarefa complexa, e MSF assumiu recentemente a gestão do grande Centro de Tratamento de Ebola com 13 boxes de isolamento para atendimento de emergência, 3 grandes enfermarias de isolamento para até 40 pacientes e mais de 160 funcionários.

“Quebrar a cadeia de transmissão exige que estendamos nossa abordagem de vacinação, forneçamos opções integradas de isolamento e tratamento, tenhamos um CTE central disponível, mas também atender a outras necessidades de cuidados de saúde e construamos uma relação de confiança com a comunidade local. Precisamos estar presentes em todas as frentes para vencer a complexa luta contra o Ebola ”, concluiu Le Lonquer.

* Os nomes dos participantes foram alterados para proteger a privacidade do paciente.
 

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