O que restou no norte de Gaza: “É como se uma bomba nuclear tivesse atingido a área”

Palestina caminha com os filhos em meio aos escombros durante retorno à Cidade de Gaza. © Motassem Abu Aser

Embora o cessar-fogo em Gaza tenha sido finalmente anunciado, nos últimos meses as pessoas em todo o território sofreram com os bombardeios implacáveis das forças israelenses. A região Norte, em particular, esteve sob cerco e sujeita a bombardeios e ataques devastadores. Além disso, as autoridades israelenses não permitiram a entrada de quase nenhuma ajuda humanitária na região, e as pessoas ficaram sem acesso à assistência médica, pois os hospitais também foram sitiados e sujeitos a incursões militares.

Em nossa clínica na Cidade de Gaza, os pacientes que conseguiram sobreviver ao horror compartilharam suas experiências de sobrevivência ao cerco.

A destruição é inimaginável, catastrófica – é como se uma bomba nuclear tivesse atingido a área. É uma cena que não consigo descrever.”
Mustafa Hassan Abu Hamada , sobrevivente dos ataques israelenses no norte de Gaza

– Mustafa Hassan, sobrevivente dos ataques israelenses. Dezembro de 2024. © Motassem Abu Aser

Mustafa Hassan Abu Hamada e sua família estavam vivendo no acampamento de Jabalia, no norte de Gaza, durante o recente e brutal cerco militar israelense, que deixou a cidade completamente destruída. Inúmeros civis foram mortos e feridos, incluindo profissionais de Médicos Sem Fronteiras (MSF).

“As pessoas à nossa frente tentaram escapar no cruzamento de Al-Awda, mas foram alvejadas. Fomos forçados a voltar. Dissemos: ‘Deixe-nos morrer em nossas casas’. Eu preferiria morrer em minha casa a ser deslocado”, relembra Mustafa.

No norte de Gaza, o exército israelense realizava uma ofensiva terrestre desde 6 de outubro de 2024. Essa contínua operação é uma ilustração evidente da guerra brutal que as forças israelenses têm travado em Gaza, e estamos testemunhando a vida palestina sendo eliminada da região.

No caminho, vimos corpos espalhados por toda parte.”
Sabah Al-Sharawi, sobrevivente dos ataques israelenses em Beit Hanoun, norte de Gaza

“Quando as forças israelenses chegaram, ficamos por uma ou duas horas até que os projéteis começassem a desabar sobre nós, de todas as direções”, conta Sabah Al-Sharawi, que estava em sua casa, em Beit Hanoun, no norte de Gaza, quando foi alvo de um ataque aéreo.

“O primeiro projétil atravessou a sala de estar. Atingiu minhas pernas – as duas pernas”, relata ela. “Meu marido e vizinhos me levaram junto com nossa sobrinha, que também estava ferida, para o hospital Kamal Adwan”.

“No caminho, vimos corpos espalhados por toda parte. Os cães estavam mordendo os corpos. Drones estavam pairando sobre nós, e um helicóptero circulava por cima”, conta. Sabah foi evacuada de Kamal Adwan para a Cidade de Gaza, onde permanece e onde recebe tratamento para seus ferimentos, na clínica de MSF.

– Crianças brincam nos escombros da casa delas, na Cidade de Gaza. Novembro de 2024. © Motassem Abu Aser

“Eu enterrei minha filha e fui embora. Nem sequer a vi uma última vez. Eu não vi minha filha. Não vi meus entes queridos. Fui embora sem ver ninguém”, lamenta Sabah.

Além da destruição implacável, a ofensiva israelense deixou milhares de pessoas sem acesso a alimentos, água ou assistência médica no norte de Gaza. Os efeitos dessas condições são devastadores, especialmente para idosos, crianças e pessoas com necessidades especiais, incluindo pessoas com deficiências.

Os hospitais foram alvo de cercos e incursões violentas, um por um, ao longo de semanas, e muitos profissionais de saúde foram detidos, incluindo um integrante da equipe de MSF. Gradualmente, o número de instalações de saúde disponíveis para a população foi reduzido e, desde 9 de janeiro, não há um único hospital funcional no norte de Gaza para as pessoas que precisam de cuidados médicos.

Além disso, desde 21 de novembro de 2024, nenhum caminhão de suprimentos de MSF foi autorizado pelas autoridades israelenses a entrar no Norte. Isso significa que as pessoas com condições médicas, incluindo ferimentos de guerra, quase não têm acesso a cuidados médicos.

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Como a situação no norte de Gaza se tornou insustentável, muitas pessoas arriscaram suas vidas fugindo para a Cidade de Gaza. Em nossa clínica, vimos um aumento no número de pacientes que precisam de cuidados médicos. Antes de outubro de 2024, nossas equipes realizavam cerca de 600 consultas por semana; no entanto, desde o início das incursões violentas, realizamos mais de 1.400 consultas por semana até dezembro de 2024, com uma proporção maior de queimaduras.

“Honestamente, essa situação não tem precedentes. Tenho 40 anos e, ao longo de minha vida, nunca vi tal nível de agressão ou conflito”, diz Mohammed Wadi, coordenador médico adjunto de MSF em Gaza. “É uma guerra que aniquilou muitos aspectos da vida. Não há água potável disponível. A comida, infelizmente, não está suficientemente disponível. Isso é extremamente desolador.”

 

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